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O laudo arbitral estrangeiro e sua homologação no STJ

Na homologação, o STJ é chamado a confirmar o laudo arbitral estrangeiro ou a sentença estrangeira proferidos em outro País, para que surtam efeito no território nacional. Não se trata de homologar a existência e a validade das decisões, mas a importação de eficácia delas.

13/2/2009


O laudo arbitral estrangeiro e sua homologação no STJ

Fábio de Possídio Egashira*

Na homologação, o STJ é chamado a confirmar o laudo arbitral estrangeiro ou a sentença estrangeira proferidos em outro País, para que surtam efeito no território nacional1. Não se trata de homologar a existência e a validade das decisões, mas a importação2 de eficácia delas.

Se eventualmente houver algum vício no procedimento de homologação, permite-se sanar a irregularidade de forma a atingir o objetivo almejado no STJ. Se o requerente não promover as diligências cabíveis no prazo assinalado, isso implicará na extinção do procedimento3. A decisão que deixa de homologar o laudo arbitral não impede o requerente de instalar um novo pedido de homologação com a documentação exigida4.

A Lei de Arbitragem (clique aqui) resguarda o princípio da homologabilidade do laudo , uma vez que somente nega a homologação quando (i) as partes na convenção de arbitragem forem incapazes; (ii) a convenção de arbitragem não for válida segunda a lei que as partes se submeteram ou, na falta de indicação, em virtude da lei do País em que a sentença arbitral fora proferida; (iii) não houver a notificação da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou violar o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa; (iv) a instituição de arbitragem não ocorrer de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória; (v) a sentença arbitral for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não for possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem; (vi) a sentença arbitral não se tiver ainda tornado obrigatória para as partes, tiver sido anulada, ou tiver ainda sido suspensa por órgão judicial do País em que a sentença arbitral for prolatada; (vii) segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não for suscetível de ser resolvido por arbitragem; e (vii) a decisão arbitral ofender a ordem pública nacional .

Como o tema é amplo, adiante mencionaremos apenas alguns posicionamentos do STJ sobre matérias específicas ligadas à homologação de laudo arbitral estrangeiro.

O controle judicial da homologação da sentença arbitral estrangeira está limitado aos aspectos apontados na Lei de Arbitragem. As disposições desta Lei descrevem um campo mais amplo de situações jurídicas que podem ser apresentadas na contestação da homologação de laudo arbitral, em relação àquelas estabelecidas no artigo 221 do RISTF (clique aqui) para homologação de sentenças estrangeiras, porém isso não permite a análise do mérito da relação de direito material ligada à sentença arbitral objeto da homologação.

O STJ limitar-se-á a analisar os requisitos regimentais e formais para a homologação do laudo arbitral . Portanto, na defesa apresentada no procedimento de homologação de laudo arbitral estrangeiro, é vedado discutir matérias ligadas ao mérito da arbitragem, exceto se houver afronta à ordem pública, à soberania nacional e aos bons costumes.

A jurisprudência consolidada no STF inclinava-se no sentido de que a homologação de sentença estrangeira necessitava de prova insofismável de citação da parte requerida, mediante carta rogatória, seja no território em que a decisão fora proferida no exterior, seja no Brasil, conforme determina o artigo 217, inciso II, do RISTF. Há decisões do STJ no mesmo sentido .

Vale, porém, observar que a Lei de Arbitragem assevera que não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se ainda a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa. Essa posição mais arejada já vem sendo adotada pelo STJ .

Para efeito de homologação, não se reconhece como violação ao contraditório e à ampla defesa se a parte requerida aderiu livremente aos contratos que estampavam expressamente a cláusula compromissória e que teve amplo conhecimento do procedimento arbitral, inclusive apresentando defesa .

Deve, sim, restar inequívoca a manifestação de vontade da parte em instituir a arbitragem, sob pena de ofender a ordem pública, porquanto a inexistência de declaração de vontade afronta princípio previsto no ordenamento jurídico que exige a aceitação expressa das partes de se submeterrem à arbitragem . Entretanto, mesmo não havendo contrato assinado elegendo a arbitragem para a solução da controvérsia e constatando que a parte requerida (no procedimento de homologação) se defendeu no Juízo arbitral sem impugnar a existência da cláusula compromissória, é possível a homologação da sentença arbitral estrangeira .

