A anta triste
Edson Vidigal*
Daí nunca estar satisfeita com o que lhe acontece.
Anda, anda, anda, quando vencendo a preguiça consegue andar, mas de nada adianta. Fora dos latifúndios de suas ancestralidades às vezes engana, outras vezes não engana.
O olhar vago fitando o nada não lhe dissimula a tristeza. Daí querer passar sempre a impressão de alegria. Mas ser resultado do que sobrou na linha de montagem dos outros bichos, isso, só isso, por si só, lhe faz triste, muito triste.
A anta triste não pressentiu, talvez, que na mata atlântica, por onde vagueia por noites, já é um tipo raro, em fase de extinção.
As espécies todas devem ser preservadas porque é dessa contradição, entre as que são do bem e as que fazem o mal, que se realiza o equilíbrio do eco-sistema.
Afinal, sempre a pergunta, como seria o mundo se, contrapondo-se ao bem, não existisse o mal? O bem, para se impor, precisa do mal, porque só assim é possível raiarem as diferenças.
Acho que foi Nietzsche quem andou falando que não se vive o presente porque este exercício de viver tem a lhe impulsionar sempre a história, os registros do passado.
Talvez seja por isso que alguns, quando se lembram da anta triste, esbocem algum saudosismo, um misto de pena, coitadinha, é um animal em fase de extinção. E ela, porque é irracional, é claro, ela nem, nem...
Ora, estou falando de anta, animal mamífero, e ponha mamífero nisso. Quer saber se uma anta é jovem ou se já está coroa?
A anta jovem tem o pêlo curto e coberto de manchas brancas, lembrando uma zebra, mas só de longe se parece com uma zebra. Quanta frustração.
Anda com o pescoço meio pendendo para a esquerda, mas nem sabe, é claro, o que vem a ser isso.
Já a anta quando começa a ficar velha perde esse charme de zebra e quando pende o pescoço para o lado esquerdo fica é ridícula.
A anta tem a expressão corporal de um suíno, os pés iguais aos do rinoceronte, cascos de boi e o focinho não lembra uma pequena tromba de elefante?
Deve ser muito frustrante não lhe ser possível, enquanto anta, roer unhas. Quem é maluco de confiar àqueles dentes que nem de égua os seus dedos, as suas unhas?
Fiquei sabendo, pela enciclopédia dos bichos, que para comer a anta prefere os frutos, folhas, brotos, pequenos ramos, grama, plantas aquáticas, cascas de árvores, organismos aquáticos, e que gostam de pastar sobre plantações de cana, melão, cacau, arroz e milho.
Quando amanhece, ela se esconde e dorme. Mesmo estando com uma ou outra companhia, a anta é solitária. Adora se espalhar na lama para depois querer se limpar na água limpa dos outros.
A anta se comunica com o mundo emitindo sons como guincho, o estalido ou o bufo. É uma grande bufona, dir-se-ia.
Quando quer fugir de onde está para o caminho de volta à sua ancestralidade até galopa derrubando arvoredos, podendo escalar lugares íngremes, mas se é dia, se esconde na água que encontrar.
E lá vai ela, outra vez, lá vai ela, mal se aguentando nas pernas, de volta aos seus latifúndios ancestrais. Mas, o que fazer se é nessas penumbras que ela se sente a tal, mais confiante e a mais segura?
O maior predador da anta? Só pode ser o voto livre do eleitor livre e consciente.
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*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA
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