Direito Adquirido, Cláusula Pétrea e o STF
Carlos Roberto Siqueira Castro*
Essa proteção ao direito adquirido foi ainda mais enaltecida, com excelentes razões, pelo constituinte de 1988. Inovando o sistema vigorante no regime ditatorial pós-64, em boa hora a nova Constituição cuidou de acrescentar os direitos fundamentais dentre as chamadas cláusula pétreas (art. 60, § 4º, IV), ou seja, dentre as matérias intocáveis e insuscetíveis de alteração até mesmo por reforma constitucional, através de emenda à Constituição. Ao assim fazer, o Poder Constituinte originário impediu a aprovação de emendas constitucionais inconstitucionais, vale dizer, de emendas atentatórias de tais cláusulas intangíveis. A previsão de cláusulas pétreas é também antiga e coincide com o advento das constituicões liberal-democratas. Assim é que a bicentenária Constituição dos Estados Unidos impede a promulgação de emendas constitucionais que atentem contra o modelo federativo e contra a igualdade da representação dos Estados no Senado da República. Idêntica prescrição foi adotada no art. 90, § 4º, pela Constituição brasileira de 1891, sabidamente influenciada pelo modelo norte-americano. A nossa Carta Política em vigor, sem nenhum exagero e inclusive com parcimônia diante de outros estatutos constitucionais de prestígio, deixou ressalvado do poder de reforma constitucional apenas o núcleo mais essencial da Constituição, aquilo que Carl Schmitt, na Alemanha de Weimar, designava de decisões políticas fundamentais, a saber a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais.
Esse tema foi recentemente agitado ao ensejo do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 3105 e 3128) acerca da contribuição previdenciária dos servidores inativos. O noticiário da imprensa em algum momento deu a sugerir que a proteção ao direito adquirido e que o instituto das cláusulas pétreas tivessem sido desmerecidos pela Corte guardiã da Constituição. Isto, porém, felizmente, jamais ocorreu. A conclusão da maioria vencedora, integrada por sete eminentes Ministros, que de um modo geral acompanharam o voto do Ministro Cesar Peluso, foi no sentido de que as contribuições previdenciárias, hoje denominadas contribuições de seguridade social, são espécies tributárias, ou seja, ostentam a natureza de tributo. Em conseqüência, nenhum contribuinte poderia invocar um suposto direito constitucional a não ser tributado, vez que a exclusão da tributação só pode ser estabelecida mediante regra de imunidade fiscal, esta de obrigatória previsão constitucional. Em síntese, inexiste direito a não ser sujeito passivo de obrigação tributária, a menos que a pessoa, física ou jurídica, seja beneficiária de imunidade. Considerou-se, além disso, já agora com o apoio da EC 41/03,que o financiamento da seguridade social é informado pelo princípio da solidariedade e que o regime de previdência do servidor é de caráter contribuivo e solidário, de tal sorte que toda a sociedade, aí incluída a categoria dos aposentados e pensionistas, deve contribuir para a respectiva fonte de custeio. Sem questionar, por ora, o mérito desse julgado, que a mim causou intensa perplexidade, por isso que sobremodo sensibilizaram-me as razões dos doutos Ministros que formaram a minoria vencida, é certo que a discussão travada na Suprema Corte nem de longe abalou a tradição brasileira de proteção ao direito adquirido e de solene respeito às cláusulas pétreas. Do contrário, estaríamos todos diante de um lamentável retrocesso e de conseqüências funestas para a segurança das relações jurídicas em nosso País.
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* Advogado do escritório Siqueira Castro Advogados