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O adicional de periculosidade no trabalho no armazenamento e processamento de grãos e congêneres

No presente escrito, defenderemos o pagamento do adicional de periculosidade para os trabalhadores expostos a risco de explosão decorrente do armazenamento e processamento de grãos e congêneres, hipótese em que, por mais incrível que possa parecer, o trabalhador também está sujeito a risco à vida, impondo-se a equiparação dessa situação às outras previstas em lei.

11/5/2009


O adicional de periculosidade no trabalho no armazenamento e processamento de grãos e congêneres1

Rodrigo Giostri da Cunha*

1. Introdução

No presente escrito, defenderemos o pagamento do adicional de periculosidade para os trabalhadores expostos a risco de explosão decorrente do armazenamento e processamento de grãos e congêneres, hipótese em que, por mais incrível que possa parecer, o trabalhador também está sujeito a risco à vida2, impondo-se a equiparação dessa situação às outras previstas em lei.

Por se tratar de matéria que pressupõe conhecimentos técnicos relativos ao risco inerente a essas situações (os quais fogem por completo de nosso conhecimento), iniciaremos o texto citando a doutrina especializada sobre o assunto para, em seguida, passar ao seu enquadramento jurídico.

2. Do risco de explosão no armazenamento de grãos e congêneres

Como bem apontam as publicações específicas sobre a matéria, "Nos últimos anos, passamos a notar que notícias sobre incêndios e explosões em instalações que processam grãos têm sido veiculadas com certa freqüência nos meios de comunicação. Catástrofes envolvendo prejuízos de milhares de dólares e com vítimas fatais não são mais exclusividade dos Estados Unidos, França, ou Espanha. Entre as ocorrências no Brasil, podemos resumidamente citar:

Em janeiro de 1992, explodiu a célula C-2 do silo vertical do porto de Paranaguá/PR, matando dois trabalhadores e ferindo outros cinco. A provável causa da explosão apontada na época teria sido a combustão da poeira de cevada armazenada no local durante uma operação de limpeza que acontecia no décimo andar do silo, que tinha 13 andares e 55 metros de altura.

Em junho de 1993, explodiu um túnel de expedição de grãos da Cooperativa Agrícola Vale do Piqueri (Coopervale), em Assis Chateaubriand/PR. A explosão foi tão forte que deslocou o túnel seis metros acima do subsolo, lançando-o a mais de um metro no ar, e formou uma cratera de mais de quarenta metros de diâmetro.

Quatro homens que trabalhavam no escritório da balança do setor de expedição morreram e seis ficaram feridos. Segundo moradores da cidade, o estrondo foi ouvido a quilômetros de distância. Estilhaços de metal foram lançados a mais de mil metros. Os silos ficaram praticamente destruídos e os elevadores foram todos desmontados. Uma causa aventada na época foi a poeira em suspensão do milho transportado pelo túnel, que, em contato com uma faísca elétrica, teria provocado uma explosão em cadeia.

Em novembro de 2001, uma explosão no depósito da empresa multinacional Coinbra, responsável pelo armazenamento de grãos do Corredor de Exportação do Porto de Paranaguá/PR, deixou 18 pessoas feridas. Os técnicos do porto afirmaram na época que o desastre poderia ter sido causado por limpeza deficiente das esteiras que transportavam os grãos das cinco mil toneladas de milho estocadas no local. A explosão teve magnitude tal que pedaços de telhas de zinco foram arremessados até mil metros de distância, e estruturas de cimento com mais de trezentos quilos também foram encontradas longe. Além do prejuízo com a perda do depósito, houve consideráveis danos causados aos caminhões que estavam na rua, aguardando para descarregar, bem como a paralisação das esteiras que abasteciam os nove armazéns graneleiros, provocando a suspensão das operações do Corredor de Exportações. Caso a explosão não tivesse ocorrido na hora do almoço, um número maior de vítimas teria sido registrado."3

De fato, o material técnico específico sobre o assunto é bastante recorrente no sentido da possibilidade de se dar a explosão no armazenamento de grãos e congêneres, em determinadas situações. O risco é, enfim, efetivo; o trabalho nessas condições é realmente perigoso. Imperioso se faz, por conseguinte, que o mesmo se adéqüe à legislação e, especialmente, à Constituição (clique aqui), com o pagamento de adicional de periculosidade aos trabalhadores expostos a esse risco, tal qual se dá nas outras situações existentes4.

Tal pagamento, ao invés de elucubração teórica, é, na verdade, uma imposição legal decorrente de nosso ordenamento jurídico; em especial, da Constituição Federal de 1988, como passamos a demonstrar.

