Novas regras para Instituições Financeiras
Mudanças na constituição, funcionamento, transferência de controle, cancelamento de autorização e administração
Luciano Garcia Rossi
José Luiz Homem De Mello*
Introdução
1. - Na reunião do dia 28 de novembro último, o Conselho Monetário Nacional aprovou duas novas Resoluções de especial relevância: a Resolução nº 3.040, que altera de forma significativa as regras de constituição, transferência de controle e cancelamento da autorização para funcionamento de
2. - A Resolução 3.040 foi idealizada com base em dois pilares: (i) dar ao Banco Central mais ferramentas para avaliar os objetivos de negócio e a estrutura organizacional da instituição, e (ii) focar a análise em critérios qualitativos e, por conseqüência, mais discricionários. As mudanças aproximam o processo no Brasil a práticas internacionais, e são consistentes com o Novo Acordo da Basiléia, que tem como princípio a supervisão qualitativa, entre outros.
3. - A Resolução 3.040 revoga, entre outras normas, artigos do regulamento Anexo I da Resolução n° 2.099, de 17.8.1994, e determina que as novas regras entrarão em vigor a partir de 2.6.2003. As únicas exceções são os artigos 14 a 18 do regulamento anexo à nova Resolução, que têm vigência imediata: os arts. 14 e 15 tratam das estruturas de controle societário que passam a ser permitidas, e os arts. 16 a 18 estabelecem um novo mecanismo para o cancelamento da autorização para funcionamento das instituições.
4. - No artigo 5° , a nova Resolução determina que as regras anteriores da Resolução 2.099 deverão se aplicar a processos protocolados no Banco Central antes de 2.6.2003. Embora não fique claro que as regras de vigência imediata (arts. 14 a 18) não se aplicam aos processos ora em curso perante o Banco Central, que tenham sido protocolados antes da edição das nova Resolução, este deverá ser o entendimento mais provável. Caso contrário, qualquer transação ora em fase de análise pelo Banco Central ficaria sujeita a limitações não existentes quando do protocolo de pedido respectivo, como por exemplo, as restrições para a estrutura de controle do artigo 14 (que discutimos abaixo), o que não nos parece correto.
AS PRINCIPAIS INOVAÇÕES DA RESOLUÇÃO 3.040
(A) Processo de Constituição e Autorização para Funcionamento
Business Plan e Processo em Duas Fases
5. - A nova Resolução estabelece duas fases de análise: (i) a verificação de requisitos para a constituição, que engloba a análise mais detalhada e qualitativa do projeto; e (ii) a autorização para funcionamento, que é simplesmente o exame dos atos formais de constituição.
6. - Dentre os requisitos para a constituição estão a apresentação de:
um estudo de viabilidade econômico-financeira, contendo análises sobre o segmento de mercado da nova instituição, sua expectativa de rentabilidade e projeções financeiras acompanhadas das fontes de captação projetadas; e
um plano de negócios (business plan), que deverá conter, entre outros itens, detalhes da estrutura organizacional, controles internos, objetivos estratégicos, definição de principais produtos e serviços, tecnologias a serem utilizadas nos produtos, prazo máximo para início de atividades (após a autorização pelo Banco Central), além de critérios para a escolha de administradores.
7. - Na análise da constituição de uma instituição, o Banco Central irá portanto verificar a adequação do estudo de viabilidade1 e do business plan, além de outros aspectos, como os padrões de governança corporativa, estrutura de incentivos e política de remuneração. Outras condições constantes da regulamentação anterior continuam sendo exigidas, como a publicação de declaração de propósito por quem não seja controlador de instituição financeira2.
8. - Uma vez cumpridas as condições para a constituição, conforme elencadas no artigo 5° da nova Resolução, os interessados terão 90 dias para formalizar o pedido de autorização para funcionamento. A autorização para funcionamento depende também da comprovação da origem dos recursos, e a instituição deve começar a operar, em princípio, no prazo originalmente previsto em seu business plan.
Participação Qualificada
9. - A Resolução 3.040 introduziu um conceito novo de participação no capital das instituições financeiras: a "participação qualificada". Trata-se de uma classe intermediária de acionistas, que não integram o grupo de controle, mas que em razão da participação relevante no capital da instituição (5% ou mais do capital total3), passam a ser consideradas no processo de constituição e autorização para funcionamento da instituição.
