Nova regulamentação dos fundos de investimento
Fernando J. Prado Ferreira
Introdução e Histórico
A Instrução 409 é o resultado do trabalho desenvolvido pela CVM juntamente com participantes do mercado, visando a consolidação das regras atinentes aos Fundos, que até então eram regulados pela CVM e pelo Banco Central do Brasil (“Banco Central”), nos casos de fundos de investimento em valores mobiliários e nos fundos de investimento financeiros, respectivamente, entre outros.
Essa consolidação das regras dos Fundos pela CVM através da Instrução 409 resulta do disposto nas Leis 10.303, de 31/10/2001, e 10.411, de 26/2/2002, que alteraram a Lei 6.385, de 7/12/1976, ao estabelecer como valor mobiliário as cotas de fundo de investimento e outros títulos ou contratos de investimento coletivo, passando, assim, à CVM a competência para a edição de normas relativas aos Fundos de Investimento.
No período de transição até a edição da Instrução 409, o Banco Central e a CVM emitiram a Decisão Conjunta 10, de 2/5/2002 e firmaram um convênio em 5/7/2002 para estabelecer como seria a transição da fiscalização dos fundos então regulados pelo Banco Central para a CVM. Em 27/2/2004, a CVM chegou a emitir a Instrução 405, pela qual os Fundos então regulados pelo Banco Central enviariam suas informações ao sistema de recebimento de informações da CVM na rede mundial de computadores, em substituição ao sistema de comunicação oferecido pelo Banco Central.
Em 17/3/2004, uma Instrução em forma de minuta foi colocada em audiência pública e, após comentários e sugestões, foi alterada resultando na Instrução 409.
A Instrução 409 traz alterações relevantes ao mercado de Fundos, uma vez que os fundos de investimento financeiro ou “FIFs”, que respondem pela maioria significativa desse mercado, possuem regras mais flexíveis, se comparadas às regras dos fundos de investimento em títulos e valores mobiliários ou “FITVMs”. Com a unificação trazida pela Instrução 409, os antigos FIFs e os FITVMs estarão sujeitos à mesma regulamentação e supervisão.
Cabe destacar que a Instrução 409 não abrangerá uma série de fundos de investimento que já possuem regulamentação específica, entre os quais podemos destacar os Fundos de Investimento Imobiliário, Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, Fundos de Investimento em Participações e os Fundos Mútuos de Ações Incentivadas.
Principais características dos Fundos e alterações trazidas pela Instrução 409
Definição
O artigo 2º da Instrução 409 define Fundo como uma comunhão de recursos, constituída sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em títulos e valores mobiliários, bem como em quaisquer ativos disponíveis no mercado financeiro e de capitais.
Os Fundos podem ser constituídos como condomínios fechados ou abertos. Nos condomínios fechados as cotas somente podem ser resgatadas ao término do prazo de duração do Fundo. Por sua vez, no condomínio aberto os cotistas podem solicitar o resgate de suas cotas a qualquer tempo.
É de se notar ainda a classificação dos fundos exclusivos, que devem ser detidos por um único cotista, o que, portanto, descaracterizaria a própria formação de condomínio. Na prática, entretanto, essa imprecisão jurídica não resulta em conseqüências significativas.
Classificação dos Fundos
Tendo em vista a unificação da regulamentação dos Fundos pela Instrução 409, uma distinção importante é a da classificação dos Fundos em categorias diversas que variam em função dos ativos em que o Fundo investirá. Com a Instrução 409, os Fundos poderão ser classificados em:
(i) Fundo de Curto Prazo – os recursos deverão ser aplicados exclusivamente em títulos públicos federais pré-fixados ou indexados à taxa SELIC, ou títulos indexados a índices de preços, com prazo máximo a decorrer de 375 dias, e prazo médio da carteira do fundo inferior a 60 (sessenta) dias;
(ii) Fundo Referenciado - o indicador de desempenho está atrelado diretamente aos ativos em que investe;
(iii) Fundo de Renda Fixa – a carteira deste Fundo deverá possuir, no mínimo, 80% (oitenta por cento) em ativos relacionados diretamente, ou sintetizados via derivativos, ao fator de risco que dá nome à classe;
(iv) Fundo de Ações - deverá possuir, no mínimo, 67% (sessenta e sete por cento) da carteira em ações admitidas à negociação no mercado à vista de bolsa de valores ou entidade do mercado de balcão organizado;
(v) Fundo Cambial - da mesma forma que o Fundo de Renda Fixa, deverá possuir, no mínimo, 80% (oitenta por cento) da carteira em ativos relacionados diretamente, ou sintetizados via derivativos, ao fator de risco que dá nome à classe;
(vi) Fundo de Dívida Externa – este Fundo deverá aplicar, no mínimo, 80% (oitenta por cento) de seu patrimônio em títulos representativos da dívida externa de responsabilidade da União, sendo permitida a aplicação de até 20% (vinte por cento) do patrimônio líquido em outros títulos de crédito transacionados no mercado internacional; e
(vii) Fundo Multimercado - deve possuir políticas de investimento que envolvam vários fatores de risco, sem o compromisso de concentração em nenhum fator em especial ou em fatores diferentes das demais classes previstas.
Administração
A Instrução 409 também estabeleceu com maior clareza quais serão as atribuições, vedações e responsabilidades do administrador do Fundo. Anteriormente, em razão de existir esparsa regulamentação sobre o tema, as responsabilidades do administrador, assim como suas atribuições, eram controversas. A administração do Fundo muitas vezes confundia-se com gestão da carteira do Fundo. A CVM acertadamente especificou o que seria cada uma dessas funções.
