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Elementos imateriais do estabelecimento comercial

A propriedade intelectual abarca, além da propriedade industrial, os direitos autorais e outras matérias.

22/6/2009


Elementos imateriais do estabelecimento comercial

Newton Silveira*

I. Propriedade intelectual

A propriedade intelectual abarca, além da propriedade industrial, os direitos autorais e outras matérias.

Pode-se dizer que o direito de autor remonta à velha Roma clássica, não na roupagem de direitos patrimoniais exclusivos, como hoje, mas como direito de autoria, ou seja, o direito de alguém ser reconhecido como autor de uma obra, especialmente uma poesia. Ao usurpador da autoria se denominava plagiário e a sanção ocorria no campo da ética, e não dos direitos patrimoniais.

Na Renascença, o mundo ocidental ensaia algumas tentativas de premiar os inventores com privilégios temporários, como ocorreu na República de Veneza em 1474. Era a época de Leonardo da Vinci, que viveu entre 1452 e 1519, notável inventor e artista que navegava livremente nos mares das artes e das invenções, neles aplicando indiferentemente suas qualidades intelectuais.

Mas foi no bojo da revolução industrial que eclode, em 1789, na França, a revolução burguesa (social e política), sob o lema da liberté, égalité et fraternité.

Ali os dois campos básicos dos direitos do inventor e do autor artista tomam forma e espaço próprio através, respectivamente, das leis francesas de 1791 e 1793.

Reflexo dessa nova ordem foi o Alvará de 28 de abril de 1809, de D. João VI, considerado a primeira lei de proteção aos inventores no Brasil e a quarta no mundo, ao lado da Inglaterra, França e Estados Unidos da América.

A Lei de 11 de agosto de 1827, que criou os cursos jurídicos no Brasil, foi também nossa primeira lei de direitos de autor.

As marcas de indústria e comércio se inserem no campo da propriedade industrial e são protegidas no Brasil desde 1875, ano em que foi editada nossa primeira lei a respeito.

Essa nova ordem se internacionaliza através da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial de 1883 e da Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias, Científicas e Artísticas de 1886, ambas subscritas pelo Brasil.

Aos direitos de autor foram acrescidos os direitos dos artistas intérpretes e executantes, sob a rubrica de direitos autorais.

A essa altura, a propriedade industrial compreendia os direitos dos inventores e dos sinais distintivos empregados no comércio e os direitos autorais abrangiam os direitos de autor, propriamente ditos, e os direitos dos intérpretes e executantes.

Mas o conteúdo da propriedade intelectual seguiu se alongando. Desde 1807 na França, Napoleão Bonaparte editou lei específica de proteção aos desenhistas industriais. Hoje, os desenhos industriais constituem capítulo da propriedade industrial, embora de natureza estética. Nos anos 80 do séc. XX tomou corpo a proteção aos programas de computador, que foi se alojar sob o manto do direito autoral, embora de natureza técnica.

Mais recentemente, passou-se a tutelar, também, as denominadas cultivares (variedades vegetais) e a biotecnologia, seja através do sistema de patentes, seja através de sistema sui generis.

Na lei de direitos autorais foi incluída a proteção às empresas produtoras de fonogramas e de radiodifusão, mais de natureza industrial que artística.

Finalmente, por lei própria, o Brasil passou a tutelar os circuitos integrados.

Assim, temos atualmente a lei de propriedade industrial, que cuida das patentes de invenção e modelos de utilidade, dos desenhos industriais e de marcas e concorrência desleal. Além de, por leis próprias, as cultivares e os circuitos integrados.

De outro lado, a lei de direitos autorais, que trata dos direitos de autor e dos chamados direitos conexos, que são os direitos dos artistas (intérpretes e executantes), das produtoras de fonogramas e das emissoras de rádio e televisão. A lei de direitos autorais inclui, também, os chamados direitos morais de autor como à paternidade e integridade da obra, direitos de personalidade e, portanto, inalienáveis. Entre os direitos autorais, mas por lei própria, são protegidos os programas de computador.