10. - Com as regras atinentes aos detentores de participação qualificada, o Banco Central busca monitorar mais de perto a evolução desses acionistas, podendo inclusive exigir acesso a dados cadastrais e comprovação de origem de recursos no ingresso ou expansão da participação de acionista com participação qualificada.
Autorização para Acesso a Informações
11. - O artigo 5° , V da Resolução 3.040 estabeleceu uma nova exigência a ser cumprida pelos integrantes do grupo de controle e pelos detentores de participação qualificada na constituição de instituições financeiras. Eles devem fornecer as seguintes autorizações expressas para fornecimento de informações:
à Secretaria da Receita Federal, para fornecimento ao Banco Central de cópia da declaração de rendimentos, de bens e de direitos e de dívidas e ônus reais, relativa aos três últimos exercícios; e
ao próprio Banco Central, para acesso a informações a seu respeito constantes de qualquer sistema público ou privado de cadastro e informações.
12. - Enquanto a permissão à Secretaria da Receita Federal será utilizada exclusivamente no processo de autorização, não há restrição semelhante no acesso pelo Banco Central aos sistemas de cadastro e informações. Isso indica que esta verificação poderá se dar a qualquer tempo, permitindo um acompanhamento contínuo da informações de controladores e detentores de participação qualificada pelo Banco Central.
Capacidade Econômico-Financeira
13. - A demonstração, pelos controladores, da capacidade econômico-financeira compatível com o empreendimento já era uma condição necessária para a constituição de instituições financeiras. No entanto, de acordo o regramento vigente sob a égide da Resolução 2.0994, a comprovação da capacidade econômico-financeira se dava através de um critério objetivo: pelo menos 220% do empreendimento.
14. - De acordo com a nova Resolução, que revoga o dispositivo citado acima, não há critério objetivo para a avaliação da capacidade econômico-financeira dos controladores da instituição; trata-se de análise qualitativa que será feita pelo Banco Central caso a caso, o que nos parece mais apropriado. Outra mudança salutar é que esse requisito pode, a critério do Banco Central, ser atendido individualmente por acionista controlador ou em conjunto pelo grupo de controle (algo que já vinha sendo aplicado pelo Banco Central na prática, e agora passa a ser expresso).
(B) Novas Instituições - Cumprimento do Business Plan
15. - As novas regras de constituição determinam que, durante os três primeiros exercícios sociais, as instituições recém-constituídas ficarão obrigadas a comprovar a adequação de suas operações aos objetivos descritos no business plan, através do relatório de administração que segue as demonstrações financeiras semestrais. O relatório será submetido à opinião do auditor independente, e sempre que não houver esta adequação, a instituição deverá apresentar justificativas fundamentadas ao Banco Central, que a partir daí determinará prazos para cumprimento das condições que entender necessárias.
16. - A nova regra deixa claro que o Banco Central estará monitorando mais de perto o funcionamento das novas instituições durante os três primeiros anos (prazos pelos quais são elaborados o estudo de viabilidade econômico-financeira e o business plan). Por isso, os futuros controladores devem ser cuidadosos quando da elaboração do business plan, já que a revisão pelo Banco Central pode ensejar em novas condições a serem cumpridas pela instituição.
(C) Transferência de Controle e Reorganização
17. - Os processos de transferência de controle e reorganização societária devem cumprir todas as regras da primeira fase da constituição de instituição financeira, do qual destacamos a apresentação do estudo de viabilidade e do business plan. Porém, há a prerrogativa do Banco Central de dispensar determinadas condições caso a caso. Isto é salutar pois nos parece que o atendimento de todas as condições do art. 5o não devem se aplicar, por exemplo, para uma simples incorporação de empresa do grupo pela instituição financeira.
(D) Artigo 14 – Estrutura de Controle Societário
18. - O artigo 14 da nova Resolução 3.040 determina que as participações societárias diretas que impliquem controle de instituições financeiras constituídas a partir da data da nova Resolução, apenas poderão ser detidas por:
pessoas físicas (a norma não traz qualquer distinção quanto à nacionalidade das pessoas físicas);
instituições financeiras (não há distinção entre instituições nacionais e estrangeiras); ou
pessoas jurídicas que tenham como objeto social exclusivo a participação societária em instituições financeiras (holdings financeiras). A redação do artigo não determina que estas holdings devam ser constituídas no Brasil.