3. O adicional de periculosidade no trabalho no armazenamento e processamento de grãos e congêneres: um imperativo constitucional

Fixada a premissa de que o trabalho com o armazenamento de grãos também pode, em certas circunstâncias, ser perigoso, sujeitando o trabalhador a risco de explosão, a defesa do pagamento do adicional de periculosidade também nessas ocasiões pode ser feita de diversas formas; a principal delas, evidentemente, com base no texto constitucional. Para essa demonstração, uma pequena digressão histórica se faz necessária.

A CLT (clique aqui), em sua redação original, não previa o adicional de periculosidade, contendo apenas disposições genéricas (em sua maioria, de ordem técnica) acerca do trabalho em condições perigosas, mas sem conter dispositivo que fixasse um percentual a ser acrescido à remuneração dos trabalhadores nessas condições.

O adicional de periculosidade apenas surgiu em 1977, por meio da lei 6.514/77 (clique aqui), que modificou o Capítulo V do Titulo II da CLT, imprimindo ao seu art. 193 sua redação atual e, assim, instituindo o pagamento do adicional de periculosidade, que persiste até hoje.

É importante notar, no entanto, que a lei 6.514/77 foi promulgada sob a égide da Constituição de 1967 (clique aqui), que nada dispunha sobre a matéria. A primeira Constituição a prever o adicional de remuneração pelo trabalho perigoso foi a Constituição de 1988, que o fez em seu art. 7º, inc. XXIII, ao garantir aos trabalhadores "adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas".

Essa constatação (de que o adicional de periculosidade apenas adquiriu status constitucional em 1988, anos depois da lei 6.514/77, que o instituiu) é de fundamental importância para o nosso estudo, por conta da necessária adaptação que deve sofrer a legislação ordinária quando do advento de nova ordem constitucional.

Realmente, sendo a Constituição a norma ápice do ordenamento, corolário inafastável do surgimento de nova ordem constitucional é a necessária adequação que a legislação a ela anterior deve sofrer, como bem ensina Jorge Miranda: "As normas legais e regulamentares vigentes à data da entrada em vigor da nova Constituição têm de ser reinterpretadas em face desta e apenas subsistem se conformes com as suas normas e os seus princípios; as normas anteriores contrárias à Constituição não podem subsistir"5.

No mesmo sentido ensina Luís Roberto Barroso: "As normas legais e regulamentares vigentes à data da entrada em vigor da nova Constituição têm de ser reinterpretadas em face desta e apenas subsistem se conformes com as suas normas e os seus princípios"6.

E muito incisiva – e pertinente – é a forma pela qual ele arremata seu pensamento: "Atente-se para a lição mais relevante: as normas legais têm de ser reinterpretadas em face da nova Constituição, não se lhes aplicando, automática e acriticamente, a jurisprudência forjada no regime anterior. Deve-se rejeitar uma das patologias crônicas da hermenêutica constitucional brasileira, que é a interpretação retrospectiva, pela qual se procura interpretar o texto novo de maneira que a ele não inove nada, mas, ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo7.

Ora, se a legislação ordinária deve, obrigatoriamente, ser adaptada à nova ordem constitucional que a ela sobrevém, e se o texto constitucional, em seu art. 7º, inc. XXIII, garante aos trabalhadores o "adicional de remuneração" em todas as atividades perigosas (eis que não impõe qualquer espécie de limitação ou restrição), não há como não se concluir pela necessidade de releitura da legislação ordinária anterior para que todos os trabalhadores em situação de risco sejam remunerados com o sobredito adicional, sob pena de grave violação ao art. 7º, inc. XXIII, da Constituição e ao próprio princípio constitucional da isonomia, eis que não é lícito diferenciar-se os trabalhadores apenas pelo tipo de risco a que estão expostos.

Assim, se o trabalho com o armazenamento de grãos e congêneres também expõe o trabalhador a risco, como ensina a doutrina técnica especializada e comprovam os inúmeros acidentes que se tem verificado sob essas condições, necessário se faz, por imperativo constitucional, o pagamento do adicional de periculosidade também a esses trabalhadores, da mesma forma que se faz nas outras situações de risco8. O status constitucional do direito ao adicional de periculosidade não se compadece com essa discriminação.

Prova disso é que o próprio TST já admitiu a concessão do adicional de periculosidade fora das situações previstas pelas Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho, corroborando, pois, essa possibilidade9.