Todas essas leis foram editadas após 1995, ano que entrou em vigor no Brasil o chamado Acordo TRIPs que regula em nível internacional a propriedade intelectual nos países integrantes da OMC – Organização Mundial do Comércio.

II. Empresa

A empresa apareceu timidamente no nosso direito através da lei de abuso de poder econômico de 1962 e da CLT (clique aqui) para objetivos específicos de punir o monopolista e responsabilizar o empregador.

Surgiu, também, na doutrina pátria, inspirada pelo Códice Civile italiano de 1942. Essa figura foi longamente maturada no direito italiano, gerou teses no Brasil, como a de Waldirio Bulgarelli, e, finalmente, exsurgiu no Código Civil nosso, de 2002 (clique aqui), no art. 966 que abre o Livro da Empresa.

Deve-se a Asquini a formulação dos quatro perfis da empresa: o subjetivo (o empresário), o objetivo (o estabelecimento – azienda), o funcional (a atividade econômica organizada de produção e distribuição de bens e serviços – conforme art. 966) e o institucional. Como já dizia Jorge Americano em sua tese sobre as fundações, a palavra instituição serve para tudo e nada explica.

Assim, em minhas aulas de graduação, optei por explicar o quarto profilo como o conjunto dos outros três, o subjetivo, o objetivo e o funcional, uma trindade que também poderia ser vista como unidade.

Em vista do art. 52 do CC, hoje a doutrina aceita que o nome empresarial, por se referir ao empresário ou sociedade empresária, deva enquadrar-se entre os direitos de personalidade. É verdade que muitos comercialistas no passado já haviam assim considerado o nome comercial, mas na sua vertente de firma, e os direitos de personalidade competiam aos sócios nominados na firma e não à sociedade. Por isso, a ousadia não albergava as denominações.

Já as marcas registradas, por seu enfoque patrimonial de rei imateriali, tratadas na CF/88 (clique aqui) e na Lei de Propriedade Industrial (clique aqui) como propriedade, enquadram-se, sem dúvida, entre os bens componentes do estabelecimento aziendal, no perfil objetivo da empresa.

Resta uma infinidade de outros sinais não enquadráveis nem do lado subjetivo da empresa, nem do lado objetivo.

Lembra Bulgarelli em sua tese sobre a teoria da empresa (que hoje já é direito posto e não mera teoria) que, modernamente, o elemento caracterizador da empresarialidade é a atividade econômica organizada (perfil funcional). Destacou ele em seu estudo que a noção econômica de empresa como organização da atividade econômica não encontrava lugar no Direito. Mas atividade sim, não só por representar um feixe de atos jurídicos (a atividade negocial) mas por essa mesma atividade ser tutelada pelas normas da concorrência, seja a privada (concorrência desleal), seja a pública (anti-trust).

É nesse perfil que o art. 195 da Lei da Propriedade Industrial de 1996 vai enquadrar os demais sinais distintivos da empresa: o título do estabelecimento, a insígnia, os sinais de propaganda, a marca de fato (não registrada), o dito tradedress e mesmo o nome comercial, que diferentemente do nome empresarial dos arts. 1.155 e seguintes do Novo CC, ganha aqui perfil concorrencial, o que altera a camisa de força do território do Estado que o novo Código lhe vestiu, para o âmbito geográfico da concorrência.

Se pensarmos, agora, na clássica divisão dos direitos subjetivos, recepcionada por Edmond Picard no seu Droit Pure, o nome empresarial se enquadrará entre os direitos de personalidade (jus in persona ipsa), as marcas registradas e as criações técnicas e estéticas entre os direitos reais (jus in rei imateriali) e os demais sinais referidos entre os direitos de crédito ou das obrigações (jus in persona aliena), estes relativos, os demais absolutos, ou erga omnes.

