Comentários às propostas de modificação do CPC - PL nº 133/04
Tiago Cardoso Zapater
Alice Andrade Baptista*
Justificativa: O senador argumentou que uma das causas da morosidade da Justiça é o excesso de recursos, que são apresentados impunemente, com a intenção de atrasar o cumprimento da lei e prejudicar a outra parte. O artigo do CPC a ser modificado é o de nº 293.
Comentários:
O artigo 293 do Código de Processo Civil está inserido no Livro I (Do Processo de Conhecimento), Título VIII (Da Petição Inicial), Seção II (Do Pedido), regulamentando, portanto, os contornos e conteúdo do pedido deduzido em juízo.
A orientação geral é a de que princípio de que o pedido é o projeto da sentença, de modo que, em regra, a sentença não pode dar a mais ou além do quanto pedido pelo Autor (sentença ultra ou extra petita)1.
O art. 293, contudo, reconhece a existência de pedidos implícitos no pleito do Autor, por decorrerem diretamente de lei. Consideram-se pedidos implícitos: os juros legais (CPC 193); juros de mora (CPC 219); correção monetária (L 6899/81); despesas processuais e honorários advocatícios (CPC 20); e prestações periódicas vincendas (CPC 290).
À evidência, o pedido implícito só é possível quando adequado ao pedido explícito, ou seja, no caso dos juros e correção, quando o pedido explícito puder ser traduzido em expressão pecuniária (em regra indenização ou cobrança).
Assim, o efeito do Projeto será acrescentar outros pedidos implícitos ao pleito judicial. É certo que somente será aplicável quando estiver de acordo com o pedido explícito, que há de ser de indenização ou pagamento. Com efeito, não há como se falar em incidência de juros quando a sentença não contiver expressão pecuniária.
A interposição de recursos com o intuito de atrasar o processo é, na verdade, litigância de má-fé2. Assim se o que se pretende é desestimular recursos protelatórios, o que se há de fazer é modificar o art. 17, VII do Código de Processo Civil, a fim de dar-lhe mais eficácia.
O dispositivo ainda é aplicado com parcimônia na prática, uma vez que a jurisprudência tem exigido a demonstração do dolo, da intenção de protelar o processo3. Portanto, o caminho seria buscar adoção de critérios objetivos para responsabilizar o litigante de má-fé ou ampliar os poderes do juiz nesse sentido.
Nesse contexto, há de se apontar que o critério adotado no projeto, para considerar o recurso protelatório, é inconveniente. Dizer que o recorrente deve ser punido: toda vez que, no âmbito do processo civil, não for acolhido4 um recurso contra a sentença de primeiro grau, é, em um único golpe, um desvirtuamento do duplo grau de jurisdição e do livre convencimento do juiz.
O Tribunal pode ter um entendimento diverso do juiz sobre a tese suscitada por uma das partes recorrentes, sem que isso signifique que houve má-fé processual, a justificar uma sanção. O que se busca vedar é o abuso do direito de recorrer e não o recurso em si, que é um direito da parte, independentemente de seu provimento.
Equivaleria a dizer que só existe direito de recurso quando houver o direito subjetivo que o ensejou, seja processual (error in procedendo) ou substancial (error in judicando), o que não é verdade. O direito de ação e, portanto, de recurso (art. 5o, XXXV e LV) é autônomo, implicando o direito de se obter do Estado uma tutela jurisdicional adequada, seja ela procedente ou não.
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1 “O autor é quem delimita a lide, deduzindo o pedido na petição inicial (CPC 128). A sentença deve ser dada de forma congruente com o pedido (CPC 460), não podendo conceder ao autor mais do que ele pediu, nem decidir baixo do que foi pedido, nem fora dos limites do pedido. Ao interpretar o pedido, o juiz deve fazê-lo de forma restritiva.”. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Nery, Código de Processo Civil Comentado, 6a. ed., RT, p. 646
2 Nesse sentido Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery, op cit. p. 304:“O direito de recorrer é constitucionalmente garantido (CF 5º, LV). No entanto, o abuso desse direito não pode ser tolerado pelo sistema. Esta é a razão pela qual é correta e constitucional a previsão do CPC 17 VII. Entendíamos que a interposição de recurso manifestamente infundado já se encontrava prevista no CPC 17 VI, conforme comentário a esse dispositivo, acima. O recurso é manifestamente infundado quando o recorrente tiver a intenção deliberada de retardar o trânsito em julgado da decisão, por espírito procrastinatório. É também manifestamente infundado quando interposto sob fundamento contrário a texto expresso de lei ou a princípio sedimentado da doutrina e jurisprudência.”
3 “A litigância de má-fé reclama convincente demonstração” (STJ, 1a. T., Resp 28715-0-SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira).
4 Conhecido ou Provido? Qualquer que seja, não nos parece razoável, pois, seja no que tange aos quesitos de admissibilidade (conhecimento) ou de mérito (provimento) podemos ter o reflexo da intenção protelatória. A fundamentação falha ou a própria falta de fundamentação é averiguada no mérito do recurso, de modo que entendemos que o Projeto se refere ao recurso não provido pelo Tribunal.
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* Advogados do escritório Azevedo Sette Advogados
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