Migalhas de Peso

Advocacia hoje em dia

Em poucos anos, a atividade da advocacia se desenvolveu muito. Nas capitais e grandes cidades, já aparecem as mega-empresas do setor. A especialização é cada vez mais valorizada. A profissionalização dos escritórios aumenta a cada dia.

10/6/2009


Advocacia hoje em dia

Mauro Tavares Cerdeira*

Gutemberg de Siqueira Rocha*

Em poucos anos, a atividade da advocacia se desenvolveu muito. Nas capitais e grandes cidades, já aparecem as mega-empresas do setor. A especialização é cada vez mais valorizada. A profissionalização dos escritórios aumenta a cada dia. Grandes empresas e corporações exigem serviços inéditos, de qualidade digna do mundo desenvolvido. O desenvolvimento democrático e econômico dos últimos anos tem gerado um sem número de novas demandas. Cresce também assustadoramente o número de associações e organizações que demandam serviços jurídicos. A globalização demanda novas políticas, novas formas de negócios, novas formas de pensar, e um novo perfil profissional. Os negócios internacionais proliferam. As escolas e faculdades, e cursos jurídicos de todos os tipos, se multiplicam de forma assustadora. Exige-se do profissional advogado conhecimentos amplos e ecléticos.

De outro lado e ao mesmo tempo, convive com esta realidade, muitas vezes, o mesmo advogado formado como há vinte ou trinta anos atrás. Várias escolas não se adaptaram aos novos tempos. Não se atualizaram. Muitos advogados ainda estão sozinhos em suas bancas. A autonomia e a individualidade ainda é uma realidade marcante. Associações e órgãos de classe demoram a se atualizar. Os conhecimentos de administração e economia ainda estão restritos a poucas bancas e profissionais. O advogado iniciante enfrenta uma concorrência voraz. Sente-se abandonado. Não está adaptado ou formado para ingressar nas áreas que possuem maior demanda. Não tem orientação adequada. Mesmo após passar no exame da Ordem, está desestruturado para constituir uma banca com chances de alcançar o mercado ou de alçar vôo em uma boa colocação.

Logicamente que exceções existem, e não são assim tão residuais. Mas o fato é que, conforme observamos em nosso dia-a-dia, o jovem advogado, e até mesmo aquele que já tem alguns anos de luta, mas ainda não "se estabeleceu" adequadamente ou como desejaria, sofre muitas pressões, tem poucas oportunidades, e muitas vezes não tem orientação e sente-se "sem ter para onde ir"; relativamente perdido.

Pois bem, aqui refletindo bastante, e gostando de divagar e conversar em nossa casa, que profissionalmente é o nosso escritório, juntamos nós dois, um advogado já meio cansado e velho de guerra, que já iniciou na casa dos seus quarenta anos, e um moçoilo entusiasta, ainda na casa dos vinte, para escrever um pouco sobre as experiências deste mundo jurídico que é de todos nós, e montamos cá abaixo algumas prosas, ou dicas, ou coloque-se lá o nome que for.

São na verdade impressões de vivência, um pouco sobre a experiência profissional, um pouco sobre a forma de administrar a banca, um pouco sobre os nossos sonhos. Esperamos que possa servir para a reflexão dos colegas, e para que venham novas opiniões e orientações, para que cada vez possamos, todos nós, melhorar nossos serviços, e nossa profissão.

1. Os escritórios de advocacia, devido à concorrência intensa, devem se diferenciar no mercado. Isso pode ser feito através de bons serviços prestados, com elevado controle de qualidade, compromisso entre os parceiros e excelente comunicação. Há outros diversos diferenciais que podem ser aproveitados. Entender como funcionam os escritórios bem sucedidos na atualidade também ajuda. Tente analisar a razão do sucesso dos grandes escritórios full-service, e das denominadas boutiques, e das demais formas de destaque encontradas por profissionais e empresas de sucesso. Todas passam por uma boa organização, objetivos e metas conscientes, ótimo relacionamento com os clientes e intenso feed back, boa comunicação e muito conhecimento. Aconselha-se que o escritório se especialize em pelo menos uma área, prestando serviços com excelência e estabelecendo um marco de distinção. Procure desenvolver o seu escritório de acordo com as especificidades e os talentos dos sócios e parceiros; o que lhe proporcionará mais chances de sucesso no empreendimento.