Assim sendo, como elementos identificadores da atividade "aziendal", todos os sinais usados pelo empresário devem receber a mesma tutela contra a concorrência desleal, independentemente de sua especialização em signos do empresário, do estabelecimento ou do produto ou serviço. Nesse sentido, tais sinais não constituem bens imateriais (embora sejam imateriais), mas acessórios de bens imateriais (estes no significado de obras do espírito, acrescidas ao patrimônio intelectual da humanidade pela atividade criativa de um agente – o autor em relação às obras intelectuais; o inventor, em relação à invenção; o empresário, em relação ao aviamento).

É o ordenamento jurídico que, reconhecendo o fato inconteste da especialização de tais signos, obra da vontade ou destinação do empresário, os erige, por sua vez, em bens imateriais. Assim, atribui uma tutela específica ao nome comercial, outra ao título e à insígnia, outra diferente às marcas, ou aos sinais e expressões de propaganda.

Pode-se dizer, portanto, que, enquanto a lei reconhece a existência dos bens imateriais – obras do espírito – cria, por sua vez, novos bens imateriais – obra da lei – nestes buscando reprimir a concorrência desleal, utilizando a mesma técnica que pareceu apropriada à tutela das obras intelectuais. Nesse nível, então, se reúnem numa só categoria de bens imateriais tanto as criações intelectuais quanto os signos exteriores que as identificam.

Mas a constituição desses novos bens imateriais não substitui completamente nem supre a necessidade de ser mantida a tutela contra a concorrência desleal que se exerce por meio dos atos confusórios. Ao lado do direito especial, que cria e tutela os institutos jurídicos do nome comercial, da marca e dos sinais e expressões de propaganda, permanecem atuantes as normas repressoras da concorrência desleal, que tutelam alguns aspectos do nome comercial objetivo (não registrado), o título e a insígnia (para os quais falta, de momento, um registro próprio), a marca não registrada e mesmo marcas não registráveis, desde que, de fato, estejam estas últimas atuando perante os consumidores como sinais distintivos das mercadorias, produtos e serviços oriundos da "azienda"1."

III. Nome Empresarial

Os signos inicialmente utilizados sob o termo marca designavam propriamente os proprietários, os artesãos ou lugar de origem, e, após a revolução comercial, as corporações, os mestres e os grandes mercadores.

Após a revolução industrial passaram a representar os produtos e mercadorias e, modernamente, os serviços. Migraram de uma indicação subjetiva para objetiva, de forma que a marca registrada (bem imaterial) pudesse estar entre os bens materiais e imateriais componentes do conjunto de bens organizados pelo empresário ou sociedade empresária para o exercício da empresa – o estabelecimento empresarial definido no art. 1.142 do novo CC. Observe-se que se trata do único artigo do CC que menciona a trindade do direito empresarial: empresa, empresário e estabelecimento.

O nome empresarial, por sua vez, está nos art. 1.155 a 1.168 do CC. Por aplicação do art. 52 é direito de personalidade, seja do empresário individual, seja do coletivo, pessoa jurídica. Por isso, não pode ser objeto de alienação (art. 1.164) e se trata de direito imprescritível, por força do discutível art. 1.167 que declara caber a qualquer tempo ação para anular a inscrição do nome empresarial feita com violação da lei. É a velha concepção de nome comercial subjetivo (vide Gama Cerqueira2) ou sinal de identidade (vide Karin Grau-Kuntz3), de caráter registral, e por isso sua proteção é restrita ao território do Estado – art. 1.166 – onde se encontrar a Junta Comercial ou o Registro Civil das Pessoas Jurídicas da sede – art. 1.150.

Ao lado desse nome empresarial, de caráter subjetivo, pessoal e registral – e, portanto, não sujeito ao princípio da especialidade, mas sujeito ao da territorialidade – subsiste o velho nome comercial objetivo (conforme Gama Cerqueira e Mario Rotondi), sinal de trabalho (conforme Karin Grau-Kuntz), de natureza concorrencial, sem limitação territorial, tutelado através do artigo 8º da Convenção de Paris e do art. 195, V, da lei 9.279/96, a Lei da Propriedade Industrial.

