Poder implícito
Veto à investigação criminal pelo MP beneficia criminosos
João Antonio Bastos Garreta Prats*
Se um observador externo, no entanto, recebesse notícias apenas da maior discussão que se trava no momento no setor jurídico brasileiro, certamente teria outra visão: acreditaria que a criminalidade está sob pleno controle e que o erário não sofre ameaças. É que a comunidade do Direito discute a retirada do poder de investigação de um órgão do Estado.
Parece surrealista. Em uma nação assolada por tantas mazelas, há quem esteja preocupado em impedir que o Ministério Público promova investigações; instituição incumbida da “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (Art. 127 da CF) e que tem por principal função institucional “promover, privativamente, a ação penal pública” (Art. 129, I, da CF).
Se é da tradição jurídica nacional a investigação pelo Ministério Público, nunca antes questionada, por que a discussão agora? Por que reduzir o Ministério Público à condição de — como expressou o Ministro Carlos Ayres de Britto — “bobo da Corte”?
Uma vez que a macro-criminalidade econômica, a corrupção eleitoral e as violações aos direitos humanos não estão contidas a criminalidade organizada, a única resposta possível é que as investigações que vêm sendo feitas pelo Ministério Público estão incomodando poderosos.
Não há dúvida de que o cidadão comum quer um Ministério Público investigando os fatos criminosos que o atormentam. Em pesquisa feita pelo Ibope — encomendada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) no início deste ano -- 68% dos entrevistados expressaram que o Ministério Público “deve investigar todos os crimes”; somente 4% disseram que “só a Polícia deve investigar”.
Nesse contexto social, qual o argumento dos que querem tolher o poder de investigação do Ministério Público? Basicamente o de que o Ministério Público não tem atribuição para instaurar e presidir “inquéritos criminais”. Ora, não se discute essa dedução. Não pretende — e nunca pretendeu — o Ministério Público presidir inquéritos. A Constituição Federal, efetivamente, não concede ao órgão essa atribuição. Entretanto, o inquérito policial não é a única forma de se promover investigações. Inúmeras são as maneiras de levá-las a efeito: procedimentos administrativos, sindicâncias, comissões parlamentares de inquérito, entre outras.
A Constituição de 1988 conferiu ao Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal pública; ou seja, atribuiu-lhe o poder de postular perante o Poder Judiciário a punição dos que cometem delitos. Se lhe deu essa missão, implicitamente outorgou-lhe todos os meios necessários à sua consecução: para intentar a ação penal, é necessária prévia investigação.
É a denominada teoria dos poderes implícitos, consagrada na doutrina. Além disso, dotados seus membros das garantias de independência, tem o Ministério Público melhores condições de promover investigações quando elas alcançam detentores de poder político ou econômico.
Não é por outra razão que, no mundo moderno, em países avançados, as investigações promovidas pelo Ministério Público têm produzido excelentes resultados. Graças a elas, por meio da denominada “Operação Mãos Limpas”, a Itália conseguiu livrar-se do jugo da Máfia, organização criminosa tão organizada quanto antiga.
Por isso tudo, o poder de investigação do Ministério Público é prerrogativa da sociedade, do cidadão honesto e cumpridor de seus deveres. Sua exclusão só trará benefícios aos criminosos e corruptos.
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