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STJD: o famoso desconhecido

O campeonato brasileiro de futebol de 2008 está próximo do seu final, mas, tal como ocorreu em alguns anos, as atenções para o cerne do torneio, que são os jogos, se desvia um pouco para o Superior Tribunal de Justiça Desportiva - STJD, órgão competente para julgar as infrações disciplinares eventualmente ocorridas nos embates campais.

12/11/2008


STJD: o famoso desconhecido

Paulo Bracks*

O campeonato brasileiro de futebol de 2008 está próximo do seu final, mas, tal como ocorreu em alguns anos, as atenções para o cerne do torneio, que são os jogos, se desvia um pouco para o Superior Tribunal de Justiça Desportiva - STJD, órgão competente para julgar as infrações disciplinares eventualmente ocorridas nos embates campais.

Contudo, boa parcela dos fãs do esporte predileto dos brasileiros não conhece a estrutura, organização e competência do tribunal nacional desportivo, sendo este desconhecimento, em proporções cada vez maiores, causa de comentários desairosos por parte de torcedores, imprensa, jogadores e dirigentes.

A Justiça Desportiva (JD), conforme expressa disposição constitucional (art. 217, §1º), é a competente para julgar ações relativas à disciplina e às competições desportivas. Nesses casos, nossa Lei Maior (clique aqui) condiciona o acesso ao Poder Judiciário ao esgotamento das instâncias desportivas, as quais têm prazo máximo de 60 dias para proferir decisão final nos processos sob seu julgamento. O STJD, cujo custeio do funcionamento é, segundo norma federal – Lei Pelé (clique aqui), promovido pela Confederação Brasileira de Futebol - CBF, é a última instância desportiva do País.

No âmbito nacional, portanto, todas as ações referentes à disciplina e aos campeonatos são julgadas, em primeira instância, por umas das quatro comissões disciplinares do STJD e, em segunda e última jurisdição, pelo cognominado pleno do STJD. Todo o Tribunal, frisa-se, é sediado na cidade do Rio de Janeiro, onde se encontra a entidade de administração do desporto nacional.

Aplica-se, nos julgamentos, o vigente Código Brasileiro de Justiça Desportiva - CBJD, o qual abrange todas as modalidades esportivas, mormente o futebol.

Pouco tempo atrás vislumbramos, via imprensa, um quimérico dirigente afirmando que iria denunciar atletas na JD, com o objetivo de vê-los suspensos por 180 dias, ou algo do gênero, isto porque entendia terem os jogadores infringido cláusulas contratuais com seu respectivo clube.

Apresentou o cidadão desconhecimento total sobre a matéria que se arvorou a falar, demonstrando um despreparo que deve ser extirpado, sobretudo dos representantes de clubes, eis que, com este proceder, podem vir, infelizmente, a ludibriar leigos torcedores que neles depositam certa fidúcia.

Ora, não pode dirigente algum denunciar jogador perante a JD, eis que isto é uma função exclusiva da procuradoria (art. 21, I, do CBJD). Atleta nenhum será julgado por questões referentes ao seu contrato de trabalho com o clube, na JD, uma vez que a competência para esta e outras questões de igual natureza – por exemplo, requerer a rescisão de um contrato por justa causa do empregado – é do Poder Judiciário, no caso, a Justiça do Trabalho. Não se pune jogador por pena de dias ou partidas a requerimento de parte, visto que as reprimendas estão expressamente previstas nos artigos correspondentes do CBJD, há o devido processo legal para se condenar ou absolver o denunciado, não constituindo as sanções, por corolário, liberalidade de quem quer que seja. Ademais, os auditores julgam de acordo com seu convencimento e escudados nas provas emanadas nos processos desportivos, nunca atendendo pleito de pessoa física ou jurídica.

A falta de informação segura, se for oriunda de um jornalista, é ainda mais grave. O profissional da imprensa, sem dúvida, forma opiniões, e possui dever de informar corretamente seu leitor, sob pena de transformar a sua liberdade de imprensa em desrespeito a outros profissionais. Não só. Uma notícia equivocada ou incompleta sobre um julgamento pode ensejar, pelo fanatismo presente no futebol, até violência.

Se o jogador cometeu, em tese, uma infração tipificada pelo CBJD, seja ser flagrado dopado (art. 244), praticar ato de deslealdade (art. 250), ofensa moral (art. 252), agressão física (art. 253), jogada violenta (art. 254), dentre várias, e esta ação ou omissão, por qualquer caminho legal – súmula arbitral, prova de vídeo, entre outros – chegou ao conhecimento da procuradoria, a conseqüência natural é a denúncia, e, posteriormente, o devido julgamento, no qual são observados todos os princípios de Direito para a devida defesa. Se o atleta é expulso de uma partida de futebol, ele será, necessariamente, denunciado, a fim de se apurar se aquela expulsão caracterizou ou não uma infração disciplinar punível pela JD. As denúncias não são aleatórias!

Ressalta-se não haver, no CBJD, previsões de punições somente aos protagonistas do futebol, mas para todos os participantes do espetáculo, de forma equânime, sejam treinadores, árbitros, clubes, federações, dirigentes, e até gandulas.

Não há espaço, no futebol atual, para que infrações disciplinares sejam praticadas sem a devida punição, em uma clara carta branca à violência, um incentivo ao desvirtuamento da atividade de jogar futebol, que não é, evidentemente, compatível com certos atos. A impunidade - e no Brasil pretende-se eliminá-la - enseja um desrespeito ao público e aos profissionais que trabalham com o esporte.

Em reta final de campeonato, como se vê neste, costumam torcedores e imprensa passar a acompanhar com mais assiduidade os julgamentos do STJD. Isto, claro, pela publicidade - que é essencial a todo tribunal digno -, é louvável, mas deveriam fazê-lo desde o início do torneio, para não ter a equivocada impressão de que são julgados mais processos de um clube em detrimento de outro. Não há interesses escusos, não há favorecimentos! Asseverar que o STJD privilegia um time ou estado não só denota desconhecimento da seriedade dos profissionais que lá trabalham, mas questiona frontalmente a idoneidade e ética de quem presta sua contribuição para o interesse do desporto. Ou seja, é mera "teoria da conspiração"!

A busca pela moralidade no futebol continuará, e o STJD fará a sua parte, dentro da sua competência, respeitando igualmente todos os clubes filiados à CBF, sem qualquer distinção ou privilégio. Não podemos mais aceitar passivamente o péssimo hábito de se utilizar as decisões do Tribunal para justificar eventuais fracassos de equipes, afirmando existir perseguições épicas ou prejudicialidade premeditada.

À espera do dia no qual torcedores não pensem serem os julgadores do STJD meros servos dos poderosos, tendo sempre interesses em prejudicar o clube do coração, sendo uns desditosos "que não querem que sejamos o que nós temos certeza de que merecemos ser", prossigamos nosso sereno trabalho.

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*Auditor do STJD

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