Bem melhor assim
Edson Vidigal*
Os automóveis têm pára-lamas, as motocicletas têm pára-lamas, o sucesso tem pára-lamas, lembras? Os pára-lamas do sucesso, sim. Para as pessoas decentes, as que não têm nada a ver, não inventaram nada ainda que as resguarde da lama.
Ah, deixa isso para lá, vem prá cá, o que é que tem, eu não estou fazendo nada, e você também... Merecemos uma trégua.
Não é de sobra que vivemos do tempo sobrante, não. Falo o tempo dos outros, das vidas dos outros, que consumimos por ordenações da vida à nossa vida no serviço dos outros.
Esse tempo que nos roubam agora já nem mais nos interessa. Está tão fatiado, diluído, esmigalhado e a fome de tantos, dentre eles, é tanta que nem vai dar. Pérolas também para eles...
Tão tontas ficaram aquelas esperanças, inebriadas, talvez, pelo deslumbre de nunca terem estado em meio a uma floração tão bonita e invulgar. Quem se deixa inebriar fora da conta acaba cego. Quem se deslumbra demais se perde, fica surdo. Cego e surdo, aí fica difícil, amiga, amigo.
Ô Chico Maranhão, meu amigo poeta, cadê você?
E aquela felicidade encontrada na sua rua? E aquela outra, bonita como um cavalo caminhando ao luar? E a Rosa? Rosa te apressa que eu já te chamei, a vida começa, o tempo eu rodei, roda comigo também... e agora chama os outros que o amor chegou de cabelos soltos, nossa dança se esquentou com este amor... Grande Chico!
Tantas estas tontas tardes que se espreguiçam nas estantes das noites, tantas estas estonteantes manhãs mal amanhecidas de sonos mal dormidos, nas vitrines da noite, mas de tantos sonhos buscados a cada dia, a tanta luz, tanta luz, a tanta luz, ainda bem que nada nos ofusca, nada nos tange, nada nos tinge, nada nos muda, nem nos instiga ao nada.
Serão grandes os feitos que ainda iremos realizar, tantos serão os feitiços que ainda teremos a desmontar.
Falar de amor é bem melhor. Melhor que falar de amor é conjugar, vivendo em todos os tempos, o verbo amar.
E nada de inutilidade das paisagens. Como se não houvesse mais estrada, e há, sim, mais estrada à frente. Como se a viagem que se começou juntos, e se começou juntos, sim, a viagem. Como se a viagem tivesse chegado ao fim, antes mesmo de terminar. Como se a viagem tivesse se desfeito. Houve defeito, sim. A nossa viagem, não se desfez, prossegue. Não navegamos, andamos por terra, marchamos. Sabemos o que queremos e para onde iremos. Juntos, até o fim. E haverá fim?
A nau libertária, ela, sim, foi que se enroscou num calhau, furou o casco, entrou água, mas não se afundou.
Agora, vem você achando que a esperança voou porque a liberdade não aconteceu. Não voou nada. A esperança é assim mesmo, costuma ficar invisível. Se ficarmos com essa idéia de que ela está bem por perto pode ser que achemos que está tudo beleza e nem precisemos mais lutar.
A esperança é o combustível e a arma a nos mover e a nos fazer lutar para que nos chegue a liberdade.
Lembremo-nos que é a partir do pó que se chega ao possível. Da possibilidade à concretude, ao movimento, à ação, à libertação. Da liberdade à independência, bases seguras da confiança para se vencer com razão.
Compreendo bem que você, que tanto se esperançou, esteja caído nessa de que ficamos sem bussola porque a bussola o vento levou. Ou que o camelo em que você se ia, distraído olhando o infinito, lhe alterou o destino ficando agora sem saber exatamente para onde é que vai.
Sem essa, amiga, amigo. Sabemos, sim, onde logo, logo, iremos estar. Se não pararmos chegaremos. Por isso, nada de olhar para os lados, nem de olhar para trás. Só olhar em frente, encarando o sol de frente.
Não vejo a hora dessa hora chegando, o dia rasgando bem cedo o agora há pouco, que logo será ontem.
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*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA
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