Mais importante ainda é a verificação da existência de um precedente do TRT da 14ª região que tratou exatamente da hipótese dos autos e admitiu, em tese10, o cabimento do adicional de periculosidade na situação, exatamente pelo risco a que os trabalhadores que atuam nessas condições estão expostos: "Muito embora não haja dispositivo legal a embasar objetivamente o pleito formulado, há que se ter em mente que nem todos os fatos podem ser regulados e previstos de uma só vez pela legislação, até porque ocorrem mudanças na execução das atividades laborais e surgem novos questionamentos, os quais ensejam o surgimento de novos dispositivos legais, bem como nova interpretação pelos Juízes e Tribunais. No caso em análise, não se pode olvidar de informações acerca da potencialidade de combustão que pode decorrer do grão da soja, dependendo de condições peculiares de seu armazenamento, temperatura ambiente, etc. A esse respeito, vale salientar trechos elucidativos de estudo feito por um engenheiro agrônomo (...), onde registra: (...). Considerando ser possível a caracterização de exposição a risco de incêndio/explosão em decorrência do contato com grão de soja que, dependendo das condições ambientais, pode gerar gases e óleos inflamáveis, não há como vedar a produção da prova para aferir se as condições em que realizado o labor prestado confere direito ao adicional pleiteado pelo autor."11

Dessa feita, com base na redação do inc. XXIII do art. 7º da Constituição e na constatação de que o risco existente nessas situações é efetivo, necessário se faz o pagamento do adicional de periculosidade para aqueles trabalhadores expostos a situação de risco no armazenamento de grãos e congêneres.

E a essa mesma conclusão se chega por meio de uma (re)leitura da legislação ordinária harmônica com o texto constitucional.

Realmente, dispõe o art. 193 da CLT que "são consideradas atividades ou operações perigosas" (...) "aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado".

Ora, como visto no início, o trabalho no armazenamento de grãos pode expor os trabalhadores a risco de explosão, ou seja, esse trabalho pode expô-los a "contato com explosivos em condições de risco acentuado", exatamente como diz a lei; forçosa, pois, a equiparação dessa situação àquelas usuais, com o pagamento do adicional de periculosidade também nesse caso.

Argumentar-se-ia, contra essa tese, com base nos arts. 193 e 196 da CLT, que condicionam o pagamento do adicional à "regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho", ou seja, não estando tais atividades (armazenamento de grãos e congêneres) previstas na regulamentação ministerial, não dariam ensejo ao pagamento do adicional de periculosidade.

Tal argumento, no entanto, se mostra equivocado, por condicionar um direito constitucional dos trabalhadores à previsão em mera norma administrativa - como se esta pudesse definir ou, o que é pior, restringir o alcance de preceito constitucional, subvertendo, por completo, a hierarquia das normas jurídicas vigente em nosso ordenamento: 'toda interpretação constitucional se assenta no pressuposto da superioridade jurídica da Constituição sobre os demais atos normativos no âmbito do Estado. Por força da supremacia constitucional, nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação de vontade pode subsistir validamente se for incompatível com a Lei Fundamental. Na prática brasileira, já demonstramos em outra parte, no momento da entrada em vigor de uma nova Carta, todas as normas anteriores com ela contrastantes ficam revogadas"13.

Ora, é a legislação infraconstitucional e, mais ainda, a norma administrativa que deve se adaptar à Constituição, não o contrário. Se a Constituição assegura o adicional a todos os trabalhadores expostos a risco, não é dado à norma ministerial limitar esse direito e atribuir o adicional a apenas alguns trabalhadores, deixando de fora situações em que ele está exposto a idêntico risco de morte.

Afinal de contas, "os juízes e tribunais estão obrigados, por meio da aplicação, interpretação e integração, a outorgar às normas de direitos fundamentais a maior eficácia possível no âmbito do sistema jurídico"14 – com o que não se compactua uma leitura restritiva do texto constitucional, que cede sua eficácia à norma ministerial.

O que define se um trabalho é ou não perigoso são as condições nas quais ele é exercido, não a lei - ou, pior ainda, o ato ministerial (o qual não pode mudar – ou contrariar - a realidade). Sempre que o trabalho for perigoso, expondo o trabalhador a risco de vida, o pagamento do adicional se faz necessário, ainda que tal atividade não esteja prevista na relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego: o contrário equivale a rasgar a Constituição e, como dito, subverter a hierarquia das normas, colocando a normativa ministerial acima da Constituição15.

