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A sociedade empresarial como sujeito de direitos

Recentemente, profissionais das mais diversas áreas têm desenvolvido importante debate acerca do papel da empresa na sociedade atual.

12/1/2005

A sociedade empresarial como sujeito de direitos


Eduardo Schuch*

Recentemente, profissionais das mais diversas áreas têm desenvolvido importante debate acerca do papel da empresa na sociedade atual. Práticas de governança corporativa "corporate governance" ganham cada vez maior espaço, inclusive com a participação direta de entidades como a Bovespa, que instituiu uma classificação das empresas com cotação na bolsa, que passaram a ser dividas em níveis de excelência corporativa, percorrendo diversos requisitos para que se chegue ao ponto máximo do chamado Novo Mercado.

Os investidores, por sua vez, exigem uma maior transparência por parte dos sócios e administradores das empresas, o que pode significar mais aporte de capital. Além disso, as responsabilidades atreladas aos condutores da gestão empresarial são cada vez maiores, respondendo severamente por eventuais prejuízos causados à empresa ou a terceiros.

A legislação societária, principalmente a Lei das Sociedades por Ações e o novo Código Civil, tutelam de forma significativa os sócios minoritários, garantindo a sua maior participação social e criando mecanismos de exigibilidade dos direitos a eles conferidos.

E é neste quadro que investidores, administradores e sócios minoritários passam a ser figuras destacadas no cenário atual, recebendo importância cada vez maior na prática da atividade negocial.

Existe, porém, um outro prisma que merece a devida atenção, mas que freqüentemente passa despercebido pelos operadores do Direito: a figura da sociedade empresarial como sujeito de direitos.

A empresa sempre foi um fenômeno econômico-jurídico fundamental para a manutenção e evolução da sociedade, tanto em seu aspecto comercial quanto no da vida civil. Por tal razão, as práticas e iniciativas envolvendo esta figura – tomada em sua acepção mais ampla de atividade e de órgão produtivo revestido de significação jurídica – causam importantes impactos sobre a coletividade em geral.

Os sócios, sejam eles majoritários ou minoritários, com ou sem poder de controle, assim como os administradores e os órgãos de regulação da atividade societária, devem atentar para a sociedade empresarial não apenas como objeto de direitos a serem controlados, mas principalmente, como sujeito de direitos a serem preservados e considerados com primazia.

A empresa nos dias atuais, em razão da sua importância, função social e dos reflexos que gera em toda a sociedade, deve ser tutelada de forma abrangente, sempre tendo como baliza a sua preservação. Por conseguinte, o foco da legislação, das deliberações sociais e das práticas de governança deve se voltar para a sustentabilidade e para o desenvolvimento da empresa, afinal, os resultados tendem a se reverter em benefício de todos, seja pelo aspecto de segurança econômico-jurídica ou pelo fortalecimento do mercado.

A nova Lei de Falências, em fase final de aprovação pelo Congresso Nacional, parece ser um bom exemplo de tutela da empresa, visto que permite uma maior liberdade na busca da sua efetiva preservação, figurando ela própria como o mais importante sujeito de direitos envolvido.

Cada vez mais é preciso ter em mente que a empresa, quando voltada e dirigida ao cumprimento da sua coerente função social, é o elemento central da relação negocial, não sendo possível admitir que permaneça sob a égide praticamente intocável dos seus sócios, administradores ou reguladores. É certo que em muitos casos existe uma dualidade de interesses entre a figura do empresário e a finalidade social da empresa, acarretando, de certa forma, a separação de sujeitos. Com isto não se quer dizer, obviamente, que sócios e administradores não devem conduzir os destinos do negócio. Sustenta-se, sim, que o escopo comum que deve permear a atuação destes é o objetivo em prol da atividade social da empresa, que certamente trará os benefícios esperados a serem usufruídos por todos.

A sociedade empresarial não deve ser vista como um mecanismo jurídico e econômico de implementação de interesses meramente particulares e pessoais de seus membros, mas sim, como um conjunto organizacional produtivo dirigido à implementação de resultados e benefícios favoráveis aos mais diversos partícipes da atividade negocial.

O fortalecimento das nossas instituições e da nossa Economia passa, necessariamente, pela máxima valorização do elemento empresa como organismo voltado à produção e ao desenvolvimento social, em seu aspecto mais amplo possível. Para tanto, mostra-se essencial a tutela dos direitos da sociedade empresarial e o respeito ao dever de transparência e lealdade nas relações societárias, como sempre destacou o saudoso professor Clóvis do Couto e Silva, seja no âmbito interno ou externo da estrutura social, sendo certo que o benefício do conjunto produtivo organizado significará também o da coletividade.
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*Advogado do escritório Martins-Costa Advogados Associados (banca associada a Reale Advogados Associados)





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