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O tabu da arbitragem trabalhista

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu recentemente que o sistema jurídico brasileiro admite a arbitragem trabalhista somente em dissídios coletivos.

15/4/2009


O tabu da arbitragem trabalhista

Mário Gonçalves Júnior*

A Terceira Turma do TST decidiu recentemente que o sistema jurídico brasileiro admite a arbitragem trabalhista somente em dissídios coletivos.

O caso concreto decidido foi um dissídio individual, no qual as partes resolveram conflito trabalhista através da arbitragem. Insatisfeito, o trabalhador ajuizou reclamação trabalhista. A 28ª Vara do Trabalho de Salvador extinguiu o processo sem exame de mérito, conferindo eficácia à sentença arbitral. O TRT 5ª Região confirmou a sentença. Já o TST entendeu que a única hipótese de arbitragem prevista no sistema serve para prevenir dissídios coletivos, e que nos individuais a indisponibilidade dos direitos trabalhistas impediria essa modalidade de solução de conflitos. O C. TST arrematou no sentido de que "a legislação trabalhista trata da mesma forma um alto empresário e um operário", de maneira que a única alternativa de solução extrajudicial seriam as câmaras de conciliação prévia.

O artigo 114 da CF não proíbe, todavia, a arbitragem fora dos dissídios coletivos. Apenas lembra da sua possibilidade nos dissídios coletivos. O parágrafo 1°. dispõe no sentido de que "frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros". Inferir daí que somente nos dissídios coletivos pode se usar a arbitragem, é enxergar demais, data maxima venia.

A lei infraconstitucional de arbitragem (Lei 9.307/96 - clique aqui), por sua vez, também não exclui lide alguma, mesmo dentre as da competência da Justiça do Trabalho. O artigo 1°. alberga todas as "pessoas capazes de contratar" e todos os "direitos patrimoniais disponíveis".

As duas coisas (capacidade de contratar e disponibilidade dos direitos) se confundem em Direito do Trabalho. Sempre se entendeu que a autonomia individual do trabalhador é temperada pelo dirigismo estatal: o chamado "conteúdo mínimo" do contrato individual do trabalho não seria, assim, passível de flexibilização. Com o movimento que alçou esse conteúdo mínimo ao artigo 7°. da CF (chamada constitucionalização do Direito do Trabalho), esse princípio ganhou bastante fôlego. Aliás, para quem ainda se recorda, o movimento dos congressistas que levou à constitucionalização desses direitos foi motivado justamente pela idéia de que, estando os direitos básicos na CF, estariam a salvo de turbulências econômicas e políticas.

Essa idéia de que os direitos trabalhistas são indisponíveis não soa coerente com o que acontece nas conciliações homologadas pela própria Justiça do Trabalho, que são feitas diariamente e sem essas amarras, permitindo às partes, assistidas ou não por advogados, ampla liberdade de negociação. Direito indisponível é indisponível em qualquer lugar e situação. Se fossem de fato indisponíveis, não poderiam ser flexibilizados nem mesmo no seio de reclamações trabalhistas.

Por outro lado, a jurisprudência trabalhista tende a considerar indisponíveis apenas os direitos destinados à proteção da saúde do trabalhador e dos meios ambientes de trabalho, permitindo-se, no mais, a flexibilização. De qualquer modo, onde quer que se finque tal fronteira (entre direitos disponíveis e indisponíveis), afastar as possibilidade de arbitragem em todo e qualquer dissídio individual, aprioristicamente, é um equívoco flagrante.

Na mesma notícia do C. TST sobre esse recente julgado, há alusões a decisões de outras Turmas mais simpáticas à arbitragem, portanto, não se pode considerar que exista uma posição firmada pela Corte. Caberá à Seção de Dissídios Individuais uniformizar a jurisprudência. Qualquer que seja a jurisprudência predominante, o STF certamente será instado a examinar se o parágrafo 1°. do artigo 114 da CF permite interpretação enviesada, no sentido de restringir a arbitragem somente aos dissídios coletivos.

