Supremo confirma constitucionalidade da lei de recuperação judicial
Mário Gonçalves Júnior*
Os Ministros Gilmar Mender e Cezar Peluso enxergaram na lei 11.101 "engenharia institucional" a fim de viabilizar créditos para satisfazer o ativo e eventuais passivos da empresa em recuperação. O Ministro Lewandowski divisou no objetivo da lei a preservação do maior número possível de empregos em momentos de adversidade financeira.
O PDT, autor da ação de inconstitucionalidade, sustentava violação dos princípios constitucionais da valorização e da dignidade dos trabalhadores.
Realmente essa vinha sendo a grita dos partidos de esquerda contra a Lei de Recuperação. Depois de 11 anos de tramitação no Congresso, prevaleceu o texto agora confirmado pelo Supremo.
A divergência se explica por angulações opostas sobre o princípio protecionista que informa o Direito do Trabalho. Desde a era Vargas, a não ser quando da própria CF/88 (clique aqui) – que prevê certas hipóteses de flexibilização, como no caso das negociações coletivas para redução de salário e jornada -, e em alguns momentos do Governo FHC (exs.; banco de horas, trabalho a tempo parcial), não se via tamanho temperamento ao princípio da proteção ao trabalhador como nesses dois dispositivos da Lei de Recuperação.
Ao contrário do que sustentam os políticos de esquerda, a Lei não só não fere, como atende aos comandos constitucionais, até mesmo o da valorização do trabalho, uma vez que o foco são as empresas em recuperação judicial, isto é, empresas que sacam o último remédio legal para tentarem não deixar de existir. Trata-se de situação de extremada fragilidade financeira, para a qual se justificam institutos específicos e menos paternalistas.
É preciso não perder de vista que as empresas são as geradoras de emprego e renda, e que a sua preservação deve mesmo ser perseguida, como acontece nas mais modernas legislações do mundo. Tolerar que as medidas clássicas de proteção previstas na legislação do trabalho sejam aplicadas com a mesma dose nas empresas que estão em recuperação judicial seria descumprir os princípios e propósitos da citada lei e submeter as empresas recuperandas a perigoso flerte com a falência.
Foi muito bem lembrado no julgamento do Supremo que a descontaminação da empresa em recuperação dos passivos trabalhistas, para que a mesma se torne mais atraente ao mercado e assim estimule a sua aquisição por outros grupos, é fazer preservar, num momento de aperto financeiro, a possibilidade dessas empresas darem continuidade à atividade empresarial. Numa situação de crise irreversível todos perdem, inclusive os trabalhadores. A reversibilidade, portanto, deveria ser desejada por todos.
Isto não torna os direitos trabalhistas vencidos e não honrados "créditos podres". O próprio preço pago pelas empresas vendidas pode ser bloqueado por medidas judiciais cautelares, e servirem para, em reclamações trabalhistas ou ações civis públicas propostas pelos Sindicatos profissionais, pagamento dos trabalhadores. Se a empresa não fosse vendida, a situação de aperto financeiro permaneceria, cabendo aos trabalhadores apenas torcerem pelo sucesso da recuperação judicial. Há que se convir que a primeira alternativa é mais rápida e simples para os próprios trabalhadores.
Interessante notar que a CF/88 prestigia o valor do trabalho e da livre iniciativa, lado a lado, no mesmo inciso (IV) do artigo 1º., que trata dos pilares da República. Se o Congresso Nacional encontrou uma fórmula infraconstitucional que atende equilibradamente aos dois cânones, acertou o Supremo na última palavra sobre a Lei de Recuperação.
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*Advogado do escritório
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