Migalhas de Peso

Os recursos repetitivos e os contratos bancários no STJ

Depois das entidades federativas, o seguimento que, talvez, mais abarrote o Judiciário de ações, seja o do sistema financeiro. Ultimamente têm sido expedidos diversos diplomas legislativos visando acelerar a prestação jurisdicional.

28/5/2009


Os recursos repetitivos e os contratos bancários no STJ

Edelberto Augusto Gomes Lima*

Depois das entidades federativas, o seguimento que, talvez, mais abarrote o Judiciário de ações, seja o do sistema financeiro. Ultimamente têm sido expedidos diversos diplomas legislativos visando acelerar a prestação jurisdicional.

Entre outros, a tutela antecipada (art. 273 do CPC - clique aqui), as novas sistemáticas do agravo de instrumento (lei 9.139/95 - clique aqui e art. 524 do CPC) e dos embargos infringentes (art. 530 do CPC), o cumprimento de sentença (art. 475, CPC), nova execução por título extrajudicial (lei 11.382, de 6/12/06 - clique aqui), a penhora "online" (art.655, A do CPC), precedentes do juízo e tribunais, bases para proferir sentença sem citação do réu (art. 285, A do CPC), não recebimento da apelação caso a sentença esteja de acordo com súmulas do STF e STJ (art. 518, §1º do CPC), poderes ao relator para negar seguimento ao recurso (art. 557 do CPC). Quanto ao STF, foi instituída a Súmula Vinculante (lei 11.417/06 - clique aqui) e a repercussão geral (art. 102, §3º da CF c/c art. 543, A e B do CPC) e no tocante ao STJ, os recursos repetitivos (art. 543, C do CPC), únicos abordados nesse artigo, ligeiramente.

Outras inovações são necessárias. Entre elas as que visam apressar os trâmites na área penal e os que envolvem os entes federativos, responsáveis maiores pelo gargalo, eliminando os privilégios concedidos, inclusive às autarquias e fundações. Sugiro, entre outras: Abolição do reexame necessário, incluindo mandado de segurança; redução do prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer; as intimações dos advogados da União, do Procurador da Fazenda Nacional e o Ministério Público, a exemplo do que ocorre com o advogado da parte, deverão ser feitas no Diário Oficial e não pessoalmente. O privilégio somente deve ser mantido para a Defensoria

O recurso repetitivo objetivou livrar o STJ da enorme massa de recursos interpostos com base em idênticas questões de direito, além de ampliar a segurança jurídica, na medida em que será mais um instrumento, juntamente com as súmulas, de unificação da interpretação da lei federal, fatores benéficos à paz social, posto possibilitarem ao cidadão saber antecipadamente os limites e consequências de seus atos, diminuindo a insegurança gerada por decisões judiciais conflitantes, como é comum de se ver.

Como disse Dalmo de Abreu Dallari: "Entre as principais necessidades e aspirações das sociedades humanas encontra-se a segurança jurídica. Não há pessoa, grupo social, entidade pública ou privada, que não tenha necessidade de segurança jurídica, para atingir seus objetivos e até mesmo para sobreviver." (Segurança e Direito in Renascer do Direito, Saraiva, 2ª edição, 1980, 26).

Quanto ao recurso repetitivo, quem primeiramente deverá apurar a existência de multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, será o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido (CPC, art. 541). Detectada, o presidente ou o vice selecionará um ou mais recursos representativos da controvérsia e os encaminhará ao STJ, ficando os demais recursos suspensos nos tribunais de segundo grau, até julgamento definitivo pelo STJ. Se no segundo grau não se detectar a existência dos recursos repetitivos, o relator no STJ poderá fazê-lo, determinando a seguir aos tribunais de segunda instância a suspensão dos demais recursos. Efetivado o julgamento definitivo e publicado o acórdão, os recursos especiais suspensos nos tribunais de origem terão a seguinte tramitação: Aqueles que já foram distribuídos a um ministro relator, serão julgados monocraticamente seguindo as orientações do recurso repetitivo. Se já remetidos ao STJ e ainda não distribuídos, caberá ao seu presidente ou vice decidir monocraticamente. Se os recursos ficaram sobrestados nos Tribunais de origem aguardando o julgamento do repetitivo, seguirão o seguinte roteiro:

