Responsabilidade civil do transportador
Sérgio Roxo da Fonseca*
A análise das decisões dos nossos tribunais leva o observador à perplexidade no tocante à responsabilidade civil extranegocial. Os nossos tribunais, desde cedo, foram severíssimos em suas decisões proferidas contra as empresas de transporte, condenando-as, quase sempre, ao pagamento dos prejuízos por elas causados a terceiros. Paradoxalmente, o Judiciário sempre resistiu em reconhecer a responsabilidade por dano moral, mesmo contra a opinião autorizada de Clóvis Beviláqua, redator do anteprojeto de Código Civil de 1917. Houve necessidade da positivação do direito, que é civil, pela Constituição de 1988, para que fosse possível o seu reconhecimento forense. No Brasil antigo dizia-se que a condenação ao pagamento do dano moral era imoral.
Houve quem sustentasse que os nossos tribunais, antes da Constituição de 1988, amparavam mais o patrimônio material do que o patrimônio moral, restringindo ao máximo o alcance dos direitos garantidos pelo Código Civil à população mais pobre.
O observador poderia afirmar que, o tribunal, que é severo na responsabilização das empresas transportadoras, tende a reconhecer o direito à indenização por dano moral, até porque, como foi dito, dispositivo neste sentido já estava inserido no Código Civil de 1917. Não foi assim.
Antes do Código Civil de 1916 e do decreto de 1912, que regulou a responsabilidade das ferrovias, os nossos tribunais já se pronunciavam por uma atualizadíssima responsabilidade civil por danos causados a terceiros – transportados ou não. Mas não reconheciam indenização por dano exclusivamente moral, ou seja, pela perda do prazer ou da felicidade.
O fenômeno não é incomum. Às vezes surge com o sinal trocado. Os tribunais norte-americanos ao contrário, desde cedo, reconheceram o direito a indenização por dano moral. E, em sentido contrário, criaram obstáculos à responsabilização dos órgãos administrativos pelos prejuízos causados a terceiros.
No Brasil caminhou-se – ou caminha-se – da responsabilidade pela culpa aquiliana para a teoria do risco. E mais ainda: para a condenação da transportadora a uma indenização vitalícia e à constituição de capital suficiente para garantir o pagamento da pensão – se for o caso – enquanto sobreviver a vítima. É o que se extrai do acórdão originário do Superior Tribunal de Justiça de 15 de junho de 2004, que segue adiante sintetizado.
“O autor encontrava-se no interior do coletivo da empresa de ônibus que trafegava com excesso de lotação. Viajava segurando-se à barra acima da porta, a qual, ao ser aberta, prendeu violentamente sua mão esquerda, o que lhe causou lesões que o afastaram de sua função de copeiro, por aproximadamente três meses. A pensão, no caso, é vitalícia, de tal sorte que a vítima de acidente há de ser pensionada enquanto viver, não se lhe aplicando o limite de idade para a pensão. Quanto à constituição de capital que assegure o pagamento da pensão estabelecida, tal exigência há de ser atendida, diante das incertezas da economia nos dias atuais. Precedentes citados: REsp 58.365-SP, DJ 2/12/1996, e REsp 130.206-PR, DJ 15/12/1997. REsp 280.391-RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 15/6/2004”.
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*Advogado, professor da UNESP e Procurador de Justiça de São Paulo, aposentado
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