A relutância de parte da Justiça do Trabalho só se explica num roteiro cultural e histórico, que nos difere, por exemplo, de EUA e Inglaterra, que se tornaram potências em razão do secular respeito aos contratos (isto é, à autonomia da vontade das pessoas, dos grupos e da sociedade).

O Brasil não descende do mesmo galho. O paternalismo estatal que inspirou a legislação trabalhista brasileira é que compromete institutos como o da arbitragem. A opção foi pela outorga, não pela via das verdadeiras "conquistas" sociais.

O fato é que lá se vão quase setenta anos e ainda estamos presos a essas raízes, não nos permitindo sequer o manejo do método de interpretação histórico, que poderia perfeitamente recolocar o mesmo sistema legal em outra configuração, mais afinada com as necessidades atuais. A experiência já demonstrou, entre nós e na comparação com outros países, que esse paternalismo é que infertilizou o desenvolvimento dos movimentos sindicais.

Infelizmente não poderia haver cenário mundial e econômico pior do que o atual para se discutir com profundidade e isenção a arbitragem trabalhista no Brasil. O liberalismo sofre revés severo com a crise, provocando reações intervencionistas, algumas necessárias (como na regulamentação do sistema financeiro) e outras absolutamente inoportunas (recrudescimento do protecionismo comercial). Inevitavelmente renderá argumentos, que pareciam vencidos, aos discursos protecionistas nas relações de trabalho. O ideal seria que a discussão sobre a arbitragem trabalhista já estivesse amadurecida e resolvida antes da crise, a fim de não permitir conclusões prematuras.

Alguns especialistas sugerem um Direito do Trabalho protecionista para os menos favorecidos econômica e intelectualmente, e um outro, com maior autonomia de vontade, para os altos escalões das empresas. A legislação atual permite essa dicotomia pela via da interpretação finalística (proteção a quem realmente precisa de proteção), mas há corrente que ainda considera que a legislação trabalhista trata todos os trabalhadores da mesma forma.

Sem definir qual é o atual perfil do Direito do Trabalho, torna-se impossível definir qual o espaço da arbitragem. Concordamos que não pode ser admitida em qualquer situação. Algumas situações parecem merecer tratamentos diferentes.

Primeiramente, separar os primeiros escalões das empresas (Diretores e gerentes), dos demais. A este grupo o uso da arbitragem deveria ser amplamente admitida (preservando-se, claro, alegações de vícios de vontade). Para o grupo dos mais favorecidos econômica e intelectualmente, mesmo as cláusulas de arbitragem firmadas nas admissões, devem ser prestigiadas. A cláusula contratual de arbitragem como excludente da jurisdição para os menos graduados evidentemente estaria sujeira à peneira do princípio protecionista.

Os mais altos cargos podem, dependendo da verificação de inexistência de vício de vontade, eleger a cláusula arbitral no curso e também no término da relação de trabalho, sem que isto pudesse ser aprioristicamente considerado oportunismo do empregador.

Além de não se poder negar a impotência do sistema jurisdicional tradicional para responder ao crescimento estatístico de lides, a arbitragem pode se revelar importante fonte de trabalho para os especialistas. Talentos egressos do próprio judiciário (juízes aposentados ou candidatos reprovados em concursos públicos da magistratura que, todavia, chegaram até as derradeiras fases, por exemplo), pessoas de reconhecida experiência e conhecimento, como economistas, juristas etc., poderiam perfeitamente se ocupar das câmaras arbitrais, em número muito maior do que hoje, se a Justiça do Trabalho vencesse este tabu contra a arbitragem.

É preciso lembrar que qualquer decisão, judicial ou não, pode ser injusta. Mesmo as que são proferidas pelo Judiciário, haja vista a idéia natural do direito aos recursos. Ministro do Supremo Tribunal já pontuou que o STF é o único que tem o "direito de errar por último". Não pode residir aí, portanto, a antipatia contra a arbitragem. Uma solução mais rápida, ainda que não seja a mais razoável e justa, pode render benefícios à sociedade maiores do que as decisões jurisdicionais que em média demoram dez anos.

Se essa mudança de mentalidade não vier através da jurisprudência, mais cedo ou mais tarde será exigida das Casas Legislativas.

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*Advogado do escritório

Demarest e Almeida Advogados




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