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Considerações sobre o funcionamento do SPC como Banco de Dados e sua abrangência nacional

Até a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, em 11/09/90, o Brasil, por mais improvável que possa parecer, não possuía qualquer disciplina legal para os arquivos de consumo.

4/12/2008


Considerações sobre o funcionamento do SPC como Banco de Dados e sua abrangência nacional

Mara Ruth Ferraz Ottoni*

Até a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (clique aqui), em 11/9/90, o Brasil, por mais improvável que possa parecer, não possuía qualquer disciplina legal para os arquivos de consumo.

Diante disse, havia abusos na prestação de informações sobre a indoneidade pessoal e financeira das pessoas, levando à insatisfação e desrespeito aos direitos dos cidadãos e consumidores, como um todo.

Os arquivos de consumo, embora recentes, evoluíram e cresceram rapidamente, tendo hoje o Brasil um imenso número de associações e entidades de proteção ao crédito que, através da alimentação de dados por suas empresas associadas, viabilizam e favorecem a concessão de crédito de forma simples para o fornecedor e também para o próprio consumidor.

Antigamente, ao contrário de hoje, esse processo de concessão de crédito era demorado, moroso e de difícil manuseio, em que o candidato ao crédito precisava preencher minuciosos cadastros, fichas e "cadernetas", não só com seus dados pessoais, mas indicação de locais aonde normalmente fazia compras bem como indicação de amigos, parentes que atestassem ser ele "bom pagador".

Era um trabalho feito, isoladamente, por cada empresa, em que ela coletava aquelas informações, organizava detalhadamente os dados, e quando fosse conceder crédito, teria que fazer uma consulta manual em todas as "fichas" existentes.

Nos anos 50, em Porto Alegre, alguns empresários locais, diante das dificuldades operacionais e insegurança das informações arquivadas, fundaram uma associação sem finalidades lucrativas, denominada Serviço de Proteção ao Crédito - SPC. Em seguida, São Paulo criou também seu SPC e já nos anos 60 era realizado em Belo Horizonte o 1º Seminário Nacional de SPCs.

Atualmente, existem no Brasil inúmeras organizações que operam como Banco de Dados de consumo, que apesar de facilitar a vida dos comerciantes, instituições financeiras bem como dos próprios consumidores, causam imensa confusão quanto ao seu funcionamento.

Em termos gerais, segundo entendimento do público, existem "dois" maiores Bancos de Dados no país: o SERASA e o SPC. Entretanto, conforme será abaixo demonstrado, a situação fática não é bem essa.

Por exemplo, quando um consumidor encontra inexatidão em seus dados cadastrais ou sente-se lesado porque o credor "A" "sujou seu nome" com um registro de inadimplência indevido, busca o Banco de Dados "X" que está divulgando essa informação às empresas crediárias.

Entretanto, às vezes, o Banco de Dados "X", na verdade, não é o "administrador" daquele registro de inadimplência, visto que a empresa "A" é associada do Banco de Dados "Y" que somente compartilhou a informação inserida pela empresa "A" com o Banco de Dados "X".

Assim, o presente artigo, longe de pretender exaurir a questão, somente tentará demonstrar ou explicitar que os administradores dos Bancos de Dados, principalmente referente ao Serviço de Proteção ao Crédito - SPC, apesar de compartilharem a nível nacional, informações de seus associados e consumidores, não podem ser definidas como uma empresa única, existindo, inúmeros bancos de dados que utilizam a denominação "SPC" espalhados por todo o país.

Ao contrário do SERASA- Centralização de Serviços dos Bancos S/A, que é uma sociedade anônima com agências e postos avançados por todo o Brasil, alimentados por várias instituições financeiras e outras empresas associadas, tratando-se, essa sim, de empresa única que possui sucursais em várias cidades; o SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) é uma marca utlizada por inúmeras Câmaras de Dirigentes Lojistas, localizadas em quase todas as cidades do país, que, através de um processador de informação a nível nacional, possibilita que o consumidor de Belo Horizonte, por exemplo, tenha acesso a uma informação sua inserida na cidade de Curitiba, no Estado do Paraná. A marca SPC é usualmente associada a uma determinada Câmara de Dirigente Lojista ou Associação Comercial de cada cidade, o que causa a confusão entre os consumidores.

Atualmente, existem inúmeros SPC’s e Associações Comerciais, que fazem parte de uma rede nacional de informações cadastrais, denominada RENIC, que disponibiliza as informações pessoais restritivas de crédito que porventura existam, em todos os Estados Federados.

Entretanto, conforme mencionado, cada Câmara de Dirigente Lojista ou Associação Comercial tem empresas vinculadas que alimentam essas câmaras ou associações, com informações restritivas de crédito, formando o Serviço de Proteção ao Crédito-SPC disponibilizado a nível nacional.

Assim, à título exemplificativo, a empresa "VIVA VIDA", localizada em Belo Horizonte, é associada da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte, que administra o SPC, nessa cidade. O consumidor João da Silva, morador de Nova Lima, foi na loja "VIVA VIDA", em Belo Horizonte, e comprou com um cheque que, quando da apresentação para pagamento, foi devolvido por falta de fundos, no valor de R$300,00. A empresa "VIVA VIDA", utilizando-se do SPC da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte(onde ele é associado), registra o cheque do consumidor inadimplente, através de seu CPF.