IV. Concorrência

Entende Carnellutti que as normas reguladoras da concorrência tutelam diretamente o aviamento do estabelecimento comercial, considerado como a idéia organizadora através da qual o empresário dá unidade ao estabelecimento e o torna apto à atividade empresarial. Haveria, assim, um direito sobre o conteúdo imaterial da azienda – o aviamento – verdadeira obra da inteligência. Escreveu ele: "É aqui que a noção do direito, que às vezes se chama direito de autor, às vezes direito de patente, e outras direito sobre as obras da inteligência, não se esgota quando nela se compreendem somente os direitos sobre a obra artística e sobre a invenção industrial; o certo é que, ao lado destas figuras, há uma terceira pertencente ao mesmo genus, que tem por objeto o aviamento, e se percebe quando o direito se considera pelo lado do conteúdo mais que pelo lado do objeto, em particular sob aquela espécie do direito à marca, o qual, precisamente, não é outra coisa que um aspecto do direito sobre o aviamento da azienda".

Quanto à concorrência desleal, há que discriminar as normas de direito privado (concorrência desleal ou ilícita) e de direito público (abuso de poder econômico). As normas de concorrência de direito privado tutelam diretamente o aviamento e têm aplicação subsidiária nas infrações aos demais direitos de propriedade industrial e de autor. As de abuso do poder econômico tutelam a liberdade de concorrência dentro da ordem econômica e social.

Ascarelli, em sua Teoria da Concorrência, ao se referir às diversas instituições que podem ser abarcadas pelo Direito Industrial, coordenadas pela disciplina da concorrência e da empresa, coloca o acento da disciplina "sobre o interesse geral do progresso cultural e técnico e sobre o interesse do consumidor, identificando em uma probabilidade de ganho o interesse tutelado na disciplina privada da concorrência e portanto também na dos bens imateriais".

Adota Ascarelli o esquema do direito de propriedade, "entendido como referência do direito absoluto patrimonial a um bem externo ao sujeito", como apropriado à disciplina das invenções, modelos, obras do engenho e sinais distintivos.

Segundo Ascarelli, o denominado direito patrimonial do autor tem como fato constitutivo a criação da obra e como ponto de referência a própria obra, considerada como externa ao sujeito, o qual conta com um direito absoluto sobre sua utilização. Por esse motivo, Ascarelli utiliza o esquema da propriedade, considerando o direito absoluto do autor como um direito de propriedade sobre sua obra, bem imaterial.

O objeto do direito de autor é, em conseqüência, uma obra, entendida como produto da elaboração do intelecto, enquanto o invento consiste em uma idéia no campo da técnica industrial. As demais criações de forma, como os modelos e desenhos, bem como os sinais distintivos, constituem também bens imateriais, sendo certo que, no entanto, a exclusividade conferida pela lei se refere a uma determinada atividade, correlacionada a esses bens imateriais.

Enquanto os chamados bens imateriais tutelados diretamente por normas específicas (como as patentes, marcas e direitos de autor) gozam de exclusividade absoluta, podendo se incluir entre os direitos reais, outros bens imateriais não chegaram a merecer do legislador essa tutela específica. Assim, os sinais distintivos não registrados, os segredos de fábrica e de comércio, a cópia servil de produtos não patenteados, recebem do legislador um tratamento genérico, através das normas de repressão à concorrência desleal, incluindo-se entre os direitos de crédito, de exclusividade relativa. A incidência da norma vai depender de uma situação de concorrência entre os agentes.

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1 SILVEIRA, Newton. Licença de Uso de Marca e Outros Sinais Distintivos. 1ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 1984. pp. 15-16.

2 GAMA CERQUEIRA, João da. Tratado da Propriedade Industrial. Volume I. Parte I. 1ª edição, Rio de Janeiro: Editora Revista Forense, 1946. pp. 449 e seguintes.

3 GRAU-KUNTZ, Karin. Do nome das pessoas jurídicas. 1ª edição, São Paulo: Malheiros Editores, 1998.

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*Advogado do escritório Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados - Advogados


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