Execução fiscal: preponderância da lei de execuções fiscais sobre o Código de Processo Civil
Julio Cesar Pereira*
Contudo, dado que desde o advento da Lei nº. 11.382, de 6 de dezembro de 2006 (clique aqui), algumas vozes têm propalado imaginativas modificações que a sistemática do ordenamento não permite engendrar, é necessário, antes de todo argumento, que se pontue a existência e validade da Lei de Execuções Fiscais.
A confusão maior, sobre a qual cabe lançar os presentes comentários, diz respeito à questão do prazo para oposição de embargos à execução fiscal. A Lei nº. 6.830/80, em seu art. 16, inciso III, determina expressamente que o executado oferecerá embargos, no prazo de 30 dias, contados da intimação da penhora. Por sua vez, dentre outras alterações operadas no Código de Processo Civil (clique aqui), a Lei nº. 11.382/06 estabelece que o prazo para oferecimento dos embargos é de 15 dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citação. Está delineada a discórdia. O enunciado do art. 738 da lei que alterou o Código de Processo Civil diverge, à evidência, do regramento estabelecido pela lei específica, a Lei de Execuções Fiscais.
Juristas de toda verve tem recorrido ao vasto manancial dos princípios, visando munir-se daquele arsenal etéreo para, no âmbito do processo executivo fiscal, fazer valer, quanto ao prazo, a letra do Código de Processo Civil, em detrimento da Lei de Execuções Fiscais. Nesse afã, fala-se em mens legis, em celeridade processual, em eficiência, em combate ao inadimplemento, todos esses alvos perseguidos pelo Estado Democrático de Direito. Entretanto, no caso particular das execuções fiscais, a perseguição tem sido muitas vezes truculenta, olvidando-se o ruidoso choque entre os propósitos buscados e o próprio texto do direito positivo.
Não se trata aqui de trazer à baila as supostas intenções do enunciador legislativo e, menos ainda, de ajoelhar-se diante de princípios como diante de elixires aptos a curar as mazelas senis de nossos Tribunais. Não é o momento, nem há brecha suficiente que obrigue o destinatário da norma a supor que a lei especial que regula a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública possa ser suplantada por lei geral posterior – isto fere a consciência do estudioso do direito porque desmantela as hastes básicas que escoram os critérios atinentes à solução de antinomias.
Antinomias são distúrbios de comunicação que, nas palavras de Paul Watzlawick, Janet Helmick Beavin e Don D. Jackson (Pragmática da Comunicação Humana. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo, Cultrix, 1973.), provocam "desordens comportamentais". A questão relativa ao prazo para oferecimento de embargos à execução fiscal passa exatamente pela desordem apregoada pelos autores citados, de modo que alguns magistrados têm optado pela continuidade na aplicação dos dispositivos da Lei de Execuções Fiscais, ao passo que outros, embalados pelo braço dos aludidos princípios, tem empunhado a norma nova.
O princípio da celeridade é, sem dúvida, o mais alardeado na defesa da aplicação do termo a quo estatuído pelo Código de Processo Civil – a data da juntada do mandado de citação aos autos. Antes de qualquer genuflexão perante este e outros estandartes, cabe observar o que manda o artigo 1º da Lei nº 6.830/80, que transcrevemos na íntegra:
"Art. 1º. A execução judicial para a cobrança de Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil".
O mandamento é claro. A letra do Código de Processo Civil apenas incidirá no processo executivo fiscal em auxílio à Lei de Execuções, isto é, quaisquer circunstâncias não contempladas pela lei específica no caso concreto serão tuteladas pela lei processual geral. O prazo para oposição de embargos à execução fiscal, conforme vimos, não é questão omitida pela Lei de Execuções Fiscais, logo não se cogita a aplicação de diploma diverso na determinação do termo a quo.
Enquanto a questão não for uniformizada pelo Superior Tribunal de Justiça, a instabilidade permanecerá sob a sombra de duas copas – a regra preconizada pelo art. 16, da Lei 6.830/80, aplicado até então pacificamente pelos Tribunais; e a nova disposição do Código de Processo Civil, alterado pela Lei nº. 11.382/06. É preciso, no entanto, que se alente a observação do direito posto vigente quanto à escolha dos critérios para solução de antinomias, em especial as próprias disposições preconizadas pela Lei de Introdução ao Código Civil, segundo as quais a lei nova, que estabeleça disposições gerais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. O prevalecimento do critério da especialidade resolve a incompatibilidade entre os diplomas.
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*Advogado do escritório Barros Carvalho Advogados Associados
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