Delito de Opinião
Edison Vicentini Barroso*
O desembargador paulista Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda ousou usar do seu sagrado direito de opinião (ínsito a qualquer cidadão), que de delituoso nada tem, para manifestar livremente pensamento sobre dada questão, afeta especificamente à sua área de atuação - jurídica. Fê-lo, então - e disto constatarão quantos, de forma imparcial e sem espírito demagógico, tiverem acesso àquilo que expôs -, com sobriedade, à distância de impropriedade ou excesso de linguagem (na dicção do art. 41 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional - clique aqui).
Noutras palavras, em artigo genérico-expositivo, adequado à livre expressão de atividade intelectual e de comunicação (art. 5º, IX, da CF), deu a conhecer sua opinião sobre se avistar advogado da parte com o juiz, unilateralmente, para tratar de assunto concernente a autos de processo que lhe estejam conclusos.
Fazendo-o, chamou a atenção de entidade de classe dos advogados, que não gostou daquela opinião - diferente da sua - e, por isso, contra ele representou no Conselho Nacional de Justiça - CNJ. Aqui, causam espécie dois aspectos - ambos a encerrarem perigoso precedente:
a) a iniciativa de órgão de classe tido e havido como defensor das liberdades individuais - num paradoxo inequívoco;
b) na medida da formalização, pelo CNJ, de processo contra o magistrado, pelo "crime" de se exprimir livremente e sem o laivo da irregularidade funcional, o restabelecimento prático-efetivo da chamada censura de opinião - no âmbito do Poder Judiciário.
E, de fato, não se pode dar lastro a posições que tais, suscetíveis de infirmar, sim, uma série de conquistas democráticas da sociedade brasileira - dentre as quais, avulta a livre expressão do pensamento. Senão, chancelar-se-á democracia de papel, figura de retórica - e nada mais.
A censura sem base, que se faça, venha donde vier - e de quem vier -, traz a jaça da subversão de valores e o intuito manifesto de manietar (conquanto na maior parte das vezes velado). Mais estranho, ainda, que órgão de expressão nacional assim proceda - sem se dar conta, ou desta se dando, sem prestar contas (aparentemente) a princípios constitucionais inquebrantáveis, primeiro, da usurpação de competência (relativamente ao poder correcional inerente aos tribunais da República), depois, de que nada ou ninguém se pode arrogar a condição de panacéia.
Realmente, se mal houvesse na conduta do ilustre articulista - e não há (esta, a minha opinião) -, haveria de responder perante quem de direito (seu juiz natural). Por outro lado, na situação paradigma, a só formalização do processo traduz retrocesso institucional, a que se não pode expor uma Nação que pretenda ser positivamente democrática. Numa sociedade justa, de rigor a real prevalência de princípios que, mais que inseridos no papel, se identifiquem com a vida das pessoas - no dia-a-dia.
A Constituição Federal, a de 1988 (dita Cidadã), aí está, fazendo-se preciso se lha cultue na prática, sem o jogo espúrio da hipocrisia discursiva. Já passou da hora de se tê-la, pois, mais que nos lábios, no coração e nas mentes. Ou seja, há de se criar o hábito democrático da coexistência de opiniões diversas (pois disso não passou o sucedido), pari passu àquilo que se espera duma sociedade madura - sem os percalços inerentes ao jogo de conveniência política, cancro de que tanto se ressente o Brasil.
Rematando - e, como o desembargador aqui referido, no uso de direito de expressão Constitucionalmente previsto -, reporto-me à máxima de Voltaire: "Não concordo com o que dizes, mas defendo até a morte o direito de o dizeres".
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*Magistrado, integrante da 1ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP