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O papel do médico na Judicialização da Saúde

O papel do médico, o representante da Ciência no assunto em debate, é merecedor de algumas considerações quanto a sua diligência e sujeição a diversos princípios de sua atividade, as quais configurarão uma atitude plenamente ética. É princípio fundamental da medicina o primun non nocere (primeiro não causar danos). É, pois, um acinte ao ofício médico, ainda que experimentalmente, o proposital infligir de dano.

4/6/2009


O papel do médico na Judicialização da Saúde

Francisco M. Pinheiro Neto

O papel do médico, o representante da Ciência no assunto em debate, é merecedor de algumas considerações quanto a sua diligência e sujeição a diversos princípios de sua atividade, as quais configurarão uma atitude plenamente ética. É princípio fundamental da medicina o primun non nocere (primeiro não causar danos). É, pois, um acinte ao ofício médico, ainda que experimentalmente, o proposital infligir de dano. O Código de Ética Médica prevê em seu Art. 6º:

O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em benefício do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade. (FRANÇA, 2000, p. 19).

Ao mesmo tempo, o profissional hipocrático não pode furtar-se em atualizar-se cientificamente, devendo estar em constante busca de evolução e conhecimento. Sobre o assunto prevê o art. 5º do Código de Ética: "O médico deve aprimorar seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente". (FRANÇA, 2000, p. 18). Tal entendimento é visto pela doutrina científica como um comportamento ético:

Negar a aquisição de tecnologia a uma sociedade, seu domínio e sua implementação, é condená-la a um estado de submissão e de empobrecimento inexorável. Dominar uma tecnologia nada tem a ver com a sua aplicação imediata, sem se considerar outros fatores condicionantes. O domínio tecnológico envolve investimentos em pesquisa. Em qualquer nação organizada, este investimento deve ser feito sobre o controle da sociedade. Esta é uma atitude ética. (CABOCLO, 1993, p. 258)

Ao mesmo tempo em que não é permitido ao médico causar sofrimento, e lhe é um dever utilizar-se da melhor tecnologia possível em seus tratamentos terapêuticos, também é seu direito, consoante art. 21 do Código de Ética Médica "indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas reconhecidamente aceitas e respeitando as normas legais vigentes no país". (FRANÇA, 2000, p. 36).

É ainda vedado ao profissional da medicina, sem o consentimento de seu paciente, a utilização de terapêutica experimental ainda não liberada no país, consoante disposição do art. 124 do Código de Ética Médica, sobre o qual se pronuncia França (2000, p. 172):

Aqui, não se proíbe a prática de usar um novo medicamento como único recurso terapêutico para salvar uma vida, em favor de quem já se utilizou de todos os meios tradicionais de tratamento. O que se condena é o ensaio de novas terapêuticas ainda não liberadas para uso entre nós, sem a devida autorização dos órgãos competentes do poder público e sem que exista a permissão do paciente ou de seus representantes legais [...]

Ao mesmo tempo, é vedado ao médico eximir-se de empregar, na cura do paciente, todos os meios ao seu alcance, conforme art. 57 do Código de Ética Médica: "Deixar de utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do paciente". Bem como não poderá ser considerado indisponível aquele meio ou terapia não permitida por razões meramente administrativas, sendo este o entendimento do art. 16 do mesmo diploma. Sobre o assunto posiciona-se FRANÇA (2000, p. 92):

Qualquer forma de restrição ao comportamento terapêutico ou propedêutico, em que fique caracterizada a privação de recursos disponíveis por simples economia ou por qualquer outra razão, configura desrespeito aos postulados éticos da medicina e pode, até, frente a um dano consumado, constituir-se em negligência médica. Assim, fica evidente que o médico está obrigado a usar todos os meios e recursos disponíveis ou a seu alcance em favor da vida e da saúde do seu paciente, independentemente das condições sociais e econômicas de quem ele assiste.

Tal observação não se restringe às provenientes das portarias estaduais e municipais, bem como de quaisquer determinações legais. Não poderá o profissional médico, desde que ético, furtar-se a receitar qualquer tratamento, fundado em alegações administrativas de planos de saúde ou de convênios. Age contra o código de ética médica o profissional que faz uso desse instrumento. Não se está aqui dizendo que deverá o médico realizar um tratamento gratuito, mas não poderá furtar-se a, pelo menos, indicar em atestado médico qual seria o tratamento ideal, deixando qualquer outro tipo de querela para ser resolvida na via própria, não importando se administrativa ou jurídica.

Percebe-se, pois uma necessidade da aplicação de um juízo de valoração por parte do médico, quando do tratamento de seus pacientes. Ele, médico, não se poderá furtar de aprender novas terapêuticas, mas não poderá experimentá-las livremente, sem a correta inspeção científica.

Não deve abrir mão de se utilizar do melhor tratamento existente para salvaguardar a saúde de seu paciente, mas também não poderá utilizar-se do mesmo se tal procedimento não for previsto na regulamentação nacional, ou, se agindo em caráter experimental, deverá fazê-lo com o consentimento de seu paciente, estando o mesmo completamente informado acerca dos riscos da experiência, levando-se em conta ainda a indissociável necessidade e legitimidade do ato médico. Frise-se que o consentimento por parte do paciente não exime a responsabilidade médica se diante de culpa comprovada.

Entende-se, do exposto, que o médico não deverá utilizar-se de drogas ou tratamentos ainda não reconhecidos no país, seja pela vigilância sanitária ou pelo Conselho Nacional de Saúde. Mas também não poderá o profissional privar-se de receitar qualquer medicamento ou procedimento pela proibição regulamentar de portarias ou de quaisquer outros instrumentos administrativos. Tendo o médico entendimento que uma terapia não liberada nos instrumentos normativos menores é mais indicada, ainda que novidade tecnológica, levando-se em consideração que a utilização prévia das terapias tradicionais resultaram sem efeito, não deverá furtar-se em indicar o novel tratamento.

Em arremedo de conclusão comenta-se sobre a impossibilidade de o médico submeter suas escolhas, orientado por critérios econômicos. Apesar de tal proibição ser ética e moralmente cristalina, não há exagero em repisá-la. A conduta do profissional que indica tratamentos desnecessários ou, substituíveis por outros de igual eficácia e tolerabilidade por parte do paciente, há de ser investigada, para que não seja permitido o receituário de remédios, por exemplo, estimulado por gordas vantagens pecuniárias ou semelhantes. Aliás, tal conduta é vedada nos arts. 98 e 99 , do capítulo VIII, do Código de Ética Médica, sobre os quais se posiciona FRANÇA (2000, p. 92):

Na verdade, o que se coíbe é a convivência do médico, no exercício de sua profissão, com o comércio ou como auferimento de vantagens da comercialização de medicamentos, órteses, próteses ou outra forma de comércio decorrente da influência que possa existir em face de suas atividades profissionais.

Não se está aqui criticando os investimentos privados em pesquisas científicas, instrumentos, aliás, que permitem a grande maioria dos avanços médicos, onde a pesquisa pública é realizada de maneira ainda incipiente. O que não pode ser tolerado na conduta do profissional hipocrático é a adoção de critérios tais que o façam refém dos interesses privados dos patrocinadores de tais pesquisas. Deverá o esculápio, na escolha da terapia a ser defendida, levar em consideração os critérios aqui discutidos, agindo sempre pautado pela ética médica, tendo como primeiro bastião a saúde de seu paciente.

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*Advogado do escritório Cândido Albuquerque Advogados Associados





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