Mandado de segurança contra Tribunal de Contas
Sérgio Roxo da Fonseca*
O tema realmente é importante porque o seu pressuposto teórico refere-se à natureza jurídica dos nossos Tribunais de Contas, como também de outros órgãos semelhantes ou análogos com os denominados Tribunais de Impostos e Taxas.
É desnecessário ressaltar que a questão sempre tomou vulto seja porque decisões desses colendos órgãos são suscetíveis de gerar importantes efeitos jurídicos, seja porque causam conhecidos problemas políticos. Em alguns regimentos examinados encontrou-se dispositivo que conferia a tais decisões efeitos que ultrapassam os limites da tendencial definitividade para quase alcançar os efeitos do trânsito em julgado.
Sobre a questão Agustin Gordillo, em “Problemas del control de la Administración em América Latina”, propõe que o direito deve depositar no futuro mais eficácia a essas decisões, tanto no sentido de garantir a sua autoridade, como para desestimular o ajuizamento de repetidas e repetitivas demandas endereçadas ao Poder Judiciário.
Para o caso interessa saber qual é a natureza jurídica das decisões proferidas por esses órgãos para que se possa apontar como se faz o seu controle de legalidade, na constância do Estado Democrático de Direito.
Para tanto, vale-se novamente do critério residual utilizado com pena de mestre pelo mesmo Agustin Gordillo, agora no seu “Tratado de Derecho Administrativo”.
A Constituição de 1988 adotou o princípio da tripartição de poderes, segundo um modelo próprio, que se afastou da sua origem mas que não o destruiu. Instituiu três regimes jurídicos. Ao Legislativo e excepcionalmente ao Executivo (medidas provisórias) outorgou competência para criar direito novo, colocando-o no patamar supra legal. Ao Executivo deu poderes para dar concreção às ordens do Legislativo, pondo-o sob a lei. Ao Judiciário reservou competência para controlar a legalidade das decisões legislativas, executivas e judiciais.
Admitindo-se tal quadro de competências, pergunta-se o Tribunal de Contas e órgãos análogos têm o poder de criar direito novo, tal como faz o Legislativo pelas leis e o Executivo pelas medidas provisórias ? A resposta é negativa.
Cabe a esses respeitáveis órgãos controlar a legalidade do sistema, expedindo ordens revestidas com a autoridade do trânsito em julgado ? O direito positivo outra vez responde negativamente.
Assim sendo, as tomadas de contas das Cortes de Contas e dos órgãos análogos têm caráter administrativo, residindo, pois, no patamar infralegal. Vale dizer, essas manifestações têm validade jurídica se antecedidas por leis formal e materialmente consideradas. Ou de medidas provisórias. Não podem assim nem criar direito novo e nem controlar a legalidade do sistema por meio de decisões definitivas ou com força de definitivas.
Se os Tribunais de Contas estão submetidos ao regime jurídico-administrativo, suas decisões podem e devem ser controladas pelo mandado de segurança. A conclusão não delira do direito positivo até porque o Judiciário tem se preparado para controlar a legalidade tanto de atos legislativos, como administrativos e até mesmo dos judiciais.
Para sustentar posição contrária, seria necessário reconhecer a imunidade incontrolável das decisões dos Tribunais de Contas, negando-se vigência ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, revelado pelo inciso XXXV, art. 5º, da CF.
Como antes referido, o Supremo Tribunal Federal, no dia 8 de setembro de 2004, tomou conhecimento por unanimidade de mandado de segurança impetrado contra decisão do Tribunal de Contas da União. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence que, invadindo o mérito, propuseram, em minoria, o deferimento da ordem por considerarem que deveria ter sido dada ciência à impetrante para que exercesse todas as prerrogativas do devido processo legal, independentemente da plausibilidade jurídica do direito material invocado, aplicando-se a regra do inciso LV, do art. 5º, da CF. Refiro-me ao mandado de segurança 24785/DF, relator originário Ministro Marco Aurélio, relator para o acórdão Ministro Joaquim Barbosa, em 8/9/2004.
______________
* Advogado, professor da UNESP e Procurador de Justiça de São Paulo, aposentado