O texto constitucional fala, é verdade, que tal adicional será pago "na forma da lei"16; isso, porém, não autoriza, de modo algum, que atividades perigosas fiquem excluídas da proteção legal e possam ser desempenhadas sem o pagamento do adicional, mas sim que a forma de pagamento desse adicional (seu percentual, base de cálculo e etc.) será definida por lei, nada mais. À lei é dado apenas regular, não limitar ou, como no caso, excluir a proteção constitucional.

O problema ora enfrentado também pode ser enfrentado sob a ótica da chamada aplicação direta dos direitos fundamentais, que tem lugar, "em primeiro lugar, nos casos em que não exista legislação sobre a matéria ou quando esta for deficitária, em situações, portanto, de falta ou insuficiência da lei"17 – exatamente a hipótese tratada, em que a normativa ministerial exclui da proteção constitucional situações dela carentes, o que pede correção para que aquele direito – que possui caráter fundamental - não se limite a mera abstração teórica. Afinal de contas, se é admitido que "mesmo que a lei não existisse, ainda teria sentido o carácter directamente aplicável dos preceitos constitucionais, pelo menos na medida em que, com base neles, o juiz poderia declarar a existência, o conteúdo e os limites do direito individual", com muito mais razão isso deve sê-lo quando a lei existe, mas é incompleta18.

Afinal, como bem pontua Canotilho: "Aplicação directa não significa apenas que os direitos liberdades e garantias se aplicam independentemente da intervenção legislativa (cfr. arts. 17° e 18.71). Significa também que eles valem directamente contra a lei, quando esta estabelece restrições em desconformidade com a constituição (cfr. CRP, art. 18.73)."19 Afinal de contas, "os juízes, tendo em conta sua competência própria para o controle da constitucionalidade das leis, podem e devem aplicar os preceitos constitucionais contra a lei e em vez da lei"20.

E isso tudo é, por fim, reforçado pela circunstância de que a garantia constitucional da remuneração adicional pelo trabalho perigoso possui o status de direito fundamental, e isso tanto do ponto de vista formal (eis que o art. 7º da Constituição está inserido no Título II da Lei Maior, que trata "Dos Direitos e Garantias Fundamentais"), quanto do ponto de vista material, uma vez que se destina a proteger o bem jurídico mais precioso do trabalhador: sua vida.

Necessária se faz, assim, a adequação da lei ao texto constitucional e ao direito fundamental do trabalhador: afinal, como bem lembra Ingo Sarlet, "hoje não há mais falar em direitos fundamentais na medida da lei, mas, sim, em leis apenas na medida dos direitos fundamentais"21.

Em suma, o que se deve notar é que a situação fática tratada se enquadra na fattispecie prevista tanto na Constituição quanto na legislação ordinária (que, como visto, também garante o adicional aos trabalhadores que atuam sob risco causado por explosivos); necessário se faz, pois, que se trate da mesma forma todas as situações em que há trabalho perigoso, com o pagamento do adicional de periculosidade também aos trabalhadores expostos a risco pelo trabalho no armazenamento e processamento de grãos e congêneres – sob pena, como visto, de grave ultraje ao texto constitucional.

4. Conclusão

Por todos esses motivos, podemos concluir, com base no texto constitucional, no sentido da possibilidade, ou melhor, necessidade de se fazer remunerar com o adicional de periculosidade o trabalho desenvolvido sob condições perigosas22 decorrentes do armazenamento e processamento de grãos e congêneres.

_____________

1 O presente artigo foi escrito por sugestão do engenheiro de segurança Marcus José Andrade da Cunha, que nos apresentou o tema tratado.

2 Tanto isso é verdade, que a própria NR 31 do Ministério do Trabalho, em seu item 31.14, prevê uma série de medidas a serem adotadas com relação aos silos utilizados para o armazenamento de grãos, merecendo especial destaque aquelas contidas em seus subitens 31.14.4, 31.14.7, 31.14.9, 31.14.11, 31.14.13 e 31.14.14, que cuidam especificamente das medidas a serem tomadas para a diminuição do risco de combustão e explosão.

3 Estelilito Rangel Júnior, Pós Explosivos: Como Evitar Explosões, Revista Química e Derivados, n.º 464, agosto de 2007, disponível em (clique aqui), acesso em 9.3.09. No mesmo sentido: (clique aqui); (Clique aqui); (Clique aqui); (Clique aqui)

4 Lembrando sempre que, a rigor, a obrigação do empregador é, primeiramente, a de proporcionar aos trabalhadores um ambiente de trabalho seguro, surgindo o pagamento do adicional apenas quando isso não ocorre (e exatamente para compeli-lo a fazê-lo).

5 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, p. 277.

