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Comentários às propostas de modificação do CPC - PL nº 134/04

O PL nº 134/04 dá ao juiz de primeiro grau mais poderes para controlar a qualidade das petições iniciais.

18/10/2004

Comentários às propostas de modificação do CPC - PL nº 134/04
Tiago Cardoso Zapater

Alice Andrade Baptista*


PLS nº 134/04
- Dá ao juiz de primeiro grau mais poderes para controlar a qualidade das petições iniciais. Assim, ele poderia não só ordenar sua emenda ou correção, mas já indeferir a petição inicial ao verificar a improcedência manifesta do pedido, seja a partir de casos idênticos já decididos ou em face da jurisprudência pacífica.

Justificativa: há inúmeras ações repetitivas, em que os advogados apenas substituem o nome da parte em cada petição inicial, apresentando assim centenas de demandas idênticas. Os artigos do CPC a serem modificados são os de nº 267, 269 e 295.

Comentários:

O Projeto procura acrescentar hipótese de indeferimento da petição inicial por inépcia, nos casos de pedido manifestamente improcedente, explicando-se o sentido e alcance do termo como o pedido em contrariedade a “casos idênticos já decididos” ou “em face da jurisprudência pacífica”, o que na prática seria a mesma coisa, pois a forma de se constatar identidade de decisões proferidas é, justamente, pela jurisprudência pacificada.

No que tange ao poder para controlar a qualidade das petições iniciais, determinando a emenda, correção, ou indeferindo nos casos de inépcia, tal poder já existe, e está perfeitamente previsto no artigo 295 do Código de Processo Civil. O mesmo se dá no caso de pedido juridicamente impossível (art. 295, parágrafo único, V), constatação de prescrição, decadência, ou qualquer outra matéria de ordem pública.

A novidade que o Projeto traz é a possibilidade de indeferimento da inicial quando o pedido estiver em contrariedade à jurisprudência dominante, ou seja, assim como o Relator pode negar seguimento a recurso em confronto com entendimento jurisprudencial pacífico (art. 557 do Código de Processo Civil) o juiz poderia também exercer um juízo de admissibilidade mais amplo da ação.

O provimento se aproxima dos efeitos da Súmula Vinculante, criando um juízo prévio de admissibilidade da ação, em semelhança ao que temos hoje no motion practice do direito norte-americano1, em que a lide passa por um questionamento das próprias bases legais do pedido, analisando-se a sua admissibilidade conforme os precedentes judiciais existentes.

As reformas do direito processual vêm buscando cada vez mais a eficácia social da prestação jurisdicional2, com a criação de instrumentos que possam acelerar a velocidade do processo e concretização da decisão no plano fático. O direito de ação implica o direito a uma tutela adequada3, ou seja, justa, eficaz e tempestiva4.

Nesse panorama, o legislador, autor do Projeto, identifica como uma das causas de demora na prestação jurisdicional o acúmulo de ações a sobrecarregar o Judiciário. Assim, supõe-se que, diminuindo o número de demandas, aumentaria a velocidade da prestação jurisdicional.

Como muitas dessas ações tratam de demandas homogêneas5, em que a questão de direito se repete, havendo posicionamento jurisprudencial pacífico da questão em sentido contrário, poderia o juiz indeferir de plano a pretensão do Autor, colaborando, assim, para diminuir a demanda da prestação jurisdicional, colaborando para sua celeridade.

Contudo, é preciso muito cuidado ao se buscar dar eficácia ao direito de ação, para que o foco na tempestividade da tutela jurisdicional não ofusque a primazia de seu maior valor, que é a justiça em si. O direito de ação, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, garante a todos o direito de ter toda e qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito, ao menos, apreciada pelo Poder Judiciário.

Assim o indeferimento da inicial, não por falta de condições ou de pressupostos da ação, mas sim por um julgamento prévio em razão de entendimento superior pacificado, deveria implicar a improcedência da ação, com julgamento de mérito, e não mero indeferimento da inicial.

Se a demanda preenche as condições (legitimidade, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido) e os pressupostos processuais necessários para uma análise de mérito, o que o juiz fará, se implementado o projeto, será antecipar a decisão de mérito do processo, julgando a demanda, e não indeferir a inicial, que não será, de forma alguma, inepta.

O fato de a inicial tratar de matéria homogênea a outras, na qual o advogado pode simplesmente trocar o nome das partes, não implica, de forma alguma, carência da ação e, menos ainda, relaciona-se com a aptidão da inicial.

Portanto, deveria o Projeto falar em julgamento de plano da inicial, e não indeferimento, sob pena de ser inconstitucional por negar apreciação de lesão ou ameaça de lesão a direito.

