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No olho do furacão

Afirmam os afetos à meteorologia que, em regra, o olho do furacão é o local de efeitos climáticos mais amenos desse fenômeno da natureza, no qual é possível aferir erros e acertos ocorridos até aquele momento para decidir melhor como fugir da ventania. Um momento de relativa calma em meio ao caos.

25/8/2004

No olho do furacão


André Gustavo Salvador Kauffman*

Afirmam os afetos à meteorologia que, em regra, o olho do furacão é o local de efeitos climáticos mais amenos desse fenômeno da natureza, no qual é possível aferir erros e acertos ocorridos até aquele momento para decidir melhor como fugir da ventania. Um momento de relativa calma em meio ao caos. Guardada a proporção, é exatamente essa a situação dos profissionais do Direito durante a greve dos serventuários do Judiciário paulista. O “furacão” é o movimento grevista - perseverante mesmo após as propostas do Tribunal de Justiça -, a possibilidade de não pagamento de salários e a liminar obtida pela OAB/SP na Justiça Federal. Seu “olho” é a calmaria que os freqüentadores do fórum começam a perceber no dia-a-dia de suas atividades, eis que ao menos 80% dos processos em primeira instância estão, literalmente, parados. A questão agora é: o que fazer para evitar o retorno do problema em alguns anos, assim como os furacões que teimam em visitar alguns países desafortunados periodicamente?

Como ocorre com os furacões, é inegável que sofre menos quem melhor se prepara para o evento. Diversificação nas áreas de atuação sempre foi fundamental, mas, além disto, certamente se arrependem hoje aqueles que ainda não surfam a terceira onda renovatória, nos dizeres do notável jurista italiano Mauro Cappelletti, e relutam em indicar aos seus clientes os meios alternativos (rectius, paralelos) de solução de conflitos. A arbitragem e a mediação seguem a todo vapor em vários ramos da sociedade, pois elas não vieram substituir a jurisdição, mas apenas criar alternativas mais adequadas aos conflitos e aos interesses dos contendedores.

Além disso, é importante verificar os danos que o furacão historicamente causa para, atacando sua origem, evitá-los no futuro. Nesse ponto, impende repensar a Lei de Responsabilidade Fiscal (desculpa da moda quando se fala de repasse de verbas ao Judiciário), e, sobretudo, o pensamento do administrador público de considerar natural e razoável negar, ano após ano, qualquer repasse de inflação, quiçá aumento real, ao funcionalismo. Greve idêntica à atual ocorreu em São Paulo em 2001 com resultados assoladores e, infelizmente, muito pouco foi feito para evitar a nova deflagração do movimento. Aliás, insta perguntar qual o interesse do Poder Público em ver o Judiciário mais célere, porquanto tal fato, na intangível mente de alguns governantes, apenas enseja a emissão de mais e mais precatórios. Esquecem eles que o tempo médio de um processo e o grau de sua efetividade são demonstrativos incontestes do grau de evolução de um país, causando reflexo direto no crescimento econômico e, até mesmo, na geração de emprego e renda. Definitivamente, o Judiciário não é o ralo da administração pública, mas a pedra fundamental para a manutenção do Estado Democrático de Direito.

Por fim, para sobreviver ao furacão, é necessário criatividade para enfrentar as dificuldades. Não se nega que problemas complexos não são resolvidos com soluções simplistas, mas idéias renovadoras podem auxiliar ¾ e muito ¾ na administração da Justiça. Em São Paulo, ante o acúmulo de trabalho que é imposto aos magistrados, as atividades nesse sentido não são muitas, ao menos não as que tenham demonstrado resultados na prática. Os Juizados Especiais Itinerantes, as audiências de conciliação em segundo grau e a abertura de vagas para novos juízes são como gotas no oceano, apesar da inegável boa vontade dos seus empreendedores, homens honrados com vocação para o sacerdócio de julgar. Nem mesmo a recém apresentada idéia de realizar audiências aos sábados nos Juizados Especiais Cíveis haverá de dar conta da demanda, pois, paradoxalmente, é notório que, salvo raríssimas exceções, o Judiciário bandeirante é avesso à designação de audiência no período da manhã, mesmo de segunda a sexta. Isso sem sequer falar no alto custo que aquela inovação acarretará para as empresas (hora extra de prepostos, por exemplo), além de ofensa a preceitos religiosos.

É preciso inovar. Para começar, devemos superar a umbilical postura paulista e analisar o Judiciário de outros Estados. Por qual razão o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aplica tanto o trabalho voluntário e nunca ouvimos falar disso em São Paulo? Como o Rio de Janeiro julga uma apelação em seis meses, o que, em São Paulo, pode levar seis anos? Que motivo enseja a mantença de Tribunais de Alçada em São Paulo, quando quase todo o resto do País unificou suas Cortes em uma só? Por qual razão não há uma aproximação efetiva dos Escritórios de Advocacia com o Tribunal de Justiça para formar parcerias? Ainda que haja resposta para cada uma dessas indagações, mister ainda aceitar o fato de que o magistrado, normalmente, não possui formação administrativa e carece de auxílio de profissionais gabaritados nessa área, com idéias organizacionais, de logística funcional e economicamente viáveis. Por sinal, há tempos que os advogados reconhecem suas limitações na senda administrativa, e nomeiam profissionais especializados nessa área para gerir seus Escritórios.

Obviamente, essas idéias não almejam solucionar o problema do Judiciário Paulista, como, igualmente, nenhum cientista até hoje conseguiu evitar os furacões, ou mesmo prevê-los com segurança. Apenas acreditamos que a última atitude a ser tomada em um momento de adversidade é a inércia, a paralisia trazida pelo medo de tentar alguma solução. Em suma, precisamos agir e rápido, antes que o vento sopre forte demais.
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*Advogado do escritório Villemor Amaral Advogados Associados





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