Tal registro , efetivado no SPC de Belo Horizonte, por ordem da empresa "VIVA VIDA", através de código e senha pessoal, será compartilhado com todos os SPCS de todas as cidades que tenham Câmara de Dirigentes Lojistas ou Associações Comerciais e utilizem a RENIC, para as empresas lojistas vinculadas àqueles Banco de Dados.

Caso o consumidor João da Silva, morador de Nova Lima, queira resolver seu problema, pagando o cheque à VIVA VIDA, poderá efetuar uma consulta em seu CPF na cidade de Nova Lima(onde ele reside), São Paulo (caso ele esteja passando por lá), ou qualquer cidade do país, não necessitando vir à Belo Horizonte para verificar o registro constante em seu CPF, apesar de ter sido incluído na CDL de Belo Horizonte, administradora do SPC daquela cidade.

Conforme disposição do Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 43,§2º, a abertura de registro em nome de qualquer consumidor deverá ser precedida de notificação escrita prévia. Sendo que a responsabilidade por tal comunicação é do Banco de Dados que procedeu a abertura do registro.

Assim, no caso em exemplo, se o consumidor João da Silva efetuou uma consulta em seu CPF na cidade de Nova Lima, na CDL de lá, deverá ter sido previamente comunicado do registro de SPC da VIVA VIDA, pela CDL Belo Horizonte, Entidade de origem de registro de SPC e não pela CDL Nova Lima, que somente compartilhou uma informação de inadimplência que foi efetivada na cidade de Belo Horizonte, pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte, administradora do SPC naquela cidade.

Entretanto, muitos consumidores, não entendendo exatamente como funciona o Sistema de Proteção ao Crédito e nem os Bancos de Dados, ajuizam demandas em desfavor de Banco de Dados diferentes do que o registro foi efetivado, confundindo-o com um Banco de Dados que somente disponibilizou ao consumidor a consulta de SPC.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, através do julgamento do Agravo de Instrumento 1.0024.08.958371-0/001, recentemente analisou um caso que ilustra a situação acima:

"EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - INSCRIÇÃO INDEVIDA NOS CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO - DISCUSSÃO ACERCA DA AUSÊNCIA DE PRÉVIA NOTIFICAÇÃO - LEGITIMIDADE PASSIVA DOS BANCOS DE DADOS.É patente a legitimidade dos bancos de dados para figurar no pólo passivo da lide quando a parte autora alega a ausência de prévia notificação da inscrição de seu nome nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito. Inteligência do artigo 43, §2º do Código de Defesa do Consumidor.

(...)Por fim, no que tange à responsabilidade da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte/BH, há que se fazer importantes considerações.

No caso concreto, o nome da parte agravante foi incluído no cadastro do SPC Brasil pela Associação Comercial de São Paulo (na qualidade de entidade de origem), figurando como credora a empresa Cetelem Brasil S/A (fl. 19).

Assim, não se pode imputar a Câmara dos Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte - CDL/BH a responsabilidade pela inclusão dos dados do suposto devedor no banco de dados, tendo em vista que o acesso ao mesmo - que, de fato, a CDL/BH tem - não pode ser confundido com a participação na inclusão desses dados naquele cadastro.

Nesse sentido:

"Só se pode falar em conduta culposa da Câmara de Diretores Lojistas quando for constatado que a inscrição indevida efetivada nos órgãos protetivos do crédito foi ultimada por iniciativa daquela" (TJMG, 18ª Câmara Cível, Apelação n. 1.0024.02.726312-8/001, Rel. Des. Fabio Maia Viani, j. em 8/5/2007).

Com tais considerações, DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao agravo de instrumento aviado, para determinar a manutenção dos réus Associação Comercial de São Paulo - ACSP e SPC Brasil no pólo passivo da lide, excluindo-se, contudo, a ré Câmara dos Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte - CDL/BH, por ilegitimidade. Custas recursais na forma da lei. (Agravo de Instrumento 1.0024.08.958371-0/001, Agravante: Toni Cássio da Silva Santos. Agravado: CETELEM Brasil S/A e outros. 9ªCâmara Cível do TJMG. Relator Sr.Des. José Antônio Braga. D.J: 15/4/2008; D.P: 10/5/2008)

Diante das considerações acima, percebe-se que não existe um SPC único, mas várias CDL’s ou Associações Comerciais, em todo território nacional, cada uma com seus associados que alimentam cada um dos Bancos de Dados que disponibilizam, a nível nacional, informações de inadimplência.

Cada uma dessa CDL ou ACSP, de acordo com a legislação consumeirista, é a responsável pelo envio da notificação prévia ao consumidor que teve seu registro de inadimplência ali inserido, não podendo a CDL da cidade Y ser responsabilizada pelo envio da notificação de um registro que foi aberto na CDL X.

Bibliografia:

1- CARVALHO, Denise, "A expansão do mercado de informações econômicas", in Revista Mercado, publicação da ADVB, dez.1998, p.28

2- GRINOVER, Ada Pelegrini, BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos e; FINK, Daniel Roberto et al, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos autores do anteprojeto, Forense Universitária, Rio de Janeiro, 9ªed. 2007

3- Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Agravo de Instrumento 1.0024.08.958371-0/001, Relator Sr.Des. José Antônio Braga. D.J: 15/4/2008; D.P: 10/5/2008

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*Advogada, assessora jurídica da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte







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