Todavia, ainda que se aceite a modificação ou se altere o projeto, há que se verificar se realmente tenderá a aliviar a carga do Judiciário ou se irá apenas aumentá-la.

Na experiência norte-americana, como observam Winston P. Nagan e Márcio Santos (íntegra do parágrafo na nota 07), a discussão quanto ao cabimento legal do pedido pode estender-se às últimas instâncias:

“….such motions as armed in this early faze of litigation could be appealed all way to the Supreme Court for a confirmation or refutation of the doctrine permitting the trial courts to proceed in accordance of interlocutory rulings”.

O Projeto, na verdade, criará uma instância prévia de admissibilidade da ação que, facilmente, poderá chegar ao Supremo Tribunal Federal, apenas para se decidir se os precedentes jurisprudenciais autorizam ou não a demanda, portanto, aumentando a carga do judiciário no lugar de diminuí-la.

De cada decisão que indeferir a inicial, caberá um recurso, cujo julgamento poderá chegar ao Supremo Tribunal Federal, já que atinente ao próprio direito de ação previsto na Constituição Federal.

O caminho para as ações homogêneas, parece-nos, está na busca de maior efetividade e celeridade nas ações coletivas, que propiciam tutela adequada para esses interesses. Modificações quanto à litispendência entre ação coletiva e ação individual, bem como alterações procedimentais visando a aumentar a celeridade desses processos, Varas e Câmaras especializadas, teriam certamente um efeito melhor no que tange à racionalização da tutela dos direitos individuais homogêneos.
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1 “Assuming the complaint has been filed, the defendant is permitted to answer the complaint. The defendant’s answer will usually trigger what is called the dynamic of motion practice. The defendant may answer to the merits of the complaint by denying, but the defendant may also challenge the jurisdiction as well as the legal sufficiency of the complaint. Motion practice allows the court to determine whether a claim which may push the boundaries of the law and thus test the limits of a doctrine, or the legal efficacy of a doctrine might be clarified prior to the expense of pre-trial, trial, and post-trial practice. Indeed, such motions as armed in this early faze of litigation could be appealed all way to the Supreme Court for a confirmation or refutation of the doctrine permitting the trial courts to proceed in accordance of interlocutory rulings. Central to the concept of pleading is the policy of access to the courts. In the history of the common law the case would stand or fall on wether the plaintiff chose the proper form of action. Technically this meant, that the pleading should fit into to a conceptual pigeon-hole. This tradition approach assumed that every law suit evolves a single issue of fact and a single issue of law. It will be rarely seen that a law suit became something of a gambling contest in which the possibilities of reaching the merits were often compromised. An important change occurred in England and United States with regarding the system of pleadings. The rules of procedure were changed and in United States in particular new procedural codes were developed which were designed to modernize the initiation of a law suit before the courts. The Field code was one of the most famous of this early codes”. Winston P. Nagan e Marcio Santos, in HISTORY AND BACKGROUND OF AMERICAN COMMON LAW Brazil-USA of Law/Human Rights Seminar (2004).

2 Mauro Capelletti identifica três ondas renovatórias do direito processual, essenciais à passagem do processo civil tradicional - pouco preocupado com a justiça das decisões ou com o escopo jurídico de pacificação social – para o moderno processo civil de resultados: a) assistência jurídica integral e gratuita aos carentes de recursos; b) a aceitação de demandas visando à defesa de direitos difusos e coletivos, antes ignorados; e c) o aperfeiçoamento técnico dos instrumentos processuais para a garantia da eficácia social da prestação jurisdicional. Acesso à Justiça, p. 31 e ss., Porto Alegre: Fabris, 1988. DINAMARCO, Cândido Rangel. p.113.

3 Conforme entende Nelson Nery Jr.: “Não é suficiente o direito à tutela jurisdicional. É preciso que essa tutela seja adequada, sem o que estaria vazio de sentido o princípio”. (Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 7a. ed., p. 100)

4 Conforme vem entendendo moderna doutrina processualista: tutela adequada (evitando-se atos processuais inúteis e dando ênfase ao principio da instrumentalidade das formas), tempestiva (decisão proferida em tempo hábil a satisfazer a pretensão do demandante) e efetiva (socialmente eficaz à produção de justiça e de paz). WataNABE, Kazuo. Acesso à Justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Participação e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1988. p.128.

5 Em regra são ações para pleitear direito individual homogêneo, ou seja, de origem comum, portanto, obrigatoriamente com a mesma causa de pedir e, no mais das vezes, mesmo pedido.
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* Advogados do escritório Azevedo Sette Advogados









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