Cidades horizontais e verticais
Sérgio Roxo da Fonseca*
É possível classificar as cidades, fixando determinados modelos voltados para a compreensão de seus problemas. Não são regras fixas, mas modelos. Há cidades espontâneas, outras planejadas. Canudos, como descrita por Euclides da Cunha, é o modelo extremo da espontaneidade, onde não se percebe nenhuma espécie de intervenção estatal. Volta Redonda, Belo Horizonte e Brasília, são paradigmas de cidades planejadas. Não é difícil encontrar defeitos tanto no planejamento como na espontaneidade. Mas é possível evitá-los.
As cidades podem ser horizontais ou verticais. Tendo espaço para ampliar seus limites, as cidades tornam-se espontaneamente horizontais. Em sentido contrário, quando não há espaço para construir, o jeito é ir para os céus. O exemplo clássico da cidade horizontal é Paris, considerada a mais bela do mundo. Em contrapartida, Nova York, construindo arranha-céus, optou por uma solução vertical, tornando-se seu paradigma.
São Paulo, tendo o seu território quase todo ocupado, foi lançado para os céus. Rio de Janeiro, cercado por montanha e mar, também caminhou para o alto. É bem verdade que as cidades americanas sempre procuraram construir para cima, entendendo ser esse o caminho da sua civilização, do seu ideal estético. As cidades européias, ao contrário, resistiram tanto quanto puderam, optando pela ocupação horizontal.
Uma pequena cidade, localizada nas imediações de Ribeirão Preto, região exemplarmente plana, foi atingida com a construção estapafúrdia de um edifício alto. Mais do que isso, mesmo em Ribeirão Preto, no meio de uma vasta fazenda, foi construído um arranha-céu no qual espantosamente se acha instalado o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Não encontro justificação para isso.
O defeito da cidade vertical está na dificuldade da sua administração muito mais onerosa. Mais pessoas por metro quadrado significa trânsito mais intenso, mais escolas, mais serviços médicos, mais quase tudo, inclusive mais rede de esgoto, por metro quadrado.
A opção natural pela horizontalidade não contraria os interesses das empresas construtoras pois assim como constroem para o alto, podem construir para os lados, seguindo o exemplo de muitas capitais européias.
Vamos ao exemplo clássico, que é Paris. Em 1852, Napoleão III nomeou um advogado desconhecido para ordenar Paris. Chamava-se Georges Huasmann, descendente de judeus. Decidiu que os prédios da área central deveriam ter, todos eles, apenas quatro andares, regra mantida até hoje. Como a medicina da época acreditava que as doenças eram disseminadas pelas emanações miasmáticas, Hausmann decidiu abrir largas avenidas. Berlim, Amsterdam, Budapeste, Lisboa, Praga e Viena, entre outras grandes cidades européias aplicaram e aplicam as idéias do Barão de Hausmann até hoje: evitando a concentração de pessoas e de serviços, alargando, tanto quanto possível as suas principais avenidas.
O que essas cidades têm em comum? Suas comunidades foram assentadas em vales planos de famosos rios. É possível, portanto, dizer que Ribeirão Preto e Paris têm em comum pelo menos a natureza do seu espaço físico. São cidades planas com vocação natural para a horizontalidade. A Praça XV é um jardim francês, não um jardim inglês.
Em matéria de urbanismo infelizmente há muita diferença. No passado Ribeirão Preto foi uma cidade planejada segundo o modelo geométrico de Paris. Não hoje. As regras de planejamento lá são respeitadas desde a metade do século XIX. Aqui essas normas são criadas
Sobre ser uma grande heresia projetar uma Ribeirão Preto vertical, com toda a certeza, tal decisão irá sacrificar estupidamente as gerações vindouras. É possível, pelo menos em Ribeirão Preto e em Paris, caminhar para o horizonte, construindo prédios deitados sobre o chão plano. Caberá ao prédio do Hospital das Clínicas, instalado num arranha-céu edificado no centro de uma vasta fazenda, documentar a opção vertical de uma cidade naturalmente horizontal. Ribeirão Preto de hoje caminha pára os céus, negando a sua natural platitude, e, a experiência do seu passado, quando então, pelas suas formas geométricas, ecoava no interior de São Paulo o aplaudido modelo parisiense.
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