Reflexos da nova lei de falências
Jeremias Alves Pereira Filho*
Do último texto, agora denominado Projeto de Lei da Câmara nº 71, de 2003, ou, para os íntimos, “PCF nº 71/2003”, que tramita desde outubro de 2003 na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, o relator Ramez Tebet ofereceu Substitutivo afirmando em seu parecer que manteve do texto original apenas oito artigos dos duzentos e vinte e dois iniciais, além de reduzir o número de artigos para duzentos, o último deles dispondo que a lei entrará em vigor em cento e oitenta dias de sua publicação.
Percebeu o Senado que o projeto original não era coerente tanto externa como internamente, posto que criava dúvidas e conflitos que poderiam não só complicar a compreensão da lei, mas, pior, sua própria aplicação.
De fato o novo texto é mais enxuto, não só porque “economizou” vinte e dois artigos, mas também porque deu maior coesão à lei, tornando-a, do ponto de vista processual, melhor sistematizada.
Porém, continua o “PCL nº 71/2003” oferecendo uma lei cara e de difícil aplicação, já que seus autores continuam enxergando o País imaginário de seus sonhos e não o Brasil real.
Não seria necessário repetir que apenas um seleto grupo de empresários e de empresas poderiam se servir bem da Nova Lei de Falências, mesmo com os “cortes” feitos pelo Substitutivo que, aparentemente, proporcionaria ampla possibilidade de utilização da lei, inclusive para as empresas de médio porte.
Embora suprimidos no Substitutivo certos laudos e relatórios previstos no PCF nº 71/2003, a lei exigirá, se aprovada como está, enorme esforço financeiro das empresas interessadas na recuperação judicial, obrigando o impetrante, como requisito necessário, a apresentar “laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por contador ou empresa especializada”. Ora, no texto da “velha” Lei de Falências o requerente da concordata preventiva já estava obrigado, como ainda está, a instruir seu pedido com o Balanço Especial levantado à data da impetração com esse mesmíssimo requisito, cujo balanço assinado por técnico contador, deve apontar o índice de solvabilidade da empresa, isto é, a relação positiva entre o seu passivo e o seu ativo.
É claro que essa tarefa custa dinheiro, porém menos do que custaria o aludido “laudo econômico-financeiro e de avaliação”, objeto do Substitutivo, já que uma empresa organizada – e é essa que interessa à lei - certamente possui contabilidade regular e contador próprio ou terceirizado, competente o bastante para elaborar um Balanço Especial.
Melhorou o Substitutivo ao trocar a exigência de a empresa impetrante apresentar de imediato um “plano de recuperação” por uma “proposta de negociação com os seus credores”, no prazo de sessenta dias do deferimento do pedido.
É diferente o termo inicial da distribuição do termo do deferimento do pedido de recuperação judicial, ou seja, pode ocorrer de o requerimento ter sido feito na data “x”, enquanto seu deferimento acontecer na data “y”, a trinta, sessenta, noventa ou mais dias do termo inicial, começando a fluir os sessenta dias para apresentação da proposta na data “y”. Tomara que não ocorra o que quase sempre ocorre na lei atual: pede-se a concordata preventiva, defere-se o processamento, porém quase nunca é concedida a própria concordata, não se operando, assim, as situações previstas para acontecer a partir deste último evento.
O Substitutivo prevê, ainda, que o impetrante deverá instruir seu requerimento com relatório gerencial do fluxo de caixa da empresa, o que constitui uma “faca de dois gumes” já que, é óbvio, nenhuma empresa devedora tem fluxo de caixa positivo, o que poderia induzir os credores a interpretar com reservas a possibilidade de recuperação da devedora, afastando-os de colaborar nesse sentido. É lógico que se o fluxo gerencial do caixa for muito bom, todos os credores desejarão receber seus créditos de pronto e, sem dúvida, sentir-se-ão ludibriados pelo “rico devedor” que, por esse mesmo motivo, não mereceria o processo de recuperação judicial.
É bom lembrar que o antigo pressuposto da concordata preventiva, como “favor legal do Estado”, continua vivo na recuperação judicial sob o titulo de “tutela do Estado”, como direito inalienável do bom e regular comerciante ou industrial. Princípio bom e velho esse, que prestigia igualmente a empresa constituída de boa-fé.
O Substitutivo mexeu muito nas relações diretas do devedor e seus credores, numa faixa de tempo que se denomina “stay period”. Mas isso é outra história.
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*Advogado especialista em Direito Empresarial
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