A) Se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do STJ, terá seguimento negado monocraticamente pelo presidente e/ ou vice-presidente do Tribunal de origem. (o que tiver competência para decidir sobre o juízo da admissibilidade);

B) Se o acórdão recorrido divergir da orientação do STJ, o mesmo será novamente julgado pelo Tribunal de origem;

C) Se o Tribunal de origem continuar a divergir do STJ e não retratar-se, da Decisão caberá novo recurso especial nos termos do artigo 105, III da Carta Maior;

D) Cada Tribunal regulamentará, no âmbito de sua competência, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento dos recursos especiais repetitivos. O STJ já o fez através da Resolução 8, de 7/8/08.

O recurso repetitivo será julgado com preferência sobre os demais, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.

A Segunda Seção do STJ julgou recurso repetitivo uniformizando as interpretações de leis federais em relação a contratos de mútuos bancários, um dos temas que mais sobrecarrega o Tribunal, decidindo (Resp.1.061530-RS):

"Orientação 1- Juros Remuneratórios

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art.591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art.51, §1º. do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

Orientação 2 – Configuração da Mora

a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora;

b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual.

Orientação 3 – Juros Moratórios

Nos contratos bancários, não-regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês.

Orientação 4 – Inscrição/Manutenção em cadastro de inadimplentes

a) A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente:

I) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito;

II) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ;

III) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz;

b) A inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes decidida na sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo. Caracterizada a mora, correta a inscrição/manutenção.

Orientação 5 – Disposições de Ofício

É vedado aos juízes de primeiro e segundo graus de jurisdição julgar, com fundamento no art. 51 do CDC, sem pedido expresso, a abusividade de cláusulas nos contratos bancários. Vencidos quanto a esta matéria a Relatora e o Min. Luis Felipe Salomão."

A abusividade deve ser analisada, nas instâncias ordinárias, caso a caso, como decidiu o Plenário da Suprema Corte no julgamento dos Embargos Declaratórios na ADIn 2591/DF.

É importante esclarecer que o recurso acima teve seu julgamento delimitado aos contratos de mútuos bancários, em qualquer de suas modalidades, nos quais a relação de consumo esteja caracterizada. Não abrange ainda os juros remuneratórios não pactuados e "as Cédulas de Crédito Rural, Industrial, Bancária e comercial; os contratos celebrados por cooperativas de crédito, os que se incluem sob a égide do Sistema Financeiro da Habitação, bem como os que digam respeito ao crédito consignado."

O julgamento resultou na expedição de três novas súmulas. A de n.º 379: "Nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser fixados em até 1% ao mês". A de n.º 380: "A simples propositura da ação de revisão do contrato não inibe a caracterização da mora do autor" e a de n.º 381: "Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas".

Os juros remuneratórios poderão ser exigidos cumulativamente com os moratórios, mas esses últimos incidem da citação e não podem exceder 1% ao mês.

A revisão de ofício é polêmica, gerando dois votos vencidos no próprio STJ. As sínteses dos votos vencedores são as seguintes: - "não cabe ao juiz distanciar-se de sua neutralidade na condução do processo; não deve ele advogar no sentido de defender interesse algum no processo..."; "como o juiz poderá saber se há abusividade ou não diante do caso concreto se a própria parte não a alegou?..."; "...como admitir possa o juiz, de ofício, promover o decote dos encargos financeiros pactuados sem que seja oferecida à outra parte..." a oportunidade de provar que, no caso concreto, a taxa pactuada fora fixada tendo em conta as condições imperantes no mercado...não caracterizando, portanto abusividade?; "...a ação segue conforme a prestação jurisdicional que é solicitada; dizer que o contrato é abusivo, não dá direito a que o juiz saia lendo o contrato e fazendo uma interpretação subjetiva do que ele pensa ser ou não abusivo. E o grau de subjetivismo, hoje é extraordinário..."; "...a estrita observância ao pedido inicial, nesse ponto, há de prosperar."

