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O Projeto de Lei nº 4906/2001 e a responsabilidade dos fornecedores de serviços virtuais

O crescimento vertiginoso do uso da Internet para inúmeras atividades, as políticas de inclusão digital que transitam nas comunidades carentes e a facilidade de atingir um grande número de consumidores de qualquer localidade, a qualquer tempo, tornam a Rede Mundial de Computadores um atrativo para o fornecedor de serviços ou de produtos.

28/10/2004


O Projeto de Lei nº 4906/2001 e a responsabilidade dos fornecedores de serviços virtuais


Rafaella Marcolini*

O crescimento vertiginoso do uso da internet para inúmeras atividades, as políticas de inclusão digital que transitam nas comunidades carentes e a facilidade de atingir um grande número de consumidores de qualquer localidade, a qualquer tempo, tornam a Rede Mundial de Computadores um atrativo para o fornecedor de serviços ou de produtos.

Na medida em que o comércio eletrônico vai avançando e tomando espaço, representando um faturamento expressivo e ganhando a confiança dos consumidores, as questões jurídicas vão aparecendo.

A aplicação do Código de Defesa do Consumidor para os contratos de consumo firmados na Internet e o Projeto de Lei nº 4906/2001, de iniciativa do Senado Federal, que aguarda aprovação pelo Plenário da Câmara, são alguns exemplos de regulação normativa que precisam de mais atenção dos operadores do direito.

O Projeto de Lei nº 4906/2001 consolida entendimento já firmado na jurisprudência e na doutrina, ao dispor em seu artigo 30 que “aplicam-se ao comércio eletrônico as normas de defesa e proteção do consumidor vigentes no País”.

O PL visa, em apertada síntese, garantir a segurança dos contratos eletrônicos, sejam aqueles de negócio/negócio, em que ainda não há regulação normativa vigente, sejam os contratos de negócio/consumo, os quais são alvo de nossa análise e que já se submetem a Lei nº 8078/90.

A aplicação do Projeto de Lei aos contratos de consumo trará um balizamento da responsabilidade do provedor de acesso à Rede, além de regular o exercício da venda de produtos ou serviços através dos portais. Isso porque a aplicação da responsabilidade objetiva do prestador de serviços ou do fornecedor de produtos via web, aniquila e inviabiliza o exercício dessas atividades, além de estimular a atuação de hackers e de estelionatários virtuais, que se apropriam indevidamente de informações de terceiros.

Esses indivíduos se escondem sob o véu virtual, invadindo sistemas e se apropriando de fotos ou informações pessoais de terceiros e as utilizam como se suas fossem. Os titulares das informações que foram “furtadas” direcionam suas ações judiciais em face do provedor ou do site que as divulgou de boa-fé, sendo certo que esses últimos, por sua vez, não possuem meios de descobrir quem são os verdadeiros responsáveis. Sem poder acioná-los regressivamente, resta lhes, tão somente, contabilizar o prejuízo das indenizações pagas.

O PL 4906/2001 traz alguns artigos que minimizam os efeitos da responsabilidade objetiva quando prevê que o provedor que forneça serviços de conexão ou de transmissão de informações, ao ofertante ou ao adquirente, não será responsável pelo conteúdo das informações transmitidas (art. 35).

Nesse esteio, o artigo 36 também regula a responsabilidade do provedor que forneça ao ofertante serviço de armazenamento de arquivos e sistemas necessários para operacionalizar a oferta eletrônica de bens, serviços ou informações, ao determinar que o provedor não será responsável pelo seu conteúdo, salvo em ação regressiva do ofertante, se:

I) deixou de atualizar as informações objeto da oferta, tendo o ofertante tomado as medidas adequadas para efetivar as atualizações, conforme instruções do próprio provedor;

II) deixou de arquivar as informações ou, tendo-as arquivado, foram elas destruídas ou modificadas, tendo o ofertante tomado as medidas adequadas para seu arquivamento, segundo parâmetros estabelecidos pelo provedor.

A aplicação da teoria do risco do negócio aos provedores de acesso à Internet é mitigada através de mais dois dispositivos do PL 4906/2001, quais sejam, os artigos 37 e 38.

O primeiro deles desobriga a vigilância ou a fiscalização, pelo provedor de serviços de conexão ou de transmissão de informações, do conteúdo das informações transmitidas ao ofertante ou ao adquirente.

Este artigo decorre do dispositivo antecedente, ou seja, a mens legis deste Projeto de Lei baseia-se na constatação da impossibilidade prática de um provedor de acesso à Internet ter conhecimento do teor das informações eletrônicas trocadas por seus usuários, considerando a tarefa hercúlea que seria vigiar o conteúdo de milhões de mensagens diariamente, o que, além de engessar a atividade desses comerciantes, esbarraria ainda no sigilo das correspondências privadas, princípio constitucionalmente garantido e que também se aplica aos correios eletrônicos.

Finalmente, o artigo 38 deste Projeto de Lei reconhece a responsabilidade civil e penal do provedor de serviço de armazenamento de arquivos quando possui conhecimento inequívoco de que a oferta de bens, serviços ou informações constitui crime ou contravenção penal e deixa de promover a imediata suspensão ou interrupção do acesso por destinatários, sendo facultativa a notificação do ofertante.

Mais uma vez, verifica-se que as relações jurídicas construídas virtualmente, embora seja a consolidação da evolução tecnológica, retomam a aplicação de um princípio rudimentar do Direito, a boa-fé.

Este deve ser o princípio norteador de toda relação mantida na web, válido tanto para os fornecedores de produtos ou serviços, quanto para aos usuários, vez que não há como se comprovar a autenticidade das informações oferecidas pelos internautas quando se cadastram aos provedores ou portais, bastando, para tanto, crer que os mesmos não estão se utilizando de dados pessoais ou mesmo de fotografias de terceiros, prática freqüente, por exemplo, no jogo da conquista, e que tem ocorrido hodiernamente nos sites de encontros.

Verifica-se, por derradeiro, que o PL 4906/2001 se preocupou em regular a responsabilidade dos provedores de acesso à Rede, mas não tratou do tema especificamente em relação aos ofertantes de serviços e/ou produtos via web. Somente quando as questões decorrentes da relação de consumo na Internet alcançarem os tribunais é que saberemos se ambos serão alçados a idêntico tratamento legal, tendo em vista que pertencem a mesma categoria, qual seja, a de fornecedores de serviços e/ou produtos.
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*Advogada do escritório Kamenetz, Fassheber & Haimenis Advogados Associados






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