Garantias no contrato de locação – modalidades e abusos perpetuados por locadores e administradoras de imóveis
Luciana Vilhena Moraes Saldanha Fontolan*
Antes de adentrarmos com mais acuidade nos termos da lei, cumpre-nos fazer uma breve recapitulação dos conceitos dos tipos de garantia que podem ser exigidas e concedidas pelo locatário ou por terceiros. Vejamos:
A caução, primeira modalidade prevista em lei, pode ser dada pelo locatário por bens próprios, móveis ou imóveis, sendo que quando se referir a bens móveis, deverá ser registrada no Cartório de Títulos e Documentos e, quando se referir a bens imóveis deverá ser averbada à margem da matrícula do respectivo imóvel, objeto da locação, no Cartório de Registro de Imóveis a que pertence. Além disso, e mais comumente, exige-se a caução em dinheiro, no valor correspondente a 3 meses o valor do aluguel pactuado. Neste caso, cumprida integralmente a obrigação do locatário, poderá este último levantar, ao final do contrato, referido valor, importante frisar, devidamente atualizado. Tal modalidade hoje é pouco utilizada, uma vez que o valor dado em garantia quase nunca suporta todas as obrigações devidas pelo locatário, em razão da demora na efetiva obtenção de sua desocupação do imóvel.
Já a fiança, segunda modalidade prevista na lei, é garantia pessoal concedida por terceiro em favor do credor/locador, podendo ser concedida no próprio contrato ou em documento apartado, já que o afiançado/locatário não participa desta relação. Tal garantia é prestada com base na confiança que tem o fiador em seu afiançado e pautada na solvabilidade daquele. Não há que se falar, portanto, que o fiador dá em garantia este ou aquele bem móvel ou imóvel de sua propriedade, como muitos pensam e trata-se de grave erro. O patrimônio do fiador/garantidor poderá ser apenas levantado, pesquisado, a fim de saber se o mesmo tem condições financeiras de arcar com eventual obrigação inadimplida pelo locatário/afiançado, mas nunca, em momento algum, ficam seus bens adstritos, vinculados ao cumprimento da obrigação como muitas vezes pensam e pretendem os locadores/administradores de imóveis.
Temos em terceiro e último lugar, o seguro fiança, modalidade esta mais segura e moderna e que a meu ver deveria ser adotada na maioria das situações. Infelizmente pelo seu custo, considerado alto por alguns e por exigir do locatário uma ficha cadastral sem máculas, acaba por impedir e afastar a sua efetiva utilização.
Ocorre que apesar de expressamente vedada por lei, a exigência e inserção num mesmo contrato de locação de mais de uma modalidade de garantia é corrente, falha esta cometida em sua maioria por locadores desavisados e pelas administradoras de imóveis que costumam intermediar as locações.
Note-se que nos contratos "modelo" ou "padrão" mais utilizados, verifica-se quase que em sua totalidade a menção a garantia fidejussória e, por outro lado, contêm cláusula indicando e vinculando um bem imóvel do fiador, visando com este último também garantir a relação locatícia.
Tal prática é nula e abusiva, sendo utilizada, principalmente, por desconhecimento e ignorância das partes, bem como pelos próprios usos e costumes do lugar.
Infelizmente é muito comum vermos que quando o locador solicita a garantia fidejussória, junto com ela muitas vezes exige este último do fiador cópias de no mínimo 2 matrículas de imóveis que sejam de sua propriedade e indevidamente vinculam um desses imóveis no contrato a ser firmado, muitas vezes chegando a averbar referido instrumento perante o Cartório de Registro de Imóveis. Ora, neste caso temos a garantia pessoal (fidejussória) e a real (caução em bem imóvel) e tal previsão não pode, nem deve prevalecer.
Tal prática constitui contravenção penal, punível com prisão simples de 05 dias a 06 meses ou multa de 3 a 12 meses do valor do último aluguel, conforme preceitua o inciso II do art. 43 da lei 8.245/91.
Além disso, a duplicidade de garantias torna inválida a garantia prestada em excesso, não sendo, portanto qualquer vantagem ao locador ou às administradoras de condomínio exigirem ambas. Neste ponto, O Prof. dr. Gildo dos Santos1 sustenta que, apesar de não haver dispositivo legal neste sentido, deveriam ser nulas todas as garantias prestadas, caso haja mais de uma, como forma de punição ao locador.
Por fim, é certo que seria muito mais trabalhoso, mas o mais correto, caso fosse adotada a garantia fidejussória num contrato de locação, que fosse neste incluída uma cláusula em que o fiador devesse, a cada ano do contrato, renovar a sua ficha cadastral, comprovando sua solvabilidade. Outra opção, já num contrato em que a garantia prestada fosse a caução em dinheiro, de que a cada ano e caso a atualização do valor depositado não fosse suficiente, complementasse o locatário a diferença entre o valor do aluguel corrigido e o valor depositado como garantia atualizado, garantindo assim uma menor desproporção entre ambos e evitando um futuro prejuízo ao locador.
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1 Em sua obra "Locação e Despejo", 4ª edição, Editora Revista dos Tribunais
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*Sócia do escritório Almeida Alvarenga e Advogados Associados
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