A sinistralidade nos Planos de Saúde
Melissa Areal Pires*
Inicialmente, cumpre trazer à tona um simples conceito do que é a sinistralidade: trata-se de um indicador financeiro que reflete a relação entre os sinistros pagos e o valor do prêmio. Trocando em miúdos, é um indicador que prova se o contrato ainda está compensando financeiramente para as partes, ou seja, se o valor pago como prêmio (mensalidade) é justo e mantém a relação contratual financeiramente equilibrada, considerando os sinistros pagos.
Para que o reajuste por sinistralidade possa ser considerado legal, não pode haver violação das normas e princípios do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Nesse sentido, devem ser observadas algumas questões principais:
(i) sua aplicação deve estar prevista em contrato;
(ii) a cláusula contratual que prevê esse tipo de reajuste deve ter sido redigida observando-se um princípio básico do consumidor, qual seja, o de ser informado claramente sobre o que está contratando (art. 6º, III);
(iii) o índice aplicado não pode ser dissonante da realidade econômica do país, o que fatalmente causará desequilíbrio financeiro ao contrato e causará desvantagem exagerada ao consumidor do plano de saúde.
Nesse sentido, esclarece-se que o direito de informação do consumidor reflete um dever da operadora de saúde e, conforme bem ensina José Geraldo Brito Filomeno, "trata-se do dever de informar bem o público consumidor sobre todas as características importantes de produtos e serviços, para que aquele possa adquirir produtos, ou contratar serviços, sabendo exatamente o que poderá esperar deles".
Mas o que se tem visto, razão da enxurrada de ações na Justiça nas quais se discute esse tipo de reajuste, é que os contratos até prevêem o aumento do prêmio em razão da alta na sinistralidade, mas a cláusula contratual que autoriza a operadora de saúde a tomar essa atitude foi redigida de maneira obscura e com fórmulas e cálculos de difícil compreensão, que não permitem ao consumidor saber exatamente o quanto o prêmio será reajustado. E, ao mesmo tempo, o índice aplicado, em alguns casos mais de 800%1, elevam em demasia o valor do prêmio, o que, muitas vezes, inviabiliza o pagamento por parte do consumidor.
Em razão disso, a grande maioria das decisões judiciais tem considerado nula a cláusula contratual que prevê o reajuste por sinistralidade, em atendimento a disposto no art. 51, incisos IV, X, XV e §1º incisos I, II e III do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Entendem os julgadores, entre outras questões, que o reajuste por sinistralidade:
(i) não prevê de maneira expressa, exata e com detalhes os percentuais a serem aplicados, não tornando possível ao consumidor a verificação da correção do reajuste, situação que viola o art. 54; §4º do CPDC;
(ii) elevam a prestação para fora da realidade, causando instabilidade no contrato, que coloca o consumidor em desvantagem exagerada e em situação de grave risco à saúde;
(iii) por ser unilateral, permite que prevaleça o interesse da operadora de saúde por meio de cálculos e custos desconhecidos, o que fere o princípio da transparência na execução dos contratos.
Acertadamente, essas decisões são a maioria no judiciário brasileiro, que decidiu por proteger o consumidor, parte vulnerável na relação contratual. E o faz para evitar que esse mesmo consumidor, que por anos pagou a mensalidade para a operadora de saúde (em muitos casos sem se utilizar da cobertura oferecida e que, nem por isso, pleiteou a redução pela "baixa" sinistralidade), fique desamparado, com sua vida e saúde exposta a graves riscos, por causa de uma rescisão contratual motivada por inadimplência, esta, por sua vez, ocorrida em razão de abusivos reajustes da mensalidade que impossibilitem ao consumidor o cumprimento de sua obrigação principal na relação contratual, qual seja, a de simplesmente pagar o prêmio para ter acesso aos serviços contratados.
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1 Agravo de Instrumento n. 568.151.4/6, do TJ/SP
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*Sócia do escritório Vilhena Silva Sociedade de Advogados
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