2. Deve-se procurar conhecer o cliente e sua atividade. O bom advogado de empresa é aquele que conhece o negócio específico e consegue entender como funciona. O bom advogado de clientes pessoas físicas é aquele que lhes dá atenção e compreende a razão de seus anseios.

3. Na apresentação de propostas de serviços, deve-se procurar visitar o cliente, entender suas necessidades, fazer a proposta de forma mais direcionada possível. Mostrar outros serviços e colocar-se à inteira disposição, inclusive para eventuais contrapropostas. Buscar, através da atenção, se diferenciar, já que ninguém hoje em dia pede apenas uma proposta ao mercado.

4. Quando se deparar com algo especialmente interessante para algum cliente, envie a informação e dê atenção e respaldo. A melhor publicidade/atenção é a direcionada.

5. Caso você ou seu escritório não cuide de uma área específica, indique profissionais pelo critério competência. Seu grande ganho é satisfazer a necessidade de seu cliente, e continuar a tê-lo em sua área de serviços. Para concorrer com escritórios full-service, é comum e mesmo inevitável o estabelecimento de parcerias entre bancas menores; porém, o procedimento deve ser estabelecido de forma organizada e controlada, para que a linguagem entre os parceiros e o cliente seja a mais próxima possível.

6. O que se procura, em geral, em um advogado, é atenção, confiança, dedicação e profissionalismo.

7. Procure enxergar seu escritório como uma empresa. Ele tem capital, recursos humanos, financeiros, marketing, planos de curto, médio e longo prazos etc. Procure entender o funcionamento de cada uma destas áreas e veja como contribuir. O crescimento da empresa é o crescimento de todos os colaboradores.

8. Escreva seus objetivos e procure entender os de seu escritório. Você só pode alcançar um objetivo se estiver preparado, daí a importância do planejamento.

9. Administração é uma ciência como qualquer outra. Assim que tiver oportunidade, procure profissionalizar seu escritório.

10. As decisões devem ser tempestivas. Demorar demais para perceber uma situação ou para tomar a decisão apropriada pode custar caro.

11. Tenha em seu escritório e em sua carreira individual normas e procedimentos, de preferência escritas, e aja sempre com disciplina. No mundo atual, sobretudo na advocacia, não existe lugar para indisciplinados.

12. Converse, troque idéias, exponha seus objetivos. Faça muitas reuniões. Caminhar no rumo certo depois de um longo debate é melhor que errar diversas vezes o caminho. Corrigir o erro é melhor que continuar errando. Busque trabalhar em equipe, faça parcerias em seu trabalho, sempre visando o engrandecimento profissional. Não despreze opiniões ou argumentos divergentes, pois muitas vezes eles lhe auxiliam mais do que lhe irritam.

13. Faça avaliações. Todos gostam de ser avaliados e ter oportunidade de melhorar. Já tivemos um estagiário, hoje advogado de causar orgulho, que caminhava com suas avaliações no bolso do paletó semanas depois de sua entrega, mostrando e narrando a quem se dispusesse a escutá-lo, quais seus predicados e quão bem avaliado fora. Até um dos meus cachorros foi obrigado a ouvi-lo em um certo churrasco.

14. Procure qualidade de vida em seu ambiente profissional. Integre-se com seus colegas. Entenda suas diferenças. Valorize suas habilidades. Saiba perdoar e enxergar as coisas por ângulos diversos. O maior tempo de sua vida você passa em seu trabalho, cada vez mais.

15. Seja criativo. Procure imaginar formas de aproximar-se dos clientes. Desenvolva relações proveitosas e duradouras. Crie mecanismos para que os clientes e os colegas possam entender a natureza de seu trabalho e a valorizá-lo.

