Confissão policial e erro judiciário
Roberto Delmanto*
Um suspeito confessa um crime na polícia sob tortura. Várias formas dela, desenvolvidas há tempos como a simulação de afogamento, não deixam vestígios. Quando deixam, se retarda o encaminhamento do acusado – agora já "confesso" – ao IML para que os sinais das agressões não mais apareçam...
Em juízo, ao ser interrogado, o acusado se retrata da confissão policial, revelando ao magistrado, com detalhes, como ela foi obtida.
As testemunhas de acusação ouvidas – em geral as únicas – são, todavia, os próprios policiais militares e/ou civis que o torturaram. E eles, logicamente, negam a medieval prática.
A confissão policial é, então, aceita por muitos juízes e tribunais porque confirmada pelos depoimentos dos policiais, e a palavra destes, por sua vez, é também aceita porque respaldada pela confissão policial...
Cria-se, assim, um círculo vicioso, onde a retratação da confissão em juízo acaba por não merecer crédito, e o acusado é mantido cautelarmente preso, denunciado, pronunciado (quando se trata de crimes dolosos contra a vida) e, a final, condenado.
O testemunho de policiais, diz parte considerável da jurisprudência, deve ser aceito com o de qualquer outra pessoa, pois não há na lei processual penal diferença entre eles, esquecendo-se os magistrados de que os policiais têm interesse e, mais do que isso, necessidade, em ver confirmados o "sucesso" de sua investigação e a validade da confissão para tanto obtida.
Com isso, estimula-se indiretamente a prática da tortura policial - crime equiparado aos hediondos, inafiançável e insuscetível de graça ou anistia - e propicia- se a ocorrência da maior tragédia do processo penal, que nenhuma indenização será capaz de reparar: o erro judiciário.
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*Advogado criminalista, ex-membro do Conselho de Política Criminal e Penitenciária do Estado de São Paulo, e do ILANUD – Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e o Tratamento de Delinqüente