Compensação e Liquidação de Obrigações no Sistema Financeiro Nacional
Walter Douglas Stuber
Adriana Maria Gödel Stuber*
De acordo com o atual ordenamento jurídico brasileiro1, compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República, disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas, inclusive aceites, avais e prestações de quaisquer garantias por parte das instituições financeiras. Através da Medida Provisória nº 2.192-70, de 24 de agosto de 2001, o Presidente da República admitiu a possibilidade de serem realizados acordos para a compensação e a liquidação de
Os efeitos previstos na Lei de Falências (Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945) são os seguintes:
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os contratos bilaterais podem ser executados pelo síndico, se ele entender que essa execução é mais conveniente para a massa falida (nos termos do caput do art. 43); e
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pagamento de dívidas não vencidas realizado pelo devedor dentro do termo legal da falência, por qualquer meio extintivo do direito de crédito, ainda que pelo desconto do próprio título, não produz efeito relativamente à massa, independentemente do contratante Ter ou não conhecimento do estado econômico do devedor, tenha ou não o devedor intenção de fraudar os credores (consoante as disposições do art. 52, inciso I).
Agora, o Conselho Monetário Nacional resolveu finalmente regulamentar essa matéria, facultando às instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil ("Bacen") a realização de tais acordos para a compensação e a liquidação de obrigações no âmbito do Sistema Financeiro Nacional. Esse assunto foi disciplinado pela Resolução nº 3.039, de 30 de outubro de 2002.
São instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Bacen os bancos múltiplos, os bancos comerciais, os bancos de investimento, os bancos de desenvolvimento, as sociedades de crédito, financiamento e investimento, as sociedades de crédito imobiliário, as companhias hipotecárias, as agências de fomento, as sociedades de arrendamento mercantil, as sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários, as sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários e as sociedades corretoras de câmbio.
Os aludidos acordos deverão ser celebrados entre as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Bacen, de um lado, e pessoas físicas ou jurídicas, integrantes ou não do Sistema Financeiro Nacional, do outro lado. A regulamentação veda expressamente que qualquer das partes atue como mera intermediadora de uma operação de terceiros.
Como condição para a sua eficácia, esses acordos serão firmados em contrato específico, constituído mediante instrumento público, ou poderão ser evidenciados por uma cláusula contratual específica, inserida em instrumento particular, cujo teor será objeto de registro no sistema de registro e de liquidação de ativos em que tiver sido registrada a operação correspondente.
Os acordos ou as cláusulas contratuais de compensação e liquidação devem estipular as condições e a metodologia para o término, a apuração, a compensação e a liquidação das obrigações e podem referir-se tanto a operações já realizadas quanto àquelas que sejam realizadas em data futura, desde que claramente previstas. São proibidas as cláusulas que estabeleçam:
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a compensação de direitos ou obrigações de terceiros, ainda que controladores, controlados ou coligados, incluindo as empresas localizadas no Brasil ou no exterior em que as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Bacen detenham, direta ou indiretamente, isoladamente ou em conjunto com outros sócios, inclusive em função da existência de acordos de votos, direitos de sócio que lhe assegurem, isolada ou cumulativamente: (i) preponderância nas deliberações sociais; (ii) poder de eleger ou destituir a maioria dos administradores; (iii) controle operacional efetivo, caracterizado pela administração ou gerência comum; (iv) controle societário representado pelo somatório das participações detidas pela instituição, independentemente do percentual, com as de titularidade de seus administradores, controladores e empresas ligadas, bem como daquelas adquiridas, direta ou indiretamente, por intermédio de fundos de investimento;
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que, após o término, a apuração e a compensação de obrigações, a contraparte adimplente limite o pronto pagamento do valor final devido, ou mesmo não pague, caso a contraparte inadimplente seja credora.
Esse tipo de acordo deverá estabelecer o prazo para que uma das partes seja considerada inadimplente, com a finalidade de se proceder ao término, à apuração, à compensação e à liquidação das obrigações a ele sujeitas. Considera-se inadimplente a parte cuja insolvência civil, concordata, intervenção, falência ou liquidação extrajudicial for decretada, a partir da efetiva data de decretação do regime excepcional. A própria MP 2.192-70/2001 determina que, se restar saldo positivo em favor da parte inadimplente, após realizada a compensação dos valores devidos nos termos do acordo, esse saldo será transferido, integrando a respectiva massa e, se houver saldo negativo, constituirá crédito contra a parte inadimplente.
A Res. 3.039/2002 autoriza o Bacen a determinar a forma de apuração do Patrimônio Líquido Exigido (PLE) das instituições financeiras ou demais instituições autorizadas a funcionar pelo Bacen que vierem a firmar acordos ou cláusulas contratuais de compensação e liquidação de obrigações dentro do âmbito do Sistema Financeiro Nacional, com vistas a refletir o risco efetivo das operações sujeitas a acordos dessa natureza.
Assim, os bancos poderão doravante celebrar esses acordos com seus clientes, beneficiando a economia de uma maneira geral e principalmente às empresas que apresentam um fluxo de caixa com oscilação durante o ano, em decorrência de fatores sazonais que afetam a sua atividade (como é o caso do setor de brinquedos ou de produtos eletroeletrônicos, que normalmente concentram suas vendas em determinadas datas), ou que são titulares de recebíveis de longo prazo (como ocorre no setor de construção civil, na venda de imóveis), ou ainda que tenham assumido obrigações decorrentes de contrato continuado de prestação de serviços, para citar apenas alguns exemplos bastante ilustrativos.
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1 Conforme art. 4º, inciso VI, da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. 2 A Medida Provisória nº 2.192-70, de 24 de agosto de 2001, que estabelece mecanismos objetivando incentivar a redução da presença do setor público estadual na atividade bancária, dispõe sobre a privatização de instituições financeiras e dá outras providências, em seu art. 30 determina que:"Art. 30. É admitida a realização de acordo para a compensação e a liquidação de obrigações no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, nas hipóteses e segundo as normas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.
§ 1º A realização da compensação e da liquidação nos termos e nas condições acordados, não será afetada pela decretação de insolvência civil, concordata, intervenção, falência ou liquidação extrajudicial da parte no acordo, não se aplicando o disposto na parte final do caput do art. 43 e inciso I do art. 52, ambos do Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945.
§ 2º Se, após realizada a compensação dos valores devidos nos termos do acordo, restar saldo positivo em favor da parte insolvente, será ele transferido, integrando a respectiva massa, e se houver saldo negativo, constituirá crédito contra a parte insolvente."
____________________ * advogados especializados em direito financeiro e mercado de capitais e, respectivamente, sócio-fundador e advogada associada do escritório Amaro, Stuber e Advogados Associados.
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Veja abaixo como é a composição do
Sistema Financeiro Nacional
Órgãos de Regulação e Fiscalização | Instituições Financeiras Captadoras de Depósitos à Vista |
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C M NConselho Monetário Nacional |
Banco Central do Brasil Comissão de Valores Mobiliários Superintendência de Seguros Privados Secretaria de Previdência Complementar |
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Demais Instituições Financeiras |
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Outros intermediários ou Auxiliares Financeiros |
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Entidades Ligadas aos Sistemas de Previdência e Seguros |
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Administração de Recursos de Terceiros |
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Sistemas de Liquidação e Custódia |
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