As leis de Saulo Ramos1
José Maria da Costa*
Mas é preciso distinguir desde logo, porém, entre os que fazem leis como que levados pela inércia da função e os que pensam e estruturam mecanismos legais criativos, trazem soluções reais e geram efetivos resultados.
Nesse último rol se inclui Saulo Ramos. Mesmo antes de integrar o Governo Federal, ele, que fora consultor da ABAP - Associação Brasileira de Agências de Propaganda e da ABERT - Associação Brasileira de Rádio e Televisão, acabou tendo papel decisivo para que o CONAR – Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária nascesse como um tribunal de ética de natureza privada, integrado e conduzido pelos próprios operadores publicitários, longe, assim, de qualquer participação do governo e sem os empecilhos próprios dos órgãos governamentais.
Depois, viu que, em causas judiciais complicadas, se patenteava a ineficácia da defesa do Governo Federal. E isso porque tais causas ficavam a cargo do Ministério Público Federal, e não de advogados especializados. Então, já como Consultor-Geral da República, atuou fortemente junto à bancada de apoio ao Governo e conseguiu que fosse criada a AGU - Advocacia Geral da União na CF/88 (clique aqui).
Num outro momento, viu que a legislação então vigente previa a instituição do bem de família por escritura pública. Mas notou também que o brasileiro médio nem sabia da existência dessa possibilidade jurídica. E, quando ficava sabendo, ou já era tarde para a solução, ou os custos inviabilizavam sua regularização documental. Nesse quadro, por sua total influência, foi baixada uma medida provisória, que depois se tornou a lei 8.009/90 (clique aqui). A tipificação do bem de família passou a ser automática pela própria lei, sem necessidade de sua instituição por documento específico: se o imóvel era residencial próprio do casal ou de entidade familiar, já era bem de família. Bastava a propriedade e que fosse residência. Adicionalmente, abrangiam-se na proteção as plantações, benfeitorias, equipamentos e móveis, desde que quitados.
Num outro aspecto, viu Saulo Ramos que não tínhamos uma lei específica para licitações públicas e contratos administrativos. Para regrar as primeiras, buscava-se o socorro do Decreto-lei 200/67 (clique aqui), que organizava genericamente a administração federal; para os segundos, o auxílio vinha do Código de Contabilidade da União, de 1928. Com o auxílio do grande administrativista Hely Lopes Meireles, em pouco tempo Saulo Ramos redigiu e fez editar o Decreto-lei 2.300/86 (clique aqui), que passou a regrar, e com proficiência, as licitações e os contratos da administração federal.
Mas não é só: a CF/88 seria promulgada em 5.10.88, e o art. 15 de suas disposições transitórias extinguia o Território de Fernando de Noronha e o reincorporava ao Estado de Pernambuco. Ou seja: o arquipélago saía da proteção do governo federal e passava ao governo estadual. Já ferviam comentários sobre a especulação imobiliária, com o respectivo risco para sua fauna, flora e meio ambiente. Com a presteza que o momento exigia, Saulo Ramos, menos de um mês antes da promulgação da CF/88, redigiu e conseguiu que o Presidente Sarney assinasse o Decreto 96.693, de 14.9.88, pelo qual se criava o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha. Protegia-se, assim, o ecossistema, preservava-se a fauna e a flora, e se mantinham os recursos naturais. E, desse modo, o arquipélago ficava a salvo dos riscos da exploração imobiliária.
O espaço exige que se pare por aqui. Mas é preciso acrescentar que leis inteligentes como essas, criadas sob os auspícios de Saulo Ramos, há bem poucas tanto aqui como no exterior. Garimpando no direito pátrio, encontramos a lei 8.245, de 18.10.91 (clique aqui), que limpou os fóruns e os tribunais dos processos de locação e devolveu o sistema locatício à regulamentação do mercado. Bastou, com um toque mágico, determinar que os recursos contra sentenças proferidas em ações dessa natureza tivessem apenas efeito devolutivo. Ou seja: passassem a ser executadas de imediato, sem esperar o julgamento do recurso pelo tribunal.
No direito de outros países, pode-se citar uma lei que contribuiu decisivamente para despoluir o Rio Tâmisa, que atravessa Londres, na Inglaterra. Contrariando a milenar postura de recolher água rio acima, servir-se dela e devolvê-la sem cuidados rio abaixo, a nova lei obrigou a colher a água rio abaixo e devolvê-la rio acima. Como, pelo novo sistema, sempre se volta a usar parte da água anteriormente devolvida ao rio, o usuário passou a ter mais cuidado para devolvê-la mais limpa e despoluída.
Com tudo isso, vê-se que, mais do que de leis, o mundo precisa de soluções legais criativas, que tragam reais soluções e propiciem resultados mais efetivos. É preciso ter mais leis como as de Saulo Ramos. Com elas e com a devida fiscalização, muito se pode fazer por um ordenamento jurídico mais adequado e mais efetivo. Pode-se fazer mais por um mundo melhor.
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1 Resumo da palestra proferida em 4.6.09, em Brodowski/SP, como parte integrante da 2ª Semana Cultural Saulo Ramos, organizada pela Secretaria Municipal de Educação, pelo Departamento de Cultura e Turismo e pela OAB/SP – Ordem dos Advogados do Brasil. O espaço deste artigo não permite abranger todos os itens postos na palestra.
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*Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas; Professor de Linguagem Forense na Universidade de São Paulo e na Escola Paulista de Magistratura, Diretor do Instituto dos Magistrados do Brasil. Advogado do escritório Advocacia Rocha Barros Sandoval & Costa, Ronaldo Marzagão e Abrahão Issa Neto Advogados Associados
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