Migalhas de Peso

Migalhas processuais - II

O epitáfio da execução stricto sensu de título judicial.

17/12/2002

 

 

Migalhas processuais - II

 

 

O EPITÁFIO DA EXECUÇÃO STRICTO SENSU DE TÍTULO JUDICIAL

 

Roberto Armelin*

 

1. A proposta

Nossa sugestão, desta feita, é a supressão da citação do devedor para que se deflagrem atos processuais executivos, quando o título executivo tiver natureza judicial.

Objetivamos, com essa medida, eliminar um grande lapso de tempo que medeia entre a constituição do título executivo judicial a o início dos atos propriamente executivos (hoje condicionados à citação do devedor no processo de execução stricto sensu).

Estamos, destarte, propondo a "fusão" da ação (de conhecimento) condenatória com a execução stricto sensu de título judicial, de forma que o procedimento passará a ter natureza de ação executiva lato sensu, em cujo procedimento há fase cognitiva e executiva, sem solução de continuidade. À execução stricto sensu, portanto, restaria apenas cuidar dos títulos executivos extrajudiciais.

Sugerimos, ainda, a supressão dos embargos de devedor da fase executiva, nos moldes de como se processa as ações de despejo e possessória. E isso porque as defesas de mérito deveriam ter sido suscitadas tempestiva e anteriormente ao proferimento da sentença (princípio do dedutível e do deduzido). Pode-se, isso sim, regular um incidente de cognição superficial (uma espécie de exceção de pré-executividade com procedimento de exceção de incompetência) para discussão rápida de questões típicas de exceção de pré-executividade, isto é: (a) processuais, (b) relativas a fatos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação (desde que superveniente à sentença), ou ainda (c) excesso de execução (rectius: as hipóteses hoje relacionadas no art. 741 do CPC).

Todavia, essa sistemática só pode ser aplicada aos títulos executivos judiciais elencados nos incisos I, III e V do art. 584 do CPC, pois nesses casos o título é formado em processo civil nacional. Nas demais hipóteses desse art. 584 do CPC, os títulos são formados em processo não civil ou estrangeiro (II – sentença penal condenatória transitada em julgado; III – sentença estrangeira homologada pelo STF; VI – sentença arbitral) e, portanto, a prática de atos executivos depende da formação de um processo civil de execução, o que ocorrerá nos moldes da formação do processo de execução de título extrajudicial (com citação pessoal, conseguintemente).

2. Operacionalizando

Desta forma, ao proferir a sentença condenatória, o Juiz estará, a um só tempo, impondo ao devedor a obrigação de cumprir o comando da sentença e intimando-o a faze-lo sob pena se sofrer execução forçada (lembramos que a efetividade dessa proposta depende, em grande parte, da alteração do regime de processamento da apelação consoante sugerimos em nossa 1ª Migalha Processual). O Juiz deverá, outrossim, fixar na própria sentença condenatória (rectius: título executivo judicial) um prazo razoável para que o devedor cumpra voluntariamente a obrigação, sob pena sofrer atos de execução (penhora, busca e apreensão, ou incidência de multa diária).

3. Intimação pela imprensa oficial

No atual regime da execução de título judicial, o devedor tem o direito de ser cientificado (rectius: citado) pessoalmente da propositura da demanda e de que, se não cumprir a obrigação "voluntariamente" (não seria tão voluntariamente assim...), sofrerá atos executivos (penhora, busca e apreensão, ou incidência de multa diária).

Na alteração proposta, entendemos suficiente e constitucional (não violadora do due process of law) a intimação do devedor condenado pela imprensa, para cumprir a obrigação sob pena de sofrer atos executivos, desde que, evidentemente, possua advogado constituído na demanda.

Afinal, a Constituição Federal condiciona a "privação" do patrimônio do devedor ao devido processo legal (art. 5º, inciso LIV). Todavia, ao integrar relação processual em que se veicula a "nova" ação executiva lato sensu, a parte (autora, inclusive) já estará ciente de que o não cumprimento de qualquer obrigação a que vier ser condenada (sucumbência, se autor vencido) submeterá seu patrimônio a atos executivos de garantia (não de expropriação, o que, certamente, afrontaria a aludida garantia constitucional).

Uma vez constituída a garantia, nos casos de penhora ou busca e apreensão (quando a obrigação for de pagar quantia ou entregar coisa) será intimado pessoalmente

4. A transformação dos Embargos de Devedor em Exceção de Pré-executividade

Considerando que toda a matéria de mérito deveria ter sido deduzida na fase cognitiva da "nova" ação executiva lato sensu, entendemos que não se justifica o cabimento da ação de Embargos de Devedor nesse procedimento, com sua natureza cognitiva exauriente e com a suspensão do procedimento executivo. Isso porque as matérias que podem ser suscitadas na fase executiva do procedimento não precisam, imprescindivelmente, ser discutidas em procedimento dotado de cognição exauriente (como os embargos à execução), podendo ser resolvidas como incidente. Quais são essas matérias? Aquelas elencadas no atual art. 741 do CPC, que regula o que pode ser discutido em Embargos à Execução fundamentada em título judicial, isto é: (a) matéria processual, (b) questões supervenientes à constituição do título e (c) problemas procedimentais.

A matéria processual não se submete a preclusão no mesmo procedimento, podendo, portanto, ser conhecida a qualquer momento pelo Juiz. Outrossim, não tem, jamais, independentemente do nível de aprofundamento da cognição, condão de produzir a eficácia típica da coisa julgada material.

As questões supervenientes podem ter natureza meritória. Mas podem até ser tratados incidentemente, inclusive com capacidade para travar definitivamente a execução, com conseqüente extinção do procedimento, por se comprovar o pagamento, por exemplo. De todo modo, sempre há as ações autônomas prejudiciais à execução nas quais, quem tiver interesse, pode travar qualquer discussão em procedimento de cognição exauriente e, pois, capaz de produzir a eficácia da coisa julgada material.

Finalmente, quanto aos incidentes do procedimento executivo, devem ser tratados como incidentes, não carecendo, por conseguinte de solução lastreada em cognição exauriente. Dessa forma, a questão do excesso de penhora pode ser conduzido como incidente, assim como o incidente informal (desprovido de autos próprios) da avaliação dos bens na execução por quantia.

Relativamente aos títulos executivos judiciais elencados nos incisos II, IV e VI do art. 584 do CPC (sentenças penal, estrangeira e arbitral), pode-se aplicar essa sistemática (transformação dos embargos em exceção de pré-executividade), sem embargo das ações autônomas prejudiciais que, então, passam a ter o condão de suspender o processo de execução nos termos do art. 265, inciso IV, letra "a" do CPC, modificando-se, pois, o art. 791, inciso II, do CPC.

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* advogado do escritório Armelin, Bueno e Advogados Associados - Professor de Processo Civil da PUC/SP - Mestre doutorando em Direito Processual Civil pela PUC/SP.

 

 

 

 

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