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As propostas de alteração do CPC

Em 24/8/2004, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados aprovou, por unanimidade, a redação final de uma série de alterações no Código de Processo Civil, e que são o Projeto de Lei 4.478-B, de 2001.

13/9/2004


As propostas de alteração do CPC relativas ao usufruto
de bem móvel na execução por quantia certa contra devedor solvente, à prisão civil do depositário infiel
e à dispensa de citação pessoal do embargado em embargos de terceiro

Paulo Sérgio Restiffe*

Advogado em São Paulo (Peixoto e Cury Advogados). Professor de Direito Comercial. Mestre e doutorando em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Membro do IASP. Autor de livros e artigos jurídicos.

Em 24/8/2004, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados aprovou, por unanimidade, a redação final de uma série de alterações no Código de Processo Civil, e que são o Projeto de Lei 4.478-B, de 2001, que dispõe sobre o usufruto de bem móvel na execução por quantia certa contra devedor solvente, alterando o art. 647, III, do CPC; o Projeto de Lei 1.214-B, de 2003, que, ao acrescentar o art. 666-A, ao CPC, permite a decretação da prisão do depositário infiel nos próprios autos do processo de execução, dispensada a exigência prévia de ação de depósito; e o Projeto de Lei 1.282-B, de 2003, que, ao acrescentar o § 3.º ao art. 1.050, do CPC, torna dispensável a citação pessoal do embargado para responder aos embargos de terceiro.

O Projeto de Lei 4.478-B, de 2001, estabelece que o art. 647, III, do CPC, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 647.

III – no usufruto de bem móvel ou imóvel, ou de empresa”. (NR)

A satisfação forçada do crédito inadimplido de devedor solvente, tratando-se de obrigação pecuniária, e cuja excussão se dá por meio de execução por quantia certa, ocorre por meio de expropriação, que consiste: (i) na alienação de bens do devedor; (ii) na adjudicação em favor do credor; ou (iii) no usufruto de bem imóvel ou empresa.

Ao presente estudo interessa a análise da expropriação que consiste em usufruto de bem imóvel ou empresa, que nada mais é do que a possibilidade de o credor, como modo de satisfação de seu crédito, perceber os frutos decorrentes de bem imóvel ou de empresa do devedor.

Atualmente, admite-se o usufruto, tão-somente, sobre bens imóveis e sobre a empresa, entendida esta como universalidade de fato (universitatis rerum). Com a aprovação e sanção definitiva do Projeto de Lei 4.478-B, de 2001, essa possibilidade estende-se, também, aos bens móveis. Note-se que essa extensão aos bens móveis, na prática, deve ser compreendida em relação aos bens móveis capazes de produzir frutos, isto é, rendas ou mesmo juros.

São bastante oportunas as alterações que busquem municiar o credor com novas formas para satisfação de seu crédito em processo de execução, cujo gargalo encontra-se menos no procedimento em si, mas sim na efetiva existência de bens que lhe garantam o crédito.

A alteração de redação do art. 647, III, do CPC, proposta pelo Projeto de Lei 4.478-B, de 2001, encontra-se, porém, incompleta, haja vista a necessidade de adaptação das regras dispostas nos arts. 716 et seq., do CPC, a fim de que passem a constar a referência à possibilidade de usufruto de bem móvel, bem como a sua disciplina específica ou remissão às regras pertinentes.

O Projeto de Lei 1.214-B, de 2003, por seu turno, acrescenta o art. 666-A, ao CPC, nestes termos:

“Art. 666-A. A prisão do depositário judicial poderá ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito”.

A inclusão desse dispositivo justifica-se para permitir a decretação da prisão do depositário infiel nos próprios autos do processo de execução, de modo a dispensar a exigência de prévia ação de depósito para esse fim, consoante disposto no art. 1.º, mesmo Projeto de Lei 1.214-B, de 2003.

A orientação do STF, cristalizada no verbete da Súmula 619, estabelece o seguinte:

“A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constitui o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito”.

A orientação do STJ, por seu turno, não destoa da posição adotada na Súmula 619, do STF, como se pode observar do seguinte julgado:

“RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA ‘C’. EXECUÇÃO FISCAL. PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL. LEGALIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL CONFIGURADO. RECURSO PROVIDO.

