A reciclagem dos coronéis
Edson Vidigal*
No caso de cargos providos mediante eleição, como o de Governadores e Vices, cuja legitimidade só pode ser aceita mediante o voto da maioria absoluta dos eleitores, e para isso há que haver tantos turnos de votação quantos forem necessários, vem a Justiça Eleitoral, mais precisamente o TSE, em caso de cassação de eleitos, entregando cargos de Governadores e Vices a pessoas que não foram eleitas.
O Estado de Direito Democrático reconquistado no Brasil após décadas de lutas contra o regime militar, que parecia infinito, talvez eterno em sua arrogância, está sendo minado em suas bases pela soberba intelectual de alguns juízes que parecem não estar entendendo o verdadeiro sentido de cláusulas fundamentais da Constituição da República.
O Presidente do TSE, Ministro Carlos Britto, ele próprio um intelectual da academia jurídica sergipana, de onde ascendeu vitorioso e respeitado a uma poltrona no STF, perora com a segurança de um trilho sobre dormentes de ferrovia, garantindo que o princípio constitucional da legitimidade se resgata com a entrega do diploma de eleito ao segundo colocado, ou seja ao perdedor.
A Justiça Eleitoral está reciclando a política dos coronéis. Mais que uma constatação é uma denúncia grave, esta que você lerá, a seguir, no artigo de Fernando Barros e Silva, na Folha de São Paulo, de 20.4.09, sob o título Indústria do Golpismo:
"Ninguém pode, de boa-fé, ser contrário à punição daqueles governantes que corrompem o processo eleitoral. Compra de votos, uso indevido da máquina pública, abuso do poder econômico -são todos comportamentos passíveis de sanções, até mesmo da cassação do mandato, medida que se banalizou, mas de trivial não tem nada. Este é o primeiro ponto.
Segundo: ninguém compromissado com a democracia pode aceitar que a cassação de alguém tenha como consequência a sua substituição por quem foi vencido nas urnas. O segundo colocado não é o próximo da fila, mas o que foi rejeitado pelo voto popular. Não é o reserva do time, é o adversário derrotado. É preciso desvincular o castigo ao corrupto do prêmio ao perdedor.
Não tem sido essa, porém, a interpretação da justiça eleitoral. Suas decisões recentes parecem dar curso a uma nova indústria do golpismo no país, agora com amparo legal. Ainda mal começamos a perceber as consequências políticas desse protagonismo.
Há dois meses, José Maranhão - PMDB, derrotado em 2006 por Cássio Cunha Lima - PSDB, assumiu o governo da Paraíba. Agora, Roseana Sarney - PMDB vem ocupar o cargo de Jackson Lago - PDT no Maranhão. Falta a esses dois governantes o oxigênio da democracia: legitimidade popular.
Há outros seis governadores na mira do TSE. Se a moda pega, corremos o risco de regredir para um quadro realmente sinistro: quase um terço das unidades da Federação nas mãos de quem foi derrotado nas urnas em 2006.
Não por acaso os governantes sub judice vêm de Estados periféricos, onde a disputa pelo poder se trava muitas vezes entre famílias rivais e o aparelho burocrático vive refém do arbítrio, sujeitado ao pessoalismo mais bruta.
O caso do Maranhão, a capitania hereditária dos Sarney e seus agregados, é exemplar e joga luz sobre um problema que o ultrapassa. A justiça eleitoral está patrocinando a reciclagem da política dos coronéis."
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*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA
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