A autenticação consular referida no artigo 5º, inciso IV, da Resolução nº 9/2005 (clique aqui) do STJ, interpreta-se de acordo com as Normas do Serviço Consular e Jurídico do Ministério das Relações Exteriores, as quais estabelecem que o ato de fé pública, representativo da autenticação consular oficial de documentos produzidos no exterior, é denominado genericamente de "legalização" e se opera (i) mediante o reconhecimento da assinatura da autoridade expedidora (que desempenha funções no âmbito da jurisdição consular), quando o documento a ser legalizado estiver assinado, ou (ii) mediante autenticação em sentido estrito, relativamente a documentos não assinados ou em que conste assinatura impressa ou selos secos .

As disposições da Lei nº 9.307/96 têm incidência imediata nos contratos avençados anteriormente à vigência da Lei de Arbitragem, se em tais pactos estiver inserida a cláusula arbitral .

A existência de ação de nulidade do laudo arbitral estrangeiro em trâmite nos tribunais pátrios não constitui impedimento à homologação, não violando a soberania nacional, hipótese que exigiria a existência de decisão pátria relativa às mesmas questões resolvidas pelo Juízo arbitral. O inciso II do §2º do artigo 33 da Lei de Arbitragem dispõe que a sentença que julgar procedente o pedido de declaração de nulidade da decisão arbitral determinará que o árbitro ou tribunal arbitral profira novo laudo, o que significa a proibição de o juiz proferir sentença em substituição à decisão decorrente do âmbito arbitral. Esse, portanto, foi o argumento utilizado para prevalecer a tese de que não haveria possibilidade de decisões conflitantes, abrindo caminho para a homologação do laudo arbitral.

A empresa que incorpora a outra originariamente contratante, tendo aquela participado da arbitragem, assume todos os direitos e obrigações da incorporada, inclusive a cláusula arbitral pactuada no contrato travado anteriormente . Houve, de outra parte, situação no STJ em que a sentença homologanda não fez menção específica à requerente como parte ou interessada na discussão arbitral, o que redundou na extinção do procedimento de homologação por ilegitimidade ativa da requerente, justificando que seria imprescindível a análise do contrato de cessão avençado entre esta e a empresa vencedora no processo arbitral, análise essa vedada em sede de homologação de sentença estrangeira .

Em linhas gerais, essas são algumas posições do STJ sobre o tema tratado neste artigo, as quais podem servir de parâmetro para o estudo mais aprofundado das questões aqui lançadas.

___________________

1A Reforma Judiciária de 2004, realizada por meio da Emenda nº 45, transferiu a competência da homologação de sentenças estrangeiras para o STJ – art. 105, I, i, da CF. Até a edição de normas regimentais pelo STJ, a matéria permanece regulada pelos arts. 215 a 224 do RISTF e pela Resolução nº 9/2005 do STJ, além da Lei nº 9.30796, arts. 34 a 40 e, subsidiariamente, os arts. 483 e 484 do CPC, no caso de laudo arbitral estrangeiro.

2"importação de eficácia" é uma expressão utilizada por Antônio Cláudio da Costa Machado – Código de Processo Civil interpretado. 6ª edição rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2007, p. 578.

3Art. 219 do RISTF.

4Art. 40 da Lei nº 9.307/1996

5Arts. 36, 37, 38 e 39 da Lei nº 9.307/1996.

6Art. 17 da LICC; art. 6º da Resolução nº 9/2005 do STJ; art. 216 do RISTF.

7SEC nº 2052/DE; SEC nº 1210/GB

8SEC nº 6.729; SEC nº 6.304; SEC nº 7.394-4; SEC nº 6.729-4; SEC nº 7.696.

9SEC nº 879/US; SEC nº 842/US, SEC nº 473/EX, SEC nº 867/EX, SEC nº 833/US, art. 15, b, da LICC, art. 217, II, do RISTF.

10Parágrafo único do artigo 39.

11SEC nº 874/CH.

12SEC nº 507/GB.

13SEC nº 967/GB; SEC nº 866/GB; SEC nº 978/GB.

14SEC nº 856/GB.

15SEC nº 587/CH.

16SEC nº 349/JP.

17SEC nº 611/US.

18SEC nº 831/FR; SEC 894/UY.

19SEC nº 968/CH.


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* Advogado do escritório Trigueiro Fontes Advogados









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