Sabem-no todos que o depositário de bem penhorado assume o encargo de não dispor dos bens constritos. A simples alienação das cotas de participação na sociedade não desonera o sócio nomeado depositário, o que somente ocorre mediante prévia vênia do Juízo da execução.

Assim, não restituídos os bens depositados, passível a configuração da infidelidade do depositário, a ensejar decreto de prisão civil.

O depositário público ou judicial não difere, no que tange à sua responsabilidade, do depositário particular, que assume obrigação decorrente da celebração de contrato de depósito. Antes, pelo contrário, está no exercício de um múnus público, de manter o bem sob sua guarda para êxito do processo de execução em curso, nos termos do artigo 148 do Código de Processo Civil.

A prisão civil do depositário judicial encontra amparo legal nos artigos 1.282, inciso I, do Código Civil, por se tratar de depósito necessário, decorrente de obrigação legal e, em não havendo a restituição, será ‘compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e a ressarcir os prejuízos’ (artigo 1.287).

Dessa feita, mostra-se insubsistente o entendimento do douto Colegiado a quo que considerou ilegal a prisão face a ausência de previsão normativa.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o depositário judicial tem a faculdade conferida ao depositário contratual de entregar a coisa ou o equivalente em dinheiro, conforme estatuem os artigos 902, inciso I e 904 do CPC. A esse respeito, confira-se o RHC 10.246/SC, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, in DJ 27/11/2000; REsp 133.600/SP, relatora Ministra Eliana Calmon, in DJ 4/12/2000, no qual a egrégia Segunda Turma assentou que “descumprida a obrigação de guarda do bem, o qual deve ser apresentado pelo depositário quando intimado para tal, resta-lhe a alternativa de fazer o depósito do valor equivalente, sob pena de ser declarado infiel”.

Não se enxerga possibilidade de o depositário apresentar outros bens em substituição ao bem gravado na execução, visto que o seu encargo se dirige à guarda e conservação de bens certos e determinados, que, no caso, correspondem, dentre outros, a um compressor, um prelo, uma máquina canteadora e um ventilador (fls. 14, 21, 25), todos eles bens infungíveis, não estando a Fazenda obrigada a aceitar outros em substituição.

Nos termos do artigo 902, inciso I, do CPC, o depositário tem de entregar a coisa depositada em juízo ou consignar-lhe o equivalente em dinheiro.

Não vinga a assertiva relativa à pretendida substituição dos bens penhorados por pedras preciosas, pois tal pretensão incidentalmente deveria ter sido postulada antes da alienação dos bens constritos, mas por quem tem legitimidade para tanto.

Nesse diapasão, a substituição da penhora somente pode ser pedida pelo executado ou pela Fazenda Pública, nos termos do art. 15 e incisos da Lei 6.830/80 (LEF), nunca pelo depositário.

Pedida pelo executado, mais a mais, consoante estabelece o artigo 15, inciso I, da LEF, a substituição da penhora tem de ser por depósito em dinheiro ou fiança bancária.

Não colhe, igualmente, a justificativa de que a alienação se deu por ignorância da lei, pois ‘ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece’ (art. 3.º da LICC).

Divergência jurisprudencial configurada.

Recurso especial provido” (STJ, 2.ª T., REsp 276.817/SP, rel. Min. Franciulli Netto, j. em 23/4/2002, DJU de 7/6/2004, p. 179).

E, no mesmo sentido, as seguintes reiteradas decisões do STJ:

“Depositário Judiciário. Prisão civil.

I- Instado a restituir os bens objeto de penhora pelos quais ficou o depositário judicial responsável, deve esse fazê-lo prontamente, sob pena de ser considerado depositário infiel, sujeito à pena de prisão civil. Legalidade do decreto prisional.

II- Recurso desprovido” (STJ, 3.ª T., RHC 11.342/SP, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. em 29/5/2001, DJU de 25/6/2001. p. 166).

“Prisão do depositário infiel. Execução. Precedentes da Corte e do Supremo Tribunal Federal.

