Infidelidade tributária
Marcelo de Melo Fernandes*
Certa vez botou fim numa discussão dos filhos sobre quem arcaria com os custos do conserto do videogame. O filho mais velho, agraciado com a maior mesada, insistia que os custos deveriam ser repartidos igualmente entre os três irmãos, pois todos aproveitavam igualmente aquela diversão.
O mais novo, que recebia dinheiro suficiente apenas para os lanches da escola e outras pequenas amenidades, não queria colaborar, muito embora fosse o mais fanático pelos jogos modernos. O filho do meio, por sua vez, sequer interferia na briga, tanto por medo do mais velho como por certa dose de piedade do irmão caçula.
Como não havia acordo para o rateio, logo acharam o culpado pelo impasse – o pai. Ora, como poderia diferenciar os filhos no valor da mesada? Até mesmo a mãe, cansada da encrenca, sugeriu ao chefe da casa que igualasse a quantia dada semanalmente a cada garoto.
O tributarista, aborrecido, explicou-lhes o conceito de capacidade contributiva, competência dos entes federativos e outras chatices mais. Disse que cada um ganhava de acordo com o quanto colaborava com os afazeres do lar e, portanto, deveria contribuir na mesma proporção.
O filho mais velho, além incumbido da limpeza do jardim, era o responsável pela lavagem semanal do carro pertencente ao ilustre advogado. Ao filho do meio era incumbida a importantíssima missão de levar o cachorro da família para os passeios diários. O mais novo, coitado, sequer tinha tamanho para segurar o cachorro, e muito menos para levantar um balde d’água.
Cada um dos filhos contribuía como podia para o bem-estar da família, e consequentemente ganhava para tanto. Exceção justa era o caçula, incapaz de grandes esforços e com renda semanal dentro do limite de isenção para a já famigerada despesa.
Após os três filhos escutarem atentamente a entediante doutrina do pai, o tributarista deu-se por satisfeito em pregar-lhes os primeiros ensinamentos de sua profissão e o custo do reparo acabou saindo de seu próprio bolso. Afinal de contas, essa era a oportunidade perfeita de causar uma boa impressão do Direito.
E assim o velho advogado seguia, pregando a doutrina tributária por onde quer que passasse. Em certa oportunidade passou um pito feroz na mulher. Ora, como ela poderia achar injusta a reserva de vagas especiais aos idosos no supermercado? Irritado, explanou por horas acerca do princípio da isonomia. Por fim, a pobre mulher finalmente percebeu que os desiguais deveriam ser tratados de acordo com sua desigualdade.
Certo dia, já cansada do tédio conjugal e mais ainda das excentricidades jurídicas do marido, ela não pensou duas vezes...envolveu-se com um vizinho. Não era paixão, na verdade os amantes tinham apenas relações eventuais, e ainda assim cumpriam religiosamente o débito conjugal com seus respectivos parceiros de vida.
Não demorou muito até que o esperto tributarista descobrisse o caso extraconjugal de sua mulher, pois como ele próprio sempre dizia "manter-se informado é essencial..."
Furioso, confrontou a pobre mulher com as mais inequívocas provas da traição, e por fim deu-lhe o sagrado direito constitucional de defesa. A mulher, já experiente pelas lições do marido, retrucou:
- Desvinculação das Receitas da União...
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*Advogado
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