16. Uma dedicação especial pode refletir no preço cobrado pelo serviço, e, portanto, em seu ganho.

17. Procure medir o retorno de cada cliente ou serviço pelas horas que você ou seu escritório se dedica. Se possível, utilize sistemas de medição de tempo e produtividade. É muito importante você saber quanto é o retorno de seu trabalho, e quais os clientes superavitários e/ou deficitários.

18. Procure utilizar seus relacionamentos pessoais na escalada profissional. Isso é muito importante e lhe dá confiança e melhor prospecção social.

19. Comunique-se de forma eficaz e objetiva. Não seja prolixo. Não desvie da verdade. Não evite o enfrentamento de situações delicadas – elas fazem parte do nosso dia-a-dia.

20. Procure participar de questões sociais ou de beneficência. A responsabilidade social hoje é bastante valorizada e engrandece o espírito. E você se sente melhor e participante de um mundo mais digno.

21. Participe das atividades de seu escritório, escreva nos informativos, sites e revistas. Faça propaganda (com ética). Compareça nas reuniões formais e informais. Divulgue seus predicados, seus hobbies, suas atividades de lazer. Busque seus contatos e faça seu cadastro pessoal. Valorize-se.

22. Participe de câmaras, associações, eventos, publicações. Apareça. Mas lembre-se, o networking precisa ser pensado e direcionado. Avalie se as atividades que escolheu são realmente capazes de lhe beneficiar, se estão adaptadas a sua realidade, ao seu setor, à sua área específica, ao seu gosto.

23. Faça associações com outros profissionais para dar conta das demandas. Lembre-se que na atualidade o conhecimento exige ecletismo. O advogado deve ter cultura geral, entender um pouco de economia, contabilidade e outras áreas afins. Ser fluente em pelo menos um idioma, além do português (com preferência absoluta para o inglês) é praticamente essencial nestes tempos. E deve ter assessoria competente em setores que as demandas exigirem.

24. Procure orientações. Busque parceiros com conhecimento. Busque pareceres de profissionais mais experientes, sem desprezar sua capacidade. Reflita sobre seus casos. Abra sua cabeça. Busque o horizonte. Seja cada vez mais, uma pessoa criativa.

25. Ao escrever uma peça (defesa, considerações, manifestação, recurso etc), procure fazê-lo de forma única, elaborando o texto com o que for essencial, utilizando-se de raciocínio lógico e equilibrado. Não utilize recorte-cole nem vá emendando um tanto de coisas. Procure não ser longo ou prolixo. A linguagem deve ser simples e próxima da jornalística. O excesso de citações jurisprudenciais e de doutrinadores mais atrapalha que auxilia. Lembre-se que o magistrado dificilmente não sabe aquilo que você está lhe mostrando, no que se refere ao Direito. Procure, no material que separou, aquilo que é essencial, único, paradigmático ao caso que está tratando. Concentre-se na matéria fática e nas particularidades do caso. O magistrado, decididamente, não tem paciência, e muito menos tempo, para ler a sua petição de cento e noventa páginas, quanto mais se for uma montanha de cópias ou uma repetição sem fim de uma "tese" sem ao menos começo. Possivelmente o pobre não conseguiu ler ainda nem o último livro do Dan Brown, que é menor que a sua petição. Mas um texto sucinto, claro, objetivo, em que você toca no ponto exato, e explica o fundamento do direito de seu cliente, em consonância com as provas que produziu, pode ter alguma chance de ser lido e acolhido.