1. Na linha de precedentes da Corte, cabível é o decreto de prisão do depositário infiel que não cumpre a ordem judicial de entrega dos bens, nos próprios autos da execução, desnecessária a ação de depósito.

2. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, 3.ª T., REsp 28.330/AM, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 8/5/2001, DJU de 11/6/2001, p. 195).

“RECURSO ORDINÁRIO. HABEAS CORPUS. BENS PENHORADOS. DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO CIVIL. LEGALIDADE.

‘Não constitui constrangimento ilegal a prisão civil do depositário judicial que, regularmente intimado, não deposita o bem penhorado ou o equivalente em dinheiro’ (STJ, RHC 5.164/GO, rel. Min. Anselmo Santiago, DJU de 1.º/7/1996).

Recurso a que se nega provimento” (STJ, 1.ª T., RHC 10.626/SP, rel. Min. Francisco Falcão, j. em 13/3/2001, DJU de 11/6/2001, p. 96).

“HABEAS CORPUS. DEPÓSITO JUDICIAL. PENHORA EM EXECUÇÃO. DEPOSITÁRIO INFIEL.

Alegações de fatos controvertidos, dependentes de investigação probatória, não autorizam a concessão da ordem de habeas corpus.

Legitimidade da prisão civil fundada em infidelidade no depósito judicial dos bens penhorados em execução.

Ordem denegada” (STJ, 4.ª T., HC 15.594/SE, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. em 6/3/2001, DJU de 30/4/2001, p. 136).

“HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL.

Admissível a prisão civil de depositário que, assumindo a obrigação de restituir os bens penhorados, não o faz, a despeito de intimado. Alegação extemporânea de que inexistira a apreensão física dos objetos, matéria esta ademais dependente de dilação probatória, insuscetível de efetivar-se no âmbito do habeas corpus.

Impertinência, no caso, da invocação do ‘Pacto de San José da Costa Rica’.

Ordem denegada” (STJ, 4.ª T., HC 9.556/PR, rel. Min. Barros Monteiro, j. em 14/09/1999, DJU de 17/12/1999, p. 369).

Na verdade, em que pese não haver na atualidade norma legal específica que preveja a prisão civil por infidelidade depositária em processo de execução, a jurisprudência entende-a constitucional e legal.

E, nesse sentido, o futuro art. 666-A, do CPC, vem suprir esse vácuo legal específico, consoante, ademais, contido na justificativa ao Projeto de Lei 1.214-B, de 2003, apresentado pelo Dep. Luiz Bittencourt, nestes termos:

“Pelo Código de Processo Civil, a única previsão de prisão do depositário se encontra dentro das normas que regulam a ação de depósito. Logo, pela lei, só há instrumento hábil a impor a pena civil de prisão àquele que se submete à ação de depósito.

Entretanto, a lei deve ter previsão no sentido de que a prisão possa se dar nos próprios autos da execução, até como medida de economia processual.

(...)

Impende, pois, cristalizar como norma legal o que já se acha cristalizado pela jurisprudência, porquanto se trata de medida salutar para o bom andamento processual, em benefício de toda a coletividade”.

E o Projeto de Lei 1.282-B, de 2003, ao acrescentar o § 3.º ao art. 1.050, do CPC, dispensa a citação pessoal do embargado para responder aos embargos de terceiro se ele (o embargado), nos autos da ação principal, isto é, nos autos da ação em que ocorreu qualquer espécie de constrição judicial de bem de posse ou propriedade de terceiro (o embargante), tiver procurador constituído.

É o que estabelece o § 3.º ao art. 1.050, do CPC, conforme a redação do art. 2.º, do Projeto de Lei 1.282-B, de 2003, nestes termos:

“Art. 1.050.

“§ 3.º A citação será pessoal, se o embargado não tiver procurador constituído nos autos da ação principal”. (NR)

Na questão da citação pessoal do embargado – ou embargados, haja vista a formação, de regra, de litisconsórcio necessário, embora não unitário – para defesa em embargos de terceiro sempre vicejou muita polêmica.