6 Interpretação e Aplicação da Constituição, p. 70.

7 Interpretação e Aplicação da Constituição, p. 70/71.

8 Afinal de contas, como bem ensina Vieira de Andrade, "Uma das hipóteses de mais fácil verificação será a da inconstitucionalidade resultante da violação do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio. Poderá acontecer quando uma lei organize ou regule prestações em cumprimento das imposições constitucionais ligadas ou decorrentes da consagração de direitos sociais e, ao fazê-lo, restrinja injustificadamente o âmbito dos beneficiários, em manifesta contradição com os objectivos da norma constitucional, seja por um erro de qualificação, por força do hábito, por uma intenção discriminatória ou por não correcção das leis vigentes em face das mudanças sociais.", o que “poderá até justificar uma intervenção judicial mais intensa, que, por exemplo, face a uma diferenciação injustificada, alargue desde logo a todos os interessados o regime mais favorável” (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 402/403).

9 "AGRAVO DE INSTRUMENTO - ADICIONAL DE PERICULOSIDADE - CONSTATAÇÃO DE LABOR EM ÁREA DE RISCO PELO LAUDO PERICIAL - ART. 193 DA CLT - INTERPRETAÇÃO RAZOÁVEL - SÚMULA Nº 221, II, DO TST. Tendo a Corte de origem, com base no laudo pericial, assentado que o Reclamante, quando no desempenho de suas funções, encontrava-se em contato com agentes inflamáveis, e que a NR-16 do Ministério do Trabalho não prevê taxativamente as atividades e operações que devam ser consideradas perigosas, cabendo ao perito averiguar a existência ou não de risco no caso concreto, verifica-se que apenas foi conferida interpretação razoável ao art. 193 da CLT, que preceitua que são consideradas perigosas as atividades ou operações que, por sua natureza ou método de trabalho, impliquem o contato com inflamáveis ou explosivos." (4ª Turma, AIRR-27.923/2002-900-03-00.6, 13.12.06, Rel. Juíza Convocada Maria de Assis Calsing).

10 Diz-se "em tese" porque o caso em questão não tratou do deferimento do adicional em si, mas apenas do cerceamento de defesa cometido pelo juízo de primeiro grau ao sequer permitir a realização da perícia técnica para a sua apuração, tendo o tribunal reformado tal decisão com base na possibilidade de o trabalho do reclamante ser caracterizado como de risco pela perícia técnica, determinando, assim, a sua realização.

11 2ª Turma, processo 01153.2007.001.14.00-9, 09.04.07, Rel. Des. Socorro Miranda.

12 E fundamental, eis que diretamente ligado à sua saúde e, assim, à sua vida, como se retomará adiante.

13 Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, p. 161.

14 Ingo Wolfgang Sarlet, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 390.

15 "Além disso, também do princípio da superioridade normativa da Constituição se pode extrair a obrigatoriedade para os poderes estaduais de, ao aplicarem as leis, as interpretarem em conformidade com os direitos fundamentais. Assim, as normas legislativas que contendem ou contactam com os direitos fundamentais devem ser interpretadas criticamente em função do sentido próprio das normas constitucionais respectivas." (Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 207).

16 E não da norma ministerial, instrumento pelo qual a matéria foi regulada em nosso direito e que apenas reforça a inconstitucionalidade em seu trato.

17 Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 207.

18 Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 211.

19 Direito Constitucional, p. 186.

20 Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 212. Importante lembrar, nesse tocante, que o próprio STF, na questão relativa ao direito de greve dos servidores públicos, atuou de forma semelhante à ora defendida, determinando a aplicação analógica da legislação ordinária atinente ao direito de greve dos trabalhadores da iniciativa privada, exatamente para que o direito fundamental em questão não fosse prejudicado pela ausência de regulamentação infraconstitucional (MI 670/ES).

21 A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 383. E assim prossegue o autor: “Ainda no âmbito destas funções positiva e negativa da eficácia vinculante dos direitos fundamentais, é de destacar-se o dever de os tribunais interpretarem e aplicarem as leis em conformidade com os direitos fundamentais” (p. 390).

22 Lembrando, evidentemente, que, tal qual nas demais hipóteses de pagamento do adicional de periculosidade, não é o simples contato com grãos que faz surgir o direito, mas sim o concurso de determinadas circunstâncias de fato que exponham o trabalhador a efetivo risco à vida, que deverão ser constatadas pelo perito judicial no caso concreto, nos termos do art. 195 da CLT.

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* Sócio do escritório Camargos, Giostri Advogados

 

 

 

 

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