O magro, o gordo e a Lei
Eudes Quintino de Oliveira Junior*
O padrão de beleza evolui com os critérios da própria humanidade. Cada época adota seu modelo. Atualmente, pelas exigências da indústria da moda, as modelos devem apresentar um corpo cada vez mais magro, ingressando no transtorno psicológico da anorexia. É a beleza presente, já fugidia no corpo esquálido, recomendando a morte do jovem, que seria o mais amado pelos deuses, segundo os gregos, ou ainda, de acordo com o pensamento de Albert Camus1, uma escravidão espontaneamente aceita.
Para evitar que adolescentes se entusiasmem com o padrão imposto, tramita pelo Senado Federal um projeto de lei do Senador Gerson Camata (PMDB-ES), que proíbe o desfile e propaganda em anúncios de modelos muito magras. O conceito de magreza terá como base o índice de massa corporal - IMC ideal a 18, mínimo considerado saudável pela Organização Mundial de Saúde. Para se chegar ao peso permitido, basta pegar a altura e multiplicar por ela mesma. Em seguida, divida o peso pelo resultado da primeira operação. Alguns médicos e estilistas manifestaram-se contrariamente à proposta legislativa e argumentaram que Gisele Bündchen estaria proibida de trabalhar e se apresentar no Brasil, pois seu IMC é um pouco maior do que 17.
O projeto carrega virtude, mas também atrela uma inconstitucionalidade, consistente na ofensa ao princípio da isonomia, pois considera desiguais pessoas portadoras de IMC abaixo do referendado. O óbice afeta a garantia de exercer o trabalho, que será proibitivo para tais pessoas. Critério injusto, com tratamento desigual.
A saúde pública, como fator preponderante, principalmente a da juventude, deve nortear a ação governamental. A preocupação com a aparência física é louvável, mas a modelagem do corpo para se adaptar à ditadura da moda, com o jejum obrigatório e a consequente utilização de remédios para emagrecimento, transforma jovens saudáveis em belezas esqueléticas, numa visão holocáustica, como árvore seca no coração de um deserto, descrito por Elie Wiesel2. Somam-se já no país vários casos de morte por anorexia. A imagem do corpo, a intromissão estatal nesta intimidade particular, são situações que justificam um posicionamento governamental, em ação preventiva, impedindo a jovem de agredir a si própria e provocar sua morte. O padrão de beleza desloca-se das agências da moda e meios de comunicação e ingressa no limite ético determinado pelo bem estar físico e mental, nos parâmetros de respeito à dignidade humana, um dos fundamentos de nossa Constituição (clique aqui).
Por incrível que pareça, o Estado passa a ditar o conceito de beleza e ingressa na esfera do Welfare State3, que reúne, dentre seus objetivos sociais, segundo o pensamento de Adam Smith4, o da proteção da saúde do cidadão. Quer dizer que, desde o nascimento até a morte, todo indivíduo tem direitos a um conjunto de serviços na área da saúde, desde que obedeça rigorosamente a regulamentação estatal. Cria-se, desta forma, para o Estado-providência, uma outra proteção e agora relacionada com o fantasma da obesidade que ronda os adolescentes do país. Estudos da Organização Mundial de Saúde, que elegeu a obesidade como a doença do século XXI, revelam que 30% da população mundial sofre com sobrepeso e obesidade e que um adolescente nestas condições tem mais de 70% de chance de se tornar um adulto obeso. E este mesmo órgão, que definiu o anoréxico como o portador do IMC igual ou inferior a 18, classificou o obeso como o portador do IMC igual ou maior a 30.
Da mesma forma que a anorexia, o excesso de peso provoca problemas graves para a saúde, pois, a exemplo do que acontece nos EUA, país que lidera o ranking do tecido adiposo, os jovens brasileiros se alimentam de produtos ricos em gordura e carboidrato, que ficam alojados no organismo. O crescimento desordenado da população obesa atinge graus de morbidade e passa a ser um problema de saúde pública, que deve acudir as doenças decorrentes da obesidade mórbida, tais como: cardiovasculares, diabetes, câncer, hepatite, apneia do sono, estresse e outras.
Na realidade, exige-se a mobilização nos dois pólos, buscando o peso ideal, virtus in medio, como preconizado por Aristóteles5. A alimentação não deve ser racionada ao extremo e nem ingerida em excesso, sem critérios. O corpo humano é um complexo que busca o equilíbrio saudável. Juvenal6, na antiga Roma, já alardeava: mens sana in corpore sano. Se há um projeto para combater a anorexia, a luta deve buscar a penalização das agências que estabelecem critérios que contrariam regras mínimas de saúde da coletividade. A punição deve incidir sobre a causa e não sobre o efeito. A Câmara dos Deputados da França aprovou, recentemente, projeto de lei que pune os responsáveis por sítios de propaganda que apoiam a anorexia, incitando o excesso de magreza entre os jovens. Postura legislativa que ganhou aplausos da comunidade europeia. Na mesma linha de pensamento, há necessidade de intervenção legislativa para orientar e conter o ganho de peso dos obesos, com políticas claras de nutrição saudável e até mesmo do acesso mais frequente à cirurgia bariátrica, mais conhecida como de redução de estômago. A estética não pode sobrepujar a ética. O belo não pode contrariar o saudável. A poesia e a música não podem ficar sem suas musas inspiradoras.