19. - O princípio que norteou esta nova regra é o da separação entre atividades financeiras e não-financeiras, que vem sendo defendido há algum tempo pelo Banco Central. Não é novidade, portanto, que surja esta limitação no controle das instituições financeiras brasileiras, uma vez que a preocupação principal das autoridades é no sentido de manter a solidez do sistema financeiro, e não o de promover a multiplicação das instituições. A nova regra está confirmando uma tendência de consolidação do sistema financeiro nacional.
20. - Essa regra também se aplica nos casos de ingresso de sócio no grupo de controle, situação que ocorre nas transferências de controle societário e reorganizações. Mas é importante lembrar que a limitação trata das participações acionárias diretas mas não das indiretas (que constava na minuta da norma que foi objeto de comentários em audiência pública).
(E) Cancelamento da Autorização para Funcionar
21. - A Resolução 3.040 também trouxe alterações nas regras para cancelamento da autorização para funcionar das instituições financeiras, sendo que a partir de agora torna-se necessária a publicação de uma declaração de propósito para tanto. O Banco Central também poderá condicionar o cancelamento à liquidação das operações passivas privativas dessas instituições. Como se observa, estas regras visam tornar mais transparente o processo de cancelamento de autorização, e evitar que quaisquer terceiros que tenham relacionamento com a instituição possam vir a ser prejudicados.
22. - A nova Resolução também elenca algumas causas para cancelamento da autorização para funcionar, incluindo: a inatividade operacional injustificada, a interrupção injustificada por mais de quatro meses do envio de demonstrativos financeiros, e a não-observância do prazo para início de atividades constante do business plan.
NOVAS REGRAS SOBRE ADMINISTRADORES - A RESOLUÇÃO 3.041
23. - A Resolução n° 3.041, também de 28.11.2002, revogou a Resolução n° 2.645, de 22.9.1999, que regulava as condições para exercício de cargos em órgãos estatutários de instituições financeiras. Dentre as alterações feitas pela nova Resolução, destacamos as seguintes:
Condições para Exercício dos Cargos
: Continuam as mesmas, sendo que a suspensão para o exercício de cargos administrativos em instituições financeiras também passa a ser, em princípio, um impedimento para a eleição (além da inabilitação);Autorização para Acesso a Informações
: Da mesma forma que os controladores e detentores de participação qualificada, também os administradores das instituições deverão permitir que a Secretaria da Receita Federal encaminhe cópias da declaração de rendimentos (apenas para fins da homologação), e permitir o acesso pelo Banco Central a sistemas públicos e privados de cadastro e informações;Capacitação Técnica
: A nova Resolução eliminou a lista descritiva de requisitos mínimos, passando a estabelecer que a capacitação técnica deverá se basear na formação acadêmica, experiência profissional ou outros quesitos, cabendo ao Banco Central avaliar o seu cumprimento;Membros de Conselho de Administração
: As regras sobre capacitação técnica e sobre a eventual necessidade de publicar declaração de propósito quando da eleição, passam a aplicar-se também aos membros de conselhos de administração das instituições.CONCLUSÃO
24. - As novas normas são, em sua maioria, benéficas para a solidez do sistema financeiro, na medida em que exigem um exame mais apurado e qualitativo quando da constituição de uma instituição, na transferência de controle de instituição existente, ou na eleição de administradores. Cabe agora ao Banco Central se aparelhar para aplicar criteriosamente os poderes adicionais que lhe são incumbidos, mantendo a eficiência e a agilidade na revisão dos processos.
25. - Lembramos que a Resolução 3.040 será regulamentada por Circular ainda a ser emitida pelo Banco Central, cuja minuta também deve ser objeto de audiência pública para comentários.
_____________________
1. Atualmente, somente a participação em instituições financeiras ou assemelhadas no exterior necessita da apresentação de um estudo de viabilidade (art. 2o, IV da Resolução nº 2.723/00).
2. Mesmo já sendo controlador, a norma deixa a possibilidade do Banco Central exigir a publicação de Declaração de Propósito (art. 5º, Parágrafo 1º).
3. Equivalente ao percentual para divulgação de participação acionária relevante de companhias abertas, nos termos do art. 12 da Instrução CVM nº 358/02.
4. Artigo 3º da Resolução nº 2.212/95.__________________________
*associados de Pinheiro Neto Advogados, coordenados por José Carlos Junqueira S. Meirelles e Fernando J. Prado Ferreira, integrantes da Área Empresarial.
* Este Memorando foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
© 2002. Direitos Autorais reservados a Pinheiro Neto Advogados.
_________________