A lei e a ordem no Brasil
Luís Augusto Sanzo Brodt*
A Constituição Federal de 1988 , fruto de uma Assembléia Constituinte democraticamente eleita, diferentemente de outras leis fundamentais que já vigoraram entre nós, deve ser reconhecida como verdadeiro pacto social escrito. Na linha de pensamento que remonta a John Locke, em seu "Segundo Tratado sobre o Governo Civil" metaforicamente podemos dizer, que com o pacto constituinte, o povo brasileiro livremente assentiu em constituir o Estado Federal, com a finalidade de assegurar todas as liberdades de que usufruía em plenitude no primitivo estado da natureza. O ente que surge a partir de tais pressupostos, nasce previamente condicionado e sujeito a uma série de compromissos. Diferentemente do que acontecia na pioneira concepção de pacto social elaborada por Hobbes, onde o soberano não se sujeitava a qualquer espécie de amarras, estava tão livre quanto quem levita, daí a apropriada alcunha "Estado Leviatã".
O modelo de Estado consagrado em nossa Constituição Federal é o Estado Democrático de Direito. Tal concepção pretende-se superar tanto o modelo de Estado liberal quanto o Estado social de Direito. Não se pretende apenas a garantia da não interferência do Estado no âmbito das liberdades individuais, como a liberdade ambulatória, de consciência, do exercício da propriedade... mas também exige-se ações afirmativas do Estado no sentido de promover a satisfação do acesso universal à saúde, à educação, à segurança etc... Tudo isso, no âmbito da legalidade, por meio de novos e antigos institutos jurídicos, verdadeiros instrumentos de exercício da cidadania.
Nesse contexto, toda lei penal e a atuação de todos os operadores do direito, por imposição constitucional, há que se adequar à concepção garantista do Direito. Todos os órgãos do Estado (administração, Ministério Público, juízes e legisladores) estão cingidos à garantia e ao respeito aos direitos fundamentais, mesmo o legislador penal pode determinar a supressão dos direitos fundamentais e a restrição aos mesmos somente será admissível quando feita dentro dos parâmetros previstos no texto constitucional. Infelizmente, nem todos têm essa consciência e, por isso, subvertem os comandos do regime democrático, assemelham-se a melancólicos fantoches do autoritarismo.
O garantismo que não é apenas uma determinada concepção do Direito Penal, mas do próprio Estado, pressupõe a aceitação de duas premissas básicas: a intervenção penal deve ser sempre mínima, ou seja, subsidiária, somente admissível quando todas as outras formas de controle social tiverem se revelado insuficientes. Há um núcleo essencial nos direitos fundamentais, cuja restrição não pode ser objeto de deliberação. Não se poderia, por exemplo, compactuar com penas como a escravidão, açoites corporais e com a tortura como meio de obtenção de provas, ainda que nesse sentido se pronunciasse a maioria eventual, ou mesmo a unanimidade de uma assembléia de representantes ou o próprio povo chamado a opinar diretamente.
O Brasil, nos últimos vinte anos, vem consolidando suas instituições democráticas, as turbulências políticas são superadas sem que pairem ameaças reais de novas quarteladas ou qualquer outro retrocesso. A prosperidade econômica foi retomada e gradativamente vai-se resgatando nossa imensa dívida social. É desejável que nesse contexto, aprofundem-se também na vida política e jurídica as diretrizes traçadas pelos princípios constitucionais. Ainda estamos incipientes nesse esforço, mas há que se lutar pela sua consolidação.
A lei e a ordem no Brasil estão sujeitas ao primado da Constituição Federal.
O garantismo, conformado a nossa realidade, obediente à imposição constitucional, um garantismo à brasileira, esse o objetivo a ser perseguido.
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*Professor adjunto de Direito Penal da Faculdade de Direito da UFMG