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Progressão de regime e crimes hediondos

Não são raras as vezes que a sociedade ou pelo menos parte dela volta a discutir a questão da progressão de regime no cumprimento da pena privativa de liberdade. Agora a questão volta a ser debatida em razão da iminência do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) se os condenados em crimes hediondos têm o direito de obter a progressão de regime ou se devem cumprir a pena imposta em regime integralmente fechado.

8/9/2004

Progressão de regime e crimes hediondos


Leonardo Isaac Yarochewsky*

Não são raras as vezes que a sociedade ou pelo menos parte dela volta a discutir a questão da progressão de regime no cumprimento da pena privativa de liberdade. Agora a questão volta a ser debatida em razão da iminência do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) se os condenados em crimes hediondos têm o direito de obter a progressão de regime ou se devem cumprir a pena imposta em regime integralmente fechado.

O Código Penal brasileiro prevê três regimes de cumprimento da pena: regime fechado, semi-aberto e aberto. De acordo com o art. 33 do Código Penal, considera-se: “regime fechado à execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; regime sem-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar; regime aberto à execução da pena em cãs de albergado ou estabelecimento adequado”. Estabelece, ainda, o Código Penal que: “as penas privativas de liberdade deverão ser executadas de forma progressiva, segundo o mérito do condenado...” (art. 33, § 2º).

Além do referido sistema, existem outros dois sistemas, a saber: sistema pensilvânico ou celular e o sistema auburniano. O primeiro teve sua origem em 1681 na Colônia da Pensilvânia. Contudo, foi a partir de 1776, com a construção da primeira prisão norte-americana, a Walnut Street Jail, que o chamado sistema filadélfico desenvolveu-se. Neste sistema os presos ficavam completamente isolados em uma cela sem qualquer contato com os demais presos, também eram obrigados a rezar. Neste sistema muitos presos ficaram ou suicidaram-se. O sistema auburniano ou de Auburn, muito semelhante ao anterior, se desenvolveu no Estado da Pensilvânica. Este sistema prescrevia a cela individual durante a noite, trabalho e as refeições em comum e, como regra, o silêncio absoluto onde os presos só podiam falar com os guardas, com a permissão destes e em voz baixa.

Como podemos observar, tanto o sistema filadélfico como o auburniano se baseiam numa rígida disciplina e na submissão completa do ser humano. O sistema progressivo, conforme já foi dito, visou humanizar um pouco a crueldade dos sistemas anteriores.

O sistema progressivo de cumprimento da pena tem sua origem no sistema inglês desenvolvido pelo capitão Alexander Maconochie, no de 1840, na Ilha de Norfolk, na Austrália, conhecido também como sistema de “vales” ou “marcas” em que a duração da pena era medida pelo trabalho e a boa conduta do condenado. O referido sistema foi aperfeiçoado por Walter Crofton, diretor das prisões na Irlanda, sempre visando preparar o regresso do interno (recluso) para a sociedade. O referido regime era composto por quatro fases: 1) reclusão celular diurna e noturna; 2) reclusão celular noturna e trabalho diurno; 3) período, denominado por Crofton, como “intermediário” (entre a prisão em local fechado e a liberdade condicional), no qual o preso trabalhava ao ar livre, no exterior do estabelecimento penal; 4) liberdade condicional, onde o preso era libertado sob determinadas condições até atingir a liberdade definitiva.

É importante salientar que para obtenção da progressão de regime o condenado tem que cumprir com alguns requisitos objetivos (cumprir mais de 1/6 da pena no regime anterior) e subjetivos (mérito indicar) previstos na lei de execução penal. Do mesmo modo que a lei prevê a progressão, também, prevê a regressão de regime com a transferência do condenado para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando, por exemplo, o condenado comete falta grave.

Diante do principio constitucional da individualização da pena (art. 5º, inc. XLVI da CF) que, ultrapassado o momento legislativo e o judicial, atinge a fase de execução da pena, o regime progressivo parece o mais adequado além de possibilitar que o condenado, paulatinamente, volte a conviver com a sociedade livre. O choque para o condenado é bem menor no sistema progressivo do que nos outros onde após ter cumprido integralmente a pena em regime fechado ou celular o interno é “jogado” na sociedade. Lembrando que na prisão, ao contrário do que muitos imaginam, o preso está muito longe do que chamam de “regenerado” ou “ressocializado”, na prisão ocorre o fenômeno conhecido como prisionização, lá vigora outras regras e outros códigos.

Portanto, ainda que uma ou outra pessoa descumpra ou viole alguma ou algumas das regras do regime em que está cumprindo sua pena, isto não pode servir de alicerce para destruição de todo um sistema que, além de representar uma evolução, reflete um direito penal mais humanitário que tem o homem como fim em si mesmo como corolário do Estado de direito.

A lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) ao vedar a progressão de regime para os condenados por estes crimes está ferindo, frontalmente, o princípio constitucional da individualização da pena, além de desprezar toda uma história de humanização do direito penal.

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*Professor de Direito Penal da PUCMinas e Advogado Criminalista





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