Ao vedar as decisões de ofício apenas aos contratos bancários, outras sentenças conflitantes advirão em hipóteses semelhantes, fora do CDC, embora a interpretação do STJ, por analogia, já sirva de bússola.

A Suprema Corte algum dia deverá debruçar sobre o tema ante a sua repercussão geral, sobrepesando os argumentos pró e contra, em confronto com o estatuído no art. 5º, XXXII da Carta Magna, que prevê a defesa do consumidor pelo Estado. Não se pode perder de vista que nas decisões de ofício outra garantia constitucional, a do contraditório, não é observada. Ademais, o consumidor, ainda que hipossuficiente, não está tão desprotegido posto sempre defendido por advogados e/ou promotores, bastando que haja, por iniciativa desses profissionais, o pedido expresso para toda polêmica cessar.

Criticável ou não, no direito concreto o que prevalecerá doravante é a interpretação do STJ, exceto se o próprio a altere e/ou, se constitucionalizar o tema, o STF. A regra processual inserida no parágrafo único do art.112 do CPC, não restou prejudicada por se tratar de matéria distinta das julgadas, o mesmo ocorre com as nulidades do parágrafo único do art. 168 do CC, embora as interpretações dos votos vencedores possam ser utilizadas por analogia. Desde que haja pedido expresso, todas as nulidades do art.51 do CDC podem ser declaradas, mas nesse caso, a parte contrária terá o direito ao contraditório.

Além de se atentar que a súmula 381 somente se aplica aos contratos bancários, é de se ressaltar que não haverá coisa julgada quanto às cláusulas que não forem objeto de sentença e, se o foram por decisão de ofício, o tribunal veio a reformá-la, nesse aspecto. Portanto, outra ação poderá ser proposta, atenuando o prejuízo do consumidor ante a sua própria omissão quanto ao pedido.

Em que pese ainda não ter sido objeto de recurso repetitivo, outra matéria vinculada a contratos bancários já possui jurisprudência consolidada no STJ. Até o advento do art. 5º da MP 1.963-17/00, a capitalização mensal dos juros, ainda que pactuada, era vedada, permitindo-se entretanto, a anual, nos termos do art.4º da Lei de Usura e art. 591 do CC atual. Obviamente a mensal era permitida nos casos em que a lei específica não veda, casos do título de crédito rural, industrial e comercial. (Súmula 93 do STJ).

Contudo a partir de 31 de março de 2000, a capitalização com período inferior a um ano, desde que pactuada, passou a ser permitida em todas as operações realizadas por instituições integrantes do sistema financeiro nacional, por força do art. 5º da MP 1963 -17/00, reeditada por último pela MP 2170-36/2001 e perenizada pela EC 32, de 12 de setembro de 2001. (AgRg no Resp. 1.077.283). As empresas administradoras de cartão de crédito são consideradas instituições financeiras. (Súmula 283 do STJ).

É importante ressaltar que a capitalização de juros instituída pelo art. 5º da Medida Provisória teve a sua inconstitucionalidade arguida no STF, através da ADIn 2.316/DF, estando ainda pendente de julgamento. Até que ocorra, prevalece a interpretação do STJ.

_______________

*Advogado e membro do Conselho Editorial da Editora Del Rey







_______________

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Coisa julgada, obiter dictum e boa-fé: Um diálogo indispensável

23/12/2024

Macunaíma, ministro do Brasil

23/12/2024

Inteligência artificial e direitos autorais: O que diz o PL 2.338/23 aprovado pelo Senado?

23/12/2024

(Não) incidência de PIS/Cofins sobre reembolso de despesas

23/12/2024

A ameaça da indisponibilidade retroativa

23/12/2024