A obtenção da assistência judiciária gratuita
Charlene Dela Líbera Duarte*
Vítor Chaves Siqueira Duarte*
A assistência gratuita esta prevista no artigo 4º da Lei nº 1.060/50 (clique aqui), in verbis:
"A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família."(grifo nosso)
Então, se somente a lei, em sentido amplo, pode impor ao indivíduo o fazer ou deixar de fazer alguma coisa, com muito mais ênfase os órgãos e entidades do Estado também se obrigam a tal comando, inclusive os magistrados têm de pautar todas as suas condutas pelo disposto em lei, sob pena de desrespeito ao postulado da legalidade.
A submissão de todos (indivíduos e, principalmente, o Estado) ao comando da lei é uma decorrência lógica dos princípios democrático e republicano adotados pela Constituição vigente, que, entre outras características, outorgam ao povo, por meio dos representantes eleitos, o poder de criar as regras jurídicas do Estado.
Há um consenso na jurisprudência pátria de que a simples declaração do postulante a obtenção da assistência já é o suficiente para o seu deferimento pelo magistrado, como pode se observar no posicionamento do STJ, in verbis:
"Processual civil - Agravo de instrumento - Assistência judiciária gratuita - Alegada necessidade de comprovação da hipossuficiência - Requisito não exigido pela Lei nº 1.060/50.
- Nos termos do art. 4º da Lei nº 1.060/50, a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.
- A concessão da gratuidade da justiça, de acordo com entendimento pacífico desta Corte, pode ser reconhecida em qualquer fase do processo, sendo suficiente a mera afirmação do estado de hipossuficiência.
- Recurso especial conhecido e provido (STJ - REsp 400791/SP; Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS; 7ª T.; Data do Julg.: 2/2/2006; Data da Publ./Fonte: DJ 3/5/2006, p. 179)." (grifo nosso)
Porém, data vênia, este entendimento não deve prevalecer, tendo em vista a mudança introduzida em nosso ordenamento pela Constituição vigente, em seu artigo 5º, inciso LXXIV, in verbis:
"O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos."
É notório que a Carta Magna, sobrepõe-se à legislação específica, estabelecendo como requisito básico e indispensável para a concessão do benefício à comprovação do estado de hipossuficiência do Demandante.
Ademais, a concessão do benefício traz várias implicações no curso do processo, sendo que o seu deferimento sem qualquer critério pode acarretar prejuízos primeiramente ao Poder Judiciário, devido a diminuição da arrecadação, pois deve-se lembrar que as custas processuais contribuem para o custeio do Poder Judicante.
Além dessa implicação, que pelas dificuldades visíveis do Judiciário no que tange a carência de recursos disponíveis para investimentos se torna cada vez mais relevante, existem outras, que serão tratadas a seguir.
O deferimento sem critérios da assistência gratuita pode induzir a alta taxa de litigiosidade verificada em nosso país, que atrapalha o funcionamento adequado do Poder Judiciário. Outra implicação trazida por este instituto é a diminuição dos honorários auferidos pelos advogados, que gera um efeito danoso à nobre profissão, além de trazer prejuízo à parte vencedora da ação, explico: o advogado cobra para que seu trabalho seja desempenhado a contento, assim, se a parte sucumbente não arcar com esses custos, a parte vencedora terá de faze-lo.
Neste diapasão, verifica-se que a exigência de tão-somente uma simples declaração pleiteando a concessão do benefício em questão torna-se perigoso em determinados aspectos, já abordados. Deve-se destacar que o acesso à justiça é um direito amplamente garantido pela Constituição, à qual deve se estar atento, em razão do poder e dever do Estado em prestar aos interessados a tutela jurisdicional, em especial àqueles desprovidos de renda. Entretanto, não deve deixar de lado que existem casos em que faz necessária a comprovação do estado de insuficiência financeira de quem dela precisa, a fim de evitar a má distribuição da prestação jurisdicional.
Assim, de acordo com os doutrinadores Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, na obra "Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante, 7ª Edição, 2003, Editora RT, pág. 1459:
"Havendo dúvida fundada quanto à veracidade da alegação, pode ser exigida do interessado prova da condição por ele declarada. Persistindo dúvida quanto à condição de necessitado do interessado, deve decidir-se a seu favor, em homenagem aos princípios constitucionais do acesso à Justiça - CF 5º XXXV - e da assistência jurídica integral - CF 5º LXXIV."
Vale ressaltar que a falta de comprovação da necessidade da assistência pleiteada ocasiona seu indeferimento, conforme acertado entendimento do Tribunal de Justiça de Goiás:
"Agravo de Instrumento. Assistência Judiciária. Indeferimento. Necessidade de comprovação do estado de hipossuficiência. Confirma-se a decisão que indefere o benefício da assistência judiciária gratuita, quando, verificada a ausência de comprovação do estado de pobreza, ou não restar demonstrado ser a parte carente de recursos financeiros. Inteligência do inciso LXXIV, do Art. 5, da Constituição Federal. Recurso conhecido e improvido. (TJ/GO, Agravo de Instrumento 50360-1/180, Relator Des. Carlos Escher, 4ª Câmara Cível, 29/6/2006)".
O magistrado, quando determinar que a parte traga comprovação de sua capacidade financeira, deve analisar, por exemplo, a natureza da ação pleiteada, a profissão do autor ou outra, que permitam analisar a capacidade financeira da parte para custear as despesas do processo.
Os doutrinadores citados são conclusivos ao afirmar, na mesma obra, que:
"A declaração pura e simples do interessado, conquanto seja o único entrave burocrático que se exige para liberar o magistrado para decidir em favor do peticionário, não é prova inequívoca daquilo que ele afirma, nem obriga o juiz a se curvar aos seus dizeres se de outras provas e circunstâncias ficar evidenciado que o conceito de pobreza que a parte invoca não é aquele que justifica a concessão do privilégio. Cabe ao magistrado, livremente, fazer juízo de valor acerca do conceito do termo pobreza, deferindo ou não o benefício."(grifo nosso)
O magistrado, ao conceder a assistência judiciária deve ter plena certeza da necessidade do interessado, pois, como já abortado, isto traz prejuízo a atuação dos advogados, à parte vencedora da ação e também ao Estado. Assim, os recursos arrecadados com as despesas judiciárias que a parte deve suportar têm muita importância para esse Poder. Muito se tem criticado o valor estabelecido para essas taxas, o quanto elas oneram a sociedade, que por vezes se encontra na situação em que é mais viável ver seu direito violado a ingressar com um ação que vai custar caro e demorará muito a ter uma solução definitiva.
Nem é preciso mencionar que as procuradorias e defensorias públicas, esta última nos Estados em que já foram criadas, estão em situação difícil devido ao acúmulo de processos e falta de recursos.
Diante desse quadro, não pode chegar a outra conclusão senão a que pugna pela fiscalização apurada pelo magistrado dirigente do processo, diante da concessão de assistência judiciária. Tal prática inibiria a proliferação de ações que não há necessidade de serem propostas. Atualmente, nossa população tem uma cultura de alta litigiosidade que, aliada com a má índole de alguns - que por vezes tentam enriquecer-se a custas de uma demanda -, atrapalham o funcionamento regular do Judiciário.
Por fim, a utilização de critérios mais rigorosos para a concessão de assistência judiciária, aliada à fiscalização do valor atribuído a causa e a efetiva condenação ao litigante de má-fé são algumas medidas que podem ajudar na árdua missão de tornar o Poder Judiciário mais célere e efetivo.
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*Sócios do escritório Toledo, Duarte & Siqueira Advogados