O poder dos credores na recuperação judicial do devedor
Jorge Lobo*
Época houve, de triste memória, rotulada de a "Era da Indústria da Concordata", em que o devedor se locupletava às custas dos credores, pois pagava suas dívidas sem correção monetária muitos anos após o vencimento, enquanto os credores empobreciam sem nada poder fazer, eis que a concordata preventiva era um "favor legal", concedido, por norma jurídica cogente, ao devedor em mora, que a lei "supunha" probo e de boa-fé, fato raramente comprovado ao final do processo.
A Lei de Falências e Recuperação de Empresas – RFRE (Lei nº 11.101, de 9.2.2005 - clique aqui) mudou radicalmente a situação dos credores na recuperação judicial do devedor, eis que é certo, absolutamente indiscutível, que hoje os credores são os protagonistas do novel instituto e a assembléia geral de credores o órgão soberano e supremo do processo de reerguimento da empresa insolvente, como demonstrei no livro "Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência", coordenado pelos Profs. Paulo Salles de Toledo e Carlos Henrique Abrão, editora Saraiva, 3ª edição, páginas 119 a 202. (Clique aqui e participe do sorteio da obra).
Agora, o devedor não "sai do buraco" se não obtiver a concordância expressa ou tácita dos credores, que se reúnem em assembléia geral para examinar, discutir, propor modificações ao "plano de recuperação" apresentado pelo devedor e, ao final, votar, aprovando-o ou rejeitando-o, após acurada "ponderação dos valores, princípios e fins" do sistema brasileiro de reestruturação da empresa em crise, minuciosa análise dos autos do processo judicial e escorreito estudo da demonstração da viabilidade econômico-financeira do "plano", e, em especial, das propostas de reestruturação do poder de controle, financeira, econômica, administrativa e societária.
Por isso, tenho afirmado que a LFRE, ao disciplinar o instituto da recuperação do empresário e da sociedade empresária produtora ou distribuidora de bens ou de serviços e inserir o país no movimento universal de discussão e aplicação do "Direito da Crise Econômica da Empresa", o faz com espírito inovador.
Ademais, ao estabelecer, como objeto da recuperação judicial, o saneamento "da situação de crise econômica-financeira da empresa", e, como fins, na esteira do sistema escandinavo, garantir "a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores", dá um passo à frente em relação ao direito francês – de longe o melhor que se conhece, muito superior ao americano e alemão -, que busca a preservação apenas da empresa e do emprego, preocupando-se, tão só, como o "levantamento do passivo", pondo em segundo plano o pagamento aos credores, o que é nefasto, como demonstra a experiência, pois a salvação da empresa em dificuldades financeiras depende, primordialmente, dos credores.
Por derradeiro, observe-se — e isto é fundamental para o funcionamento eficaz da assembléia geral de credores —, ao adotar o sistema de dupla maioria, quanto aos credores com garantia real, quirografários, com privilégio geral, com privilégio especial e subordinados, e o voto por cabeça, quanto aos credores trabalhistas e por acidentes de trabalho, nas decisões sobre o plano de recuperação, a LFRE visa estimular o comparecimento dos credores à assembléia geral, a sua efetiva participação no conclave, qualquer que seja o valor dos seus créditos, ainda que diminutos, e o exercício consciente e responsável do poder, que hoje possuem, e do qual não podem nem devem declinar, sob pena de incorrerem em inescusável omissão.
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*Advogado do escritório Jorge Lobo Advogados
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