Hedge Funds e Regulação
Roberto Pitaguari Germanos*
Em alguns países, como a Itália, a tarefa pode ser mais simples, pois ali criou-se um tipo específico de fundo que reúne as características mais comuns dos hedge funds, os fondi speculativi. Em outros países, notadamente os Estados Unidos da América, esses fundos tomam diversas formas, sendo constituídos em estruturas societárias ou contratuais geralmente complexas e sofisticadas, sem que se possa individuá-los por sua forma. No Brasil, a forma organizativa que mais se aproxima dos hedge funds talvez seja a dos fundos de investimento multimercado, conforme tipificados na Instrução CVM 409 (clique aqui), que no entanto também podem ser usados como estrutura de fundos absolutamente tradicionais.
Mas afinal, o que são, ou pelo menos, como podemos reconhecer um hedge fund, já que não existe como forma tipificada legalmente? Não há resposta definitiva a essa pergunta. Ainda assim, desde a criação dos primeiros hedge funds, em meados do século passado, até seu período de forte expansão, já no início do século XXI, existem características que podem ser utilizadas para se identificar o que o mercado chama de fundo de hedge.
Uma primeira abordagem para sua identidade decorre de sua função. Reconhecemos os hedge funds como aqueles esquemas de investimento coletivo que contam com uma grande liberdade operacional, ou seja, que permitem aos seus gestores adotar praticamente quaisquer estratégias lícitas de investimento. Tais gestores contam ou não com o auxílio de variados mecanismos financeiros, tais como a venda a descoberto, a alavancagem financeira ou a utilização dos infinitos contratos derivativos, como os CDOs - collateralized debt obligations, que ganharam fama bastante negativa na atual crise, em razão de sua complexidade e insistente distância do ativo real que representam.
De qualquer forma, uma das reconhecidas características, e frise-se vantagem, dos hedge funds, é justamente essa possibilidade legal de se adotar com rapidez a estratégia ou instrumento que o gestor estime vantajoso para a consecução dos objetivos do fundo, conforme eventualmente contratado no regulamento. Naqueles hedge funds mais arrojados, o regulamento explicita somente que o gestor conta com total liberdade de utilizar todas as técnicas e instrumentos financeiros que acreditar necessários para a consecução do objetivo do fundo, ainda que isso possa resultar em resultados negativos ou mesmo em dívida para os investidores.
Outra concepção equivocada é a de que os hedge funds, como poderia se subentender de seu nome (hedge, em inglês, tem nesse caso o sentido de proteção), é a de que tais fundos sempre buscam a proteção do capital investido. De fato, nos primórdios da indústria alternativa de investimentos, esse era o objetivo do fundo que cunhou termo, o A. W. Jones & Co., fundado em 1949: buscar o chamado retorno absoluto, ou seja, valorização ainda que os indicadores financeiros tradicionais estejam em queda. No entanto, ainda que uma boa parte dos atuais hedge funds adotem objetivos de retorno absoluto, não há necessariamente a adoção de medidas que visem proteger o capital sempre, como a venda a descoberto para se contrabalancear, pelo menos em parte, uma posição longa (ativos efetivamente detidos) da qual se espera valorização, como professavam os primeiros hedge funds.
Existem ainda outras características típicas dos hedge funds, reconhecidas pelos estudiosos no assunto: a estrutura de remuneração baseada em elevadas taxas de performance e em taxas de administração; investimento no fundo por parte dos próprios gestores, como forma de alinhamento de interesses com os demais investidores; e o acesso restrito, como forma de limitação dos riscos inerentes a esse tipo de fundo somente aos investidores qualificados ou institucionais, que espera-se tomam os cuidados necessários antes de investir. De qualquer forma, tais características não apontam com segurança a existência de um hedge fund, pois é natural e usual que fundos tradicionais se valham de uma ou outra de tais características, ou de que um hedge fund reúna certas dessas características, mas não necessariamente todas elas ao mesmo tempo.
Acredita-se que o G-20 buscou, ao recomendar uma maior regulação dos hedge funds, a diminuição da possibilidade de riscos sistêmicos deles advindos. Além da flagrante dificuldade em se identificá-los de forma homogênea, dois outros argumentos devem ser considerados. O primeiro está na constatação de que na recente crise, muito provavelmente por conta da liberdade operacional já indicada e da particular habilidade dos gestores de muitos desses fundos, muitos hedge funds registraram consistentemente menos perdas para seus investidores se comparados com os índices de ação usuais e, em alguns casos, proporcionaram lucros. O segundo decorre dos estudos acadêmicos que tentaram estabelecer a relação entre hedge funds e riscos sistêmicos de que se têm notícia que, ao contrário do que se possa imaginar, concluíram por não estabelecer tal relação.
Os efeitos deletérios dos hedge funds num sistema financeiro são pequenos, se comparados com a influência das instituições financeiras, tais como os bancos de investimento, que pelo menos até que a recente crise eclodisse nos Estados Unidos, não raro tomavam posições financeiras alavancadas muito maiores que a de todos aqueles hedge funds que se utilizavam de tais mecanismos, em valores absolutos. Assim, antes que se saia à caça das bruxas, numa sanha regulatória potencialmente populista e improdutiva, deve-se primeiro entender se, o que, porque e como devemos regular os hedge funds, sob a pena de se criarem mecanismos imediatistas e ineficientes, que finalmente comprometerão a livre iniciativa e limitarão a criatividade e liquidez do mercado de gestão de ativos de terceiros, em detrimento da retomada e crescimento da economia nacional e internacional.
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*Advogado do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados
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