26. Ao fazer uma sustentação oral ou se manifestar oralmente de outra forma, não faça concorrência ao horário eleitoral gratuito. Não conte de novo, toda a história do processo em detalhes. Não leia a súmula de tal número do próprio tribunal ou o artigo 9º da CLT (clique aqui). Lembre-se que é muito difícil alterar o posicionamento de um Juiz ou Desembargador, quanto à interpretação de uma norma, em dez minutos, e mesmo que fizer um pouco de cócegas, provavelmente ele não dará o braço a torcer ali naquele momento. Então, procure aproveitar o seu tempo para demonstrar circunstâncias dos autos que talvez tenham passado despercebidas; e também para realçar erros interpretativos quanto a circunstâncias dos autos, e para esclarecer questões que ficaram dúbias, mostrar as coisas sobre ângulos diversos. Se há um ponto frágil no julgado atacado, concentre-se nele, repita, mostre a todos, grite, vire de ponta cabeça. Se é aquele ponto que vai ajudar você a mudar a vida de seu cliente, não adianta perder tempo com os outros.

27. Elabore contratos com cláusulas que possam ser entendidas e cumpridas. Utilize linguagem simples e objetiva. Concentre-se no essencial. Evite cópias e emendas e aproveitamento de contratos de negócios distintos. Cada negócio é um negócio, com suas particularidades, e cada cliente exige uma interpretação própria. Nas negociações, procure arranjar saídas criativas que auxiliem as partes a resolver seus problemas; pois nem sempre a conciliação está somente no intervalo entre o mínimo e o máximo. Auxilie na criação da imagem de que o advogado ingressa no negócio para auxiliar as partes, e não o contrário, como infelizmente temos ouvido ultimamente.

28. Um dos melhores meios de publicidade em um escritório jurídico, é justamente a informação segura e periódica ao cliente, do estado em que se encontra a sua demanda ou procedimento. Caso isso não seja feito, a impressão que será passada é a de descaso, de falta de interesse e preocupação com o seu problema. As decisões e resultados devem ser informados, caso possível, de imediato, assim como as providências que serão tomadas em caso de eventual insucesso. A ocorrência de eventuais falhas nos serviços, que devem logicamente ser evitadas a todo custo, deve ser igualmente comunicada de imediato, assim como a forma de solução do erro ou sua reparação pelo escritório. Esta é atitude de responsabilidade a que o profissional não pode se furtar nesta profissão.

29. Procure selecionar seus clientes e as causas em que seu escritório irá se ativar. Esta seleção deve considerar o ponto de vista financeiro (valor da hora trabalhada, adimplência etc), pois sua empresa e seus colaboradores necessitam sobreviver dignamente, assim como é necessário manter sua estrutura ativa. Deve considerar outros pontos de vista, como o ético e moral, assim como a sua área de expertise etc. Temos visto, em vista da elevada quantidade de advogados ativos e da alta concorrência em algumas áreas, colegas trabalhando por honorários muito reduzidos, sem garantias de efetivo recebimento, sem se preocupar com a sua estrutura etc. Vemos ainda advogados que aceitam causas em áreas que não tem o mínimo conhecimento, o que dificulta o trabalho, prejudica o cliente e torna não compensatórios os valores cobrados a título de honorários. São coisas para se pensar. Atos próximos do desespero, que entristecem os que dedicam amor a nossa classe profissional. Precisamos sempre nos valorizar. Quem não se dá o valor não pode esperar a correta valoração de terceiros. Hoje em dia a advocacia está muito pulverizada. São milhares de causas com valor irrisório, a maioria, talvez, que devesse ser proposta em tribunais de bagatela, sem o acompanhamento de advogados. A triagem é necessária e fará a diferença em sua carreira. O vivaz Benjamin Disraeli (1885-1967), duas vezes primeiro-ministro Inglês, tem entre seus vários "epigramas" um muito interessante que se aplica à necessidade de seleção de causas pelos advogados: "a segunda coisa melhor do que saber aproveitar uma oportunidade na vida é saber quando deixá-la passar".

30. Esta é a última. Não pare no tempo. Estude, analise, reflita e questione sempre. Pense, todos os dias, se o seu negócio está indo no rumo certo, se o seu escritório está prosperando, se está do jeito que você quer. Repare que o mercado exige algo novo todos os dias. E você é justamente o algo novo que ele está a exigir.

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*Advogados do escritório Cerdeira Chohfi Advogados e Consultores Legais










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