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1lbert Camus, <_st13a_verbetes w:st="on">escritor e filósofo do absurdismo, nascido na Argélia (1913-1960). O <_st13a_verbetes w:st="on">pensamento referido está na <_st13a_verbetes w:st="on">obra " <_st13a_verbetes w:st="on">Mito de Sísifo" <_st13a_verbetes w:st="on">quando o <_st13a_verbetes w:st="on">autor <_st13a_verbetes w:st="on">trata da <_st13a_verbetes w:st="on">liberdade <_st13a_verbetes w:st="on">absurda.
<_st13a_verbetes w:st="on">2 Judeu nascido na Romênia, <_st13a_verbetes w:st="on">ganhador do <_st23a_dm w:st="on">Prêmio Nobel da <_st13a_verbetes w:st="on">Paz <_st13a_verbetes w:st="on">em 1968, <_st23a_dm w:st="on">pelo <_st13a_verbetes w:st="on">conjunto de <_st13a_verbetes w:st="on">sua <_st13a_verbetes w:st="on">obra. O <_st13a_verbetes w:st="on">pensamento referido está contido no <_st13a_verbetes w:st="on">livro " <_st13a_verbetes w:st="on">Noite".
<_st13a_verbetes w:st="on">3 Organização <_st13a_verbetes w:st="on">política e <_st13a_verbetes w:st="on">social <_st13a_verbetes w:st="on">que coloca o <_st13a_verbetes w:st="on">Estado <_st13a_verbetes w:st="on">como o <_st13a_verbetes w:st="on">agente e <_st23a_dm w:st="on">protetor da <_st13a_verbetes w:st="on">vida <_st13a_verbetes w:st="on">social, <_st13a_verbetes w:st="on">política e <_st13a_verbetes w:st="on">econômica do <_st13a_verbetes w:st="on">cidadão. Daí <_st13a_verbetes w:st="on">que vem a <_st13a_verbetes w:st="on">origem da institucionalização do <_st13a_verbetes w:st="on">nosso <_st13a_verbetes w:st="on">Sistema <_st13a_verbetes w:st="on">Único de <_st13a_verbetes w:st="on">Saúde - SUS, <_st13a_verbetes w:st="on">com <_st13a_verbetes w:st="on">consequentes <_st13a_verbetes w:st="on">investimentos <_st13a_verbetes w:st="on">sociais na <_st13a_verbetes w:st="on">área <_st23a_dm w:st="on">para <_st23a_hm w:st="on">corrigir os <_st13a_verbetes w:st="on">efeitos da desigualdade <_st13a_verbetes w:st="on">social.
4 filósofo <_st13a_verbetes w:st="on">social e <_st13a_verbetes w:st="on">economista escocês (1723-1790), considerado o <_st13a_verbetes w:st="on">pai da <_st13a_verbetes w:st="on">economia <_st13a_verbetes w:st="on">moderna, <_st13a_verbetes w:st="on">autor da <_st13a_verbetes w:st="on">famoso <_st13a_verbetes w:st="on">livro "Uma <_st13a_verbetes w:st="on">investigação <_st13a_verbetes w:st="on">sobre a <_st13a_verbetes w:st="on">natureza e a <_st23a_dm w:st="on">causa da <_st23a_dm w:st="on">riqueza das <_st13a_verbetes w:st="on">nações".
5 Aristóteles, <_st13a_verbetes w:st="on">um dos <_st13a_verbetes w:st="on">maiores filósofos <_st13a_verbetes w:st="on">grego (<_st33a_metricconverter w:st="on" productid="384 a">384 a.C. <_st33a_metricconverter w:st="on" productid="322 a">322 a. C.), <_st13a_verbetes w:st="on">aluno de Platão. O <_st13a_verbetes w:st="on">pensamento referido encontra-se na <_st13a_verbetes w:st="on">obra <_st13a_verbetes w:st="on">que escreveu ao <_st13a_verbetes w:st="on">seu <_st13a_verbetes w:st="on">filho "<_st13a_verbetes w:st="on">Ética a Nicômaco".
6 Juvenal, <_st23a_dm w:st="on">poeta <_st13a_verbetes w:st="on">romano, escreve a <_st13a_verbetes w:st="on">Sátira X, <_st13a_verbetes w:st="on">sobre o <_st13a_verbetes w:st="on">que as <_st13a_verbetes w:st="on">pessoas deveriam <_st23a_hm w:st="on">desejar da <_st13a_verbetes w:st="on">vida e a <_st13a_verbetes w:st="on">primeira delas é orandum est ut sit mens sana in corpore sano (<_st23a_hdm w:st="on">pedir <_st13a_verbetes w:st="on">em <_st13a_verbetes w:st="on">oração uma <_st13a_verbetes w:st="on">mente sã num <_st13a_verbetes w:st="on">corpo <_st13a_verbetes w:st="on">são).
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*Promotor de Justiça aposentado. Advogado, Reitor da Unorp