O crédito-prêmio do IPI e a alteração de entendimento do STJ
Paulo Ricardo Schier*
Diante disso, a Fazenda Nacional vem anunciando que a União Federal buscará recuperar os valores do crédito-prêmio do IPI apropriados “indevidamente”, além de tomar outras providências jurídicas (aplicação de multas, por exemplo). Todavia, algumas observações devem ser formuladas.
Se é certo, no quadro da atividade jurisdicional, que o Poder Judiciário pode rever seus posicionamentos em relação à forma como decide determinadas questões, eis que o Direito e a sociedade são dinâmicos, não se pode olvidar, igualmente, que ele é Poder inserido no quadro do Estado de Direito, e por isso comprometido com direitos fundamentais e valores, plasmados em princípios, que não podem ser ignorados. O Poder Judiciário, por isso mesmo, ao dar respostas a questões concretas, também indica à sociedade o caminho da estabilidade e da segurança nas relações interpessoais.
Na situação do crédito-prêmio do IPI, razões de segurança jurídica, impositivas de calculabilidade, mensurabilidade, estabilidade, previsibilidade e confiabilidade na atuação do Poder Público, não tolerantes das ações tomadas de surpresa contra os cidadãos, embora não possam amarrar ou engessar a evolução da vida e do mundo de modo a impedir as mudanças legislativas, administrativas, jurisprudenciais, como sucede, não podem ser, por isso, ignoradas. Afinal, nos momentos de crise, de grandes mudanças, de alterações normativas, de transformações sociais, econômicas e políticas, de incertezas e (por que não?) de modificação de entendimentos jurisprudenciais consolidados, é que a segurança será demandada.
No caso, seguindo linha do que já sucede no âmbito da experiência do Supremo Tribunal Federal, a segurança jurídica há de ser considerada para fim de modular (temperar) os efeitos da decisão do STJ caso seja confirmada a alteração de seu entendimento. Neste caminho, a experiência norte-americana (bem como a germânica e, recentemente, a brasileira) é rica ao admitir a restrição de eficácia das decisões judiciais que introduzem alteração de jurisprudência (prospective overruling), sendo que, em certas ocasiões, concebe-se até mesmo a exclusão total da eficácia retroativa da decisão (pure prospectivity).
Tais técnicas, no caso do crédito-prêmio do IPI, que implicam limitação eficacial da decisão judicial, hão de ser levadas a efeito mormente porque seria absolutamente inadmissível, no quadro do Estado de Direito, uma situação em que a Administração Pública incentiva o contribuinte à prática de determinada atividade econômica para depois, afastá-la com efeito retroativo. Tal importaria em verdadeira quebra da segurança e da lealdade demandadas na atuação estatal.
Considere-se que os créditos em questão foram aproveitados em contexto de confiança, normalmente com o aval da própria Receita Federal ou com base em convicção de obrigatoriedade gerada pela jurisprudência consolidada, e assim passaram a integrar o patrimônio das empresas, tanto que utilizados nas programações econômica, contábil e fiscal.
Resta, logo, ao Poder Público, através do Judiciário e da Receita Federal, darem o bom exemplo aos cidadãos, o que ocorrerá com o respeito à segurança e lealdade jurídicas, o respeito às situações consolidadas e à previsibilidade. Mude-se, se for o caso, a jurisprudência e a orientação na atuação do Fisco: mas que tais mudanças não impliquem insegurança em relação ao passado.
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* Advogado do escritório Clèmerson Merlin Clève Advogados Associados
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