Complemento do marco regulatório sobre licitação e as Parcerias Público-Privadas
Renato Poltronieri*
Essa transformação na forma de atuar do Estado deve-se basicamente a dois motivos: (i) necessidade legal e funcional de ser eficiente em sua ação, ou seja, atender às necessidades da sociedade e (ii) carência de recursos ou falta de condições políticas/orçamentárias para destiná-los para esses projetos.
Nesse contexto, iniciou-se o complemento daquele marco regulatório com a implantação da modalidade de licitação por “Pregão” e “Pregão Eletrônico” (Lei federal nº 40.520/2002 e Decreto federal nº 3.697/2000) e pode ser complementado com a implantação legal das Parcerias Público-Privadas (PPPs).
A Parceria Público-Privada (“PPP”) surge como um complemento do marco regulador em matéria de contratação pública, pois institui condições especiais para a realização de contratos de obras e serviços entre a administração pública e empresas. Segundo se pretende implementar, a PPP será um contrato celebrado entre a Administração Pública e entidades privadas para implantação ou gestão, no todo ou em parte, de serviços, empreendimentos e atividades de interesse público em geral.
Sob essa definição de "parceria" procura-se complementar a forma de contratação da Administração Pública, abrangendo todas as situações, e até substituindo algumas, em que o investimento privado é incompatível com os ditames da Lei nº 8.666/1993 (lei de Licitação) ou Lei nº 8.987/1995 (Lei de Concessão), ou aquelas em que por razões técnicas ou financeiras o Estado está impedido de contratar.
A PPP surge também como forma de viabilizar determinados setores/serviços que por sua natureza necessitam de longos prazos para oferecerem retorno aos investimentos que demandam, como por exemplo, a construção de estradas, ferrovias e metrovias.
Ou seja, a PPP visa o investimento pelo parceiro privado, que responderá pelo respectivo financiamento e pela execução do objeto do contrato, em contrapartida a um futuro ressarcimento.
Trata-se de nítido complemento do marco regulador do procedimento licitatório e contratações públicas, em vistas ao prazo das “parcerias” e cláusulas resolutivas, garantidoras e vinculativas das propostas. Assim, sem estrada (investimento) concluída não haverá pedágio (ressarcimento), por exemplo.
O Projeto de Lei das PPPs (PL no 2.546/03) está em fase final de aprovação. Em que pese a oportunidade político-econômica de sua instituição e revisão crítica de seus preceitos dentro do conjunto normativo já existente, é fundamental que haja também rigoroso reexame de outros temas afetos ao marco regulatório atual que não se alterarão com a instituição legal das PPPs.
Eis alguns tópicos, dentre tantos, que destaca-se para serem objeto de reexame pelo legislador, inclusive constando em algumas das propostas de lei em trâmite:
(i) possibilidade de inversão das fases do procedimento em determinadas condições e, nesse caso, condição de se comprovar os requisitos de habilitação por declaração firmada pelo próprio licitante, com posterior comprovação vinculante, sujeito a severas penalidades em casos de falsidade;
(ii) redefinição das modalidades de licitação e possibilidade de combinação delas, em face do atual art. 22, §8º, e o Pregão (Lei nº 10.520/2002);
(iii) unificação da fase recursal no procedimento licitatório, com a adoção de uma espécie de “registro de impugnação” do que for levantado durante o seu desenrolar e que será analisado em um único momento e os efeito desse registro e recurso administrativo; e
(iv) definição da responsabilidade do administrador sobre a análise dessas impugnações incidentes no procedimento;
(v) obrigatoriedade ou não de constar cláusulas exorbitantes em todo e qualquer contrato administrativo, a aplicação de dispositivos de direito privado em contratos dessa natureza em que a Administração figure e hipóteses em que não será admitida a terceirização dos contratos;
(vi) especificação das fases do procedimento, especialmente sobre a homologação do procedimento e adjudicação do objeto do contrato;
(v) definição expressa sobre possibilidade ou não do uso da arbitragem para solução de controvérsias no cumprimento do contrato administrativo, e em quais condições, se for o caso;
(vi) definição expressa da abrangência da Lei de licitação para as empresas públicas ou sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica, diante dos arts. 22, XXVII, 37, XXI e 173, § 1º, III da Constituição Federal-CF;
(vii) definição expressa da aplicação ou não da Lei de licitação para as atividades financeiras sobre a regulação do Banco Central, em consonância com o tema do item anterior;
(viii) abrangência da Lei de licitação às entidades, públicas ou privadas, que utilizem, arrecadem, administrem recursos, bens ou direitos, direta ou indiretamente, de natureza pecuniária e em relação a um serviço de utilidade pública que prestem, nos termos do art. 70 da CF;
(ix) compatibilização dos contratos administrativos regulados pela Lei de licitação com a Lei de Responsabilidade Fiscal;
(x) definição expressa da aplicação da Lei nos casos de autorização e permissão de uso de bens públicos, em face dos princípios aplicáveis à Administração Pública da economicidade, da impessoalidade e da eficiência;
e (xi) maior especificação do papel da comissão de licitação com a regulação dos seus membros, exigindo permanente comprovação de rendimentos, qualificação para a função, certificação da atuação e até a profissionalização desse cargo.
Na iminência da aprovação de nova norma sobre contratação pública (PPP) e no momento em que o papel da Administração como agente regulador, prestador de serviços, fomentador da atividade econômica e guardião do interesse público está no centro dos debates, é oportuno a revisão do atual marco regulador brasileiro que cuida da matéria.
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* Advogado do escritório Demarest e Almeida Advogados