Segundo a Instrução 409, administração do Fundo compreende o conjunto de serviços relacionados direta ou indiretamente ao funcionamento e à manutenção do Fundo, que podem ser prestados pelo próprio administrador ou por terceiros por ele contratados.
Por sua vez, a gestão da carteira do fundo é o poder de comprar e vender títulos e valores mobiliários dela integrantes, desempenhada por pessoa credenciada como administradora de carteiras na CVM. Portanto, o credenciamento enquanto administrador perante a CVM permite ao credenciado negociar os ativos integrantes da carteira e administrar o próprio Fundo (por exemplo, manter e atualizar os livros do Fundo, exercer os direitos decorrentes do patrimônio e fiscalizar os serviços contratados).
Cabe lembrar que a Instrução 409 estabelece que os contratos firmados pelo administrador com terceiros para prestação de serviços de gestão, tesouraria, controle, processamento e custódia de títulos e valores mobiliários e escrituração da emissão e resgate de cotas deverão conter cláusula que estipule a responsabilidade solidária entre o administrador do Fundo e o terceiros contratados por eventuais prejuízos causados aos cotistas do Fundo em virtude das condutas contrárias à lei, ao regulamento e atos normativos.
Essa estipulação tem sido questionada por participantes do mercado, que alegam que a CVM não poderia determinar por Instrução a solidariedade entre o administrador e os prestadores de serviço, uma vez que a solidariedade só pode se verificar através de dispositivo de lei ou de contrato.
Remuneração do Administrador
Outro ponto que merece destaque é a remuneração do administrador. A Instrução 409 estabelece não só a remuneração do administrador, mas também os serviços pelos quais o Fundo deverá arcar diretamente e que não serão descontados da remuneração dos administradores.
A instrução também estabelece que o administrador poderá cobrar taxa de performance do Fundo, respeitadas determinadas condições. A minuta de Instrução que resultou na Instrução 409 condicionava a cobrança da taxa de performance apenas em Fundos que tinham um determinado valor de investimento e de aplicação mínima. A nosso ver, foi acertada a decisão da CVM de retirar essa obrigatoriedade, uma vez que a taxa de performance está atrelada, principalmente, à política de risco do Fundo e não aos valores nele investidos.
Distribuição de Cotas
A distribuição de cotas de Fundos deve variar e acordo com a característica do Fundo ou de acordo com os investidores aos quais o Fundo é destinado, isto é, se o Fundo é aberto ou fechado, ou se é destinado exclusivamente a investidores qualificados ou não. A distribuição de cotas de fundo aberto independe de prévio registro na CVM. Por sua vez, a distribuição de cotas de fundo fechado dependerá de registro na CVM.
Se o fundo fechado for destinado exclusivamente a investidores qualificados, será considerado concedido o registro de distribuição de cotas na data do protocolo de envio dos documentos solicitados de acordo com a Instrução. Entretanto, se o fundo for fechado e sua distribuição não for destinada exclusivamente a investidores qualificados, a distribuição de cotas deverá ser precedida de registro de oferta pública de distribuição, nos termos da Instrução CVM nº 400, de 29/12/2003.
Distribuição por conta e ordem do cliente
A Instrução 409 permite que o Fundo possa contratar instituições integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários, autorizando-as a realizar a subscrição ou a aquisição de cotas do Fundo por conta e ordem de seus respectivos clientes. As instituições contratadas deverão criar registro complementar de cotistas, específico para cada Fundo, para que a instituição intermediária inscreva nesse registro complementar a titularidade das cotas em nome dos investidores, atribuindo a cada cotista um código de cliente e informando tal código ao administrador do fundo.
Deverá também ser providenciada a escrituração das cotas de forma especial no registro de cotistas do Fundo, adotando, na identificação do titular, o nome da instituição intermediária, acrescido do código de cliente fornecido pela instituição intermediária, e que identifica o cotista no registro complementar.
Casos de Iliquidez
Uma das novidades trazidas pela Instrução 409 diz respeito à situação de casos excepcionais de iliquidez dos ativos componentes da carteira do Fundo. Verificada essa hipótese, a CVM autorizou o administrador do Fundo a declarar o fechamento do fundo para a realização de resgates, sendo obrigatória a convocação de Assembléia Geral Extraordinária para deliberar sobre a substituição do administrador, do gestor ou de ambos, bem como sobre a reabertura ou manutenção do fechamento do fundo para resgate e a possibilidade do pagamento de resgate em títulos e valores mobiliários. A assembléia poderá ainda aprovar a cisão do fundo ou a sua própria liquidação.
Assembléia - possibilidade de consulta formal
Um dos grandes problemas práticos enfrentados pelos administradores de Fundos era relativo às assembléias gerais, uma vez que havia dificuldade em reunir os cotistas para deliberarem em assembléias. A Instrução 409 possibilitou aos administradores e cotistas, através de dispositivo no regulamento do Fundo, se houver, tomar as deliberações da assembléia geral mediante processo de consulta formal, sem a efetiva necessidade de reunião dos cotistas.
Adaptação
Por fim, é importante ressaltar que os fundos de investimento que estejam em funcionamento na data da publicação desta Instrução e que sejam regulados pela Instrução CVM n.º 302, de 5/5/1999, pelas Circulares nºs. 2.616, de 18/9/1995, e 2.714, de 28/8/1996, do Banco Central, devem adaptar-se às disposições da Instrução 409 até 31/12/2004.
Considerações Finais
A interpretação e efetiva implementação das novas regras e conceitos criados pela Instrução 409 somente passarão a ser conhecidas em detalhe na medida em que casos práticos forem discutidos entre os participantes do mercado e o órgão regulador. Acompanharemos o desenvolvimento desse processo com o objetivo de atender consultas específicas sobre estas matérias.
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* Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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