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ADIn contra Lei do Petróleo e legitimação ativa dos governadores

Com o advento da atual Constituição da República, ex vi dos incisos de seu art.103, ampliou-se significativamente o rol de legitimados ativos para o aforamento da ação direta de inconstitucionalidade, pondo-se termo ao monopólio de propositura pelo Procurador-Geral da República.

4/11/2004


ADIn contra Lei do Petróleo e Legitimação Ativa dos Governadores


Melina Breckenfeld Reck*

Com o advento da atual Constituição da República, ex vi dos incisos de seu art.103, ampliou-se significativamente o rol de legitimados ativos para o aforamento da ação direta de inconstitucionalidade, pondo-se termo ao monopólio de propositura pelo Procurador-Geral da República.

Entretanto, gradativamente, consolidou-se, no Excelso Pretório, entendimento que distingue os legitimados ativos em duas espécies: (i) os legitimados universais ou com legitimação geral (Presidente da República, Procurador-Geral da República as Mesas das Casas do Congresso Nacional, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e partido político com representação no Congresso Nacional) (ii) legitimados especiais ou com legitimação específica (Governador de Estado, a Mesa da Assembléia Legislativa e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional).

Aos legitimados universais incumbiria, por força de suas atribuições institucionais, a preservação, a defesa da Constituição em qualquer hipótese; ao passo que os legitimados especiais somente teriam suas ações diretas admitidas se, no caso dos Governadores e Mesas das Assembléias Estaduais, a lei impugnada disser respeito, de algum modo, às respectivas unidades federada, e se, no caso de confederações sindicais e entidades de classe, a norma violar os interesses dos respectivos filiados ou associados.

Vale dizer, apenas aos detentores de legitimação específica exigir-se-ia a demonstração do interesse, isto é, da pertinência temática, da relação de pertinência entre o ato impugnado e as funções exercitadas pelo ente federativo ou entidade de classe e a adequação da causa às finalidades estatutárias.

Em relação à legitimação ativa dos Governadores, o Ministro Sepúlveda Pertence, em voto proferido em análise da liminar pleiteada na ADI nº 2396-9/MS, ressaltou que, tratando-se de preliminar questionando a legitimação do Chefe do Poder Executivo Estadual e estando em discussão uma repartição de competência entre a União e os Estados, qualquer Governador de Estado é legitimado para discutir a questão, seja porque reflete, negativamente, sobre os poderes da unidade federada que governa, seja porque entende de defender, nesse ponto, a postura do seu Estado.

Em sede doutrinária, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes preconiza, a respeito da exigência de demonstração pelo Governador de Estado da existência de pertinência temática, que “a falta de autorização constitucional para que o legislador estabeleça outras limitações ao direito de propositura suscita dúvida sobre a correção do entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal” (MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional, 3ª ed, São Paulo, Saraiva, 1999. p.137); bem como leciona que “pareceria mais ortodoxo, pois, tendo em vista a natureza objetiva do processo de controle abstrato de normas, que, na espécie, fosse admitida a ação direta independentemente de qualquer juízo sobre a configuração ou não de uma relação de pertinência” (id)

A par desse voto do Ministro Sepúlveda proferido em setembro de 2001 e desse entendimento exarado pelo Ministro Gilmar, o Egrégio STF, por ocasião do recente julgamento da ADI 3273 (contra a Lei do Petróleo), proposta pelo Governador do Estado do Paraná, Roberto Requião, rejeitou, por unanimidade, preliminar de ilegitimidade ativa do Governador.

Na exordial da Ação Direta, o Governador do Paraná arrimou sua legitimidade no fato de que incumbe ao Estado, como ente federativo, zelar não só pela guarda da Constituição, mas também pela conservação do patrimônio pública da República Federativa do Brasil.

O relator da ADI 3273, Ministro Carlos Ayres Brito, em seu voto, reconhece a legitimidade ativa do Governador, ressaltando que cabe ao Estado-membro zelar pela guarda da Constituição e conservar o patrimônio público:

“tenho por existente o pressuposto da pertinência temática, dado que o subscrevente desta ação é agente estatal que, sobre figurar expressamente no rol dos habilitados para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade (inciso V do art.103 da CF), está a defender a integridade de um tipo de patrimônio público (jazidas de petróleo e gás natural) verdadeiramente condicionante do bem-estar de todo a população brasileira (a do Paraná incluída, por evidente), assim como do desenvolvimento e da soberania nacionais. Mais ainda, constata-se que se inscreve na competência dos Estados a exploração dos serviços locais de gás canalizado, diretamente, ou mediante concessão, na forma da lei (§2º do art.25 da CF), sem falar que: a) esse típico tributo estadual que é o ICMS tem potencialidade para incidir sobre ‘(...) derivados do petróleo, combustíveis e minerais do País’ (§3º do art.155 da mesma Constituição-cidadã); b) uma das bacias sedimentares licitadas, precisamente a Bacia de Santos, confina com o litoral do Estado do Paraná e bem pode ocorrer que um mesmo veio ou jazida por descobrir venha a se localizar em área de interpenetração geográfica. O que termina por carrear para este processo objetivo de controle de constitucionalidade um ingrediente de específica habilitação processual ativa. E se digo ‘específica habilitação processual ativa’, é porque, genericamente, já se sabe competir a todo Estado-membro ‘zelar pela guarda da Constituição (...) e conservar o patrimônio público’(inciso I do art.23 da Lex Maxima).

Embora o mérito da medida cautelar dessa ADIn ainda não tenha sido julgado, eis que o Ministro Marco Aurélio pediu vistas dos autos, em relação a preliminar, já foi proferido julgamento, no qual, subscrevendo voto do relator, rejeitou-se, por unanimidade, a preliminar de ilegitimidade ativa do Governador do Estado do Paraná.

Destarte, vislumbra-se, com a nova composição da Excelsa Corte e com essa recente decisão, a possibilidade de uma mitigação da exigência da relação de pertinência em relação à legitimidade ativa dos Governadores de Estado, quiçá com esteio no fato de, como ente federativo, incumbir também aos Estados zelar pela guarda da Constituição e pela conservação do patrimônio público.
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* Advogada do escritório Clèmerson Merlin Clève - Advogados Associados









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