Migalhas de Peso

Voar, Voar

No amanhecer e o sol ainda meio sonolento e fazendo um frio danado e lá despontam elas voando umas rentes às outras como se formassem uma esquadrilha.

10/6/2009


Voar, Voar

Edson Vidigal*

No amanhecer e o sol ainda meio sonolento e fazendo um frio danado e lá despontam elas voando umas rentes às outras como se formassem uma esquadrilha.

O tempo que tem feito tem parecido tão doido que já nem arrisco imaginar que esse despontar delas cruzando o espaço em voos mais baixos do que os dos aviões se traduzem em anúncios de verão.

Dizem que elas viajam muito e que quando aparecem por estas bandas já cruzaram oceanos sem desvios numa rota de no mínimo vinte mil quilômetros.

Algumas não resistem à fadiga e são tantas as intempéries que morrem na viagem. São tempestades de areias, trovoadas, raios, e elas persistem resistindo no que podem.

Quando o verão de onde estavam se finda, é a vez do inverno trazendo frio. Aí elas se juntam e aos magotes alçam voo para o melhor lugar onde houver calor, onde houver sol.

Elas, as andorinhas, querem é o verão. Agora que entendo melhor, não sei de onde tiraram aquela de que uma andorinha só não faz verão, pois se na fuga do frio do inverno elas voam em bandos, rentes, sempre juntas.

Mas seja como for, as andorinhas que despontam bem ali em frente, numa liberdade acelerada como se tivessem acabado de sair de gaiolas quebradas, tem lições a dar e quem anda por aí tão farto e sabido achando que não precisa aprender mais nada já se bloqueou para a vida.

Essa viagem dir-se-ia épica que elas fazem todo ano de onde estão em busca do calor do sol, melhor dizendo do verão, pode servir de lição aos que vendo a distância acham que o destino é longe ou os que imaginando as intempéries possíveis acham que o melhor é ficar parado, deixando tudo como está e não seguir adiante.

As andorinhas não saem voando por aí à mercê da sua liberdade, cada uma em sua rota própria. São companheiras, voam juntas.

Disciplinadas, sabem o quanto uma depende da outra para o resultado comum final. Não se dispersam no espaço imenso infinito a todas. Não se assanham nem fora do grupo em rasantes exibicionistas.

Elas são assim, viajantes que a cada estação do ano migram para um ponto do mundo.

Agora, no tempo que começa a fazer nesta manhã de sol encabulado, mas daqui a pouco escancarado e definitivo, elas formam no ar um desenho de ordem unida, triangular, parecendo uma esquadrilha.

Parceiras ambientalistas, as andorinhas caçam insetos no ar e assim nos protegem equilibrando a biodiversidade do planeta. Se elas não despontam chegando e não comem os insetos, é inimaginável saber o resultado do meio ambiente com tanto inseto azucrinando e mais inseticida faltando.

Trabalhadoras, as andorinhas dão lição a muitos homens públicos. Não se apropriam do alheio. Cruzam distâncias em voos próprios, sem cotas aéreas, auxílio moradia ou outras indenizações. Não moram em ninhos funcionais, eis que elas próprias fazem os seus.

Quando completam seus périplos voando mundo afora conforme as estações não esquecem a santa terrinha, o torrão natal.

Quando as energias do corpo começam a faltar tomam o rumo da volta e não se perdem. Podendo chegar ao ninho onde nasceram, reabastecem-se para novas decolagens. Ou então, mesmo assim revigoradas, não viajam mais. Nessa volta, ficam.

Dizem que as andorinhas são como os bons amigos. Voltam sempre.

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*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA





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