A jurisprudência do STF acolhe orientação no sentido de ser desnecessária a citação pessoal do embargado com procurador constituído nos autos em que a constrição ocorreu. Senão, veja-se:

“EMBARGOS DE TERCEIRO. Citação. Desnecessidade da citação pessoal do embargado, em face da natureza incidental e acessória dos embargos de terceiro. Promessa de compra e venda de imóvel não inscrita no registro imobiliário. Circunstâncias de fato e interpretação de cláusulas contratuais que fizeram com que o acórdão acolhesse, em parte, os embargos de terceiro, para mandar excluir da penhora, realizada em execução hipotecária, a meação da embargante. Súmulas 279 e 454” (STF, 1.ª T., RE 81.620/SP, rel. Min. Soares Munoz, j. em 3/4/1979, DJU de 4/5/1979, p. 3.519; RTJ 94/631).

O STJ, porém, entende ser necessária a citação pessoal do embargado, como já decidiu, nestes termos:

“EMBARGOS DE TERCEIRO. NECESSIDADE DE CITAÇÃO DO EMBARGADO, EMBORA NÃO EXPLÍCITO O ARTIGO 1.053 DO CPC.

Insuficiência, para instaurar a relação jurídica processual, da simples intimação do advogado, deduzida na mera publicação do despacho ordenatório da citação.

Não citado o embargado, e declarada extinta a ação de embargos por perda de objeto (penhora tornada sem efeito), não cabe a condenação do embargado no ônus da sucumbência. Contrariedade aos artigos 214, 215 e 273 do Código de Processo Civil.

Recurso especial conhecido pelas alíneas ‘a’ e ‘c’ do permissivo constitucional, e provido para cancelar a condenação aludida” (STJ, 4.ª T., REsp 2.892/RO, rel. Min. Athos Carneiro, j. em 21/8/1990, DJU de 17/9/1990, p. 9.514).

E ainda:

“EMBARGOS DE TERCEIRO. CITAÇÃO.

Indispensável a citação do embargado para responder à inicial dos embargos de terceiro” (STJ, 3.ª T., REsp 23.352/SP, rel. Min. Cláudio Santos, j. em 16/12/1992, DJU de 19/04/1993, p. 6.679).

Desse modo, o Projeto de Lei 1.282-B, de 2003, resolvendo essa divergência jurisprudencial, impõe, como regra, a citação na pessoa do advogado do embargado em embargos de terceiro, o que, de fato, se mostra mais consentâneo com a realidade forense, haja vista a prodigiosa criatividade nacional em esquivar-se de ordens judiciais, frustrando, assim, o princípio da efetividade do processo.

Visto tudo isso, ponto importante a ser levantado diz respeito à vigência das normas projetadas e a sua aplicação no tempo.

O Projeto de Lei 4.478-B, de 2001, sendo aprovado definitivamente pelo Congresso Nacional e sancionado pela Presidência da República, e caso não haja alterações em seu art. 2.º, entra em vigor trinta dias após a sua publicação; e os Projetos de Lei 1.214-B, e 1.282-B, ambos de 2003, conforme os seus arts. 3.º, caso definitivamente aprovados e sancionados, entram em vigor na data de sua publicação.

Na verdade, o Projeto de Lei 4.478-B, de 2001, o Projeto de Lei 1.214-B, de 2003, e o Projeto de Lei 1.282-B, de 2003, entrando em vigor, aplicam-se aos processos em curso.

Desse modo, aos processos em curso, será possível: (i) o usufruto de bem móvel na execução por quantia certa contra devedor solvente (art. 647, III, do CPC, alterado pelo Projeto de Lei 4.478-B, de 2001); (ii) a decretação da prisão do depositário infiel nos próprios autos do processo de execução, dispensada a exigência de ação de depósito (art. 666-A, do CPC, acrescentado pelo Projeto de Lei 1.214-B, de 2003); e (iii) a dispensa da citação pessoal do embargado para responder aos embargos de terceiro (art. 1.050, § 3.º, do CPC, acrescentado pelo Projeto de Lei 1.282-B, de 2003).

Anote-se, enfim, que referidas normas projetadas, por terem sido aprovadas em caráter conclusivo, não precisam ser votadas pelo Plenário da Câmara dos Deputados, bastando, portanto, serem aprovadas pelo Senado Federal e, posteriormente, sancionadas pelo Presidente da República.
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* Advogado do escritório Peixoto E Cury Advogados









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