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As Parcerias Público-Privadas sob fogo cruzado

A “Parceria Público-Privada” (PPP) é uma real inovação no cenário brasileiro? A PPP produzirá benefícios para a Nação ou será apenas mais uma fonte de geração de conflitos e litígios perante o Judiciário? Essas perguntas têm respostas diferentes dos especialistas das áreas econômica, jurídica e de investimentos.

6/12/2004

As Parcerias Público-Privadas sob fogo cruzado


Marçal Justen Filho*

A “Parceria Público-Privada” (PPP) é uma real inovação no cenário brasileiro? A PPP produzirá benefícios para a Nação ou será apenas mais uma fonte de geração de conflitos e litígios perante o Judiciário? Essas perguntas têm respostas diferentes dos especialistas das áreas econômica, jurídica e de investimentos. As disputas refletem diferenças ideológicas, mas refletem, antes de tudo, a dúvida sobre o significado da própria expressão. Afinal, o que é uma Parceria Público-Privada? Essa é a primeira pergunta a ser respondida.

Uma PPP é um contrato entre a Administração Pública e um particular, cujo objeto é ou (I) a delegação de serviço público mediante remuneração parcial ou totalmente custeada pelos cofres públicos (concessão subsidiada) ou (II) a execução de uma obra necessária à prestação de um serviço, cujo pagamento se prolongará durante o período de garantia(concessão administrativa). A definição mais precisa do objeto da PPP foi uma colaboração essencial do jurista Carlos Ari Sundfeld para o aperfeiçoamento do projeto.

Portanto, a PPP é e não é uma real inovação no cenário brasileiro. É uma inovação porque permitirá ao Poder Público captar investimentos da iniciativa privada para projetos que anteriormente dependiam apenas dos recursos públicos. Não é uma inovação porque as regras aplicáveis serão, basicamente, as da concessão de serviço público.

Mas a grande questão envolve o potencial de benefícios e problemas que a PPP poderá trazer. Todos estão de acordo que o Brasil precisa de investimentos para continuar a crescer e todos concordam que a iniciativa privada dispõe de recursos para investir. Também é evidente que a PPP será um instrumento relevante para atender às necessidades públicas. Mas a concordância vai apenas até esse ponto.

A primeira divergência é o processo de contratação das PPPs, que não pode ser idêntico ao de uma contratação administrativa comum disciplinada pela Lei nº 8.666 (Licitações e Contratos Administrativos). Talvez se possa aplicar o regime da Lei nº 8.987 (de Concessões), mas são necessárias inovações. Não é admissível que a PPP seja um instrumento de captação de recursos para os cofres públicos. O critério de julgamento deve ser o menor encargo para os cofres públicos e deve haver espaço para negociação entre a Administração e os empresários interessados. Isso deve ser feito de modo transparente, sob controle da sociedade. Ou seja, a licitação para a PPP deve comportar uma certa flexibilidade, mas sem que isso dê oportunidade a fraudes.

A segunda questão é a existência de garantias em favor do Poder Público, para assegurar que o projeto seja o melhor, o mais econômico e que existam instrumentos para assegurar a responsabilidade do particular por defeitos na concepção ou na execução do objeto. Isso envolve a superação de conceitos tradicionais na contratação administrativa, especialmente a adoção de um novo enfoque quanto à chamada “equação econômico-financeira”. Portanto, o contrato de PPP tem de ser assumido pelo particular com grande margem de responsabilidade pelos acertos e pelos erros.

A terceira questão é a previsão de garantias em prol do particular para o recebimento dos pagamentos assumidos pelo Poder Público. O problema não é peculiar às PPPs, mas decorre da regra constitucional de pagamento das dívidas da Fazenda Pública por meio de precatórios. Não será viável adotar um regime em que o pagamento ficará subordinado à mera vontade do governante.

A quarta questão é a limitação da responsabilidade do Poder Público à sua capacidade de endividamento, para evitar que sejam produzidas contratações destinadas ao fracasso por ausência de recursos públicos suficientes.

O maior problema na discussão das PPPs é a ausência de um enfoque abrangente. O governo se preocupa com as dificuldades imediatas. Os economistas querem aumentar a eficiência da economia. Os investidores querem saber das garantias. Os juristas ignoram os reflexos econômicos das suas avaliações. O resultado é um somatório de monólogos, em que cada um privilegia um aspecto diverso do problema. É necessário que todos os setores da sociedade e do governo sentem-se à mesma mesa e discutam os ângulos da questão.

Há um aspecto essencial, problema e solução ao mesmo tempo. A sociedade civil brasileira tem de ser tratada como um sujeito, não como um objeto, na discussão e na implantação das PPPs. Se existe uma inovação indispensável na Lei das PPPs é dar à sociedade a participação ampla e efetiva na discussão e na definição dos contratos. Até porque, afinal, será a sociedade quem pagará a conta.
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* Advogado do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados









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