O princípio da kompetenz-kompetenz na arbitragem internacional
Renato Sampaio Brígido*
Do preceito de que a arbitragem somente será utilizada se tiver sido escolhida pelas partes surge a questão sobre ter sido, efetivamente, eleita a arbitragem como método de solução de disputas. É necessário saber se os termos utilizados ao estabelecer a arbitragem como método de solução de controvérsias (bem como as demais características que possam ser apresentadas pelo contrato) têm o condão de tornar existente e válida a cláusula compromissória. Uma das conseqüências da existência e validade da cláusula compromissória é a atribuição de competência aos árbitros. Surge, entretanto, a pergunta: “quem seria responsável por decidir se os árbitros são competentes para dirimir eventual controvérsia”?
Tal questão pode ser analisada tanto pelos árbitros quanto pelo Poder Judiciário que, afinal de contas, seria o foro para solução de disputas se não tivesse sido eleito um método alternativo. Porém, encontra-se bem solidificado no campo da arbitragem internacional o princípio do kompetenz-kompetenz, segundo o qual caberá aos árbitros decidirem sobre sua própria competência. Vale lembrar que, mesmo obedecido esse princípio, a conclusão dos árbitros (a respeito de sua própria competência) ainda poderá ser objeto de análise pelo Judiciário em procedimentos que busquem evitar a aplicação ou reconhecimento da decisão arbitral. Conseqüentemente, não seria de todo errado afirmar que a decisão final, sobre os árbitros serem ou não competentes para dirimir determinada controvérsia, caberá aos magistrados.
Mesmo assim, o elevado nível de desenvolvimento e importância que a arbitragem apresenta em nossos dias faz com que seja discutido, no âmbito internacional, basicamente o grau de aplicabilidade do princípio do kompetenz-kompetenz. Isso porque a arbitragem já está consolidada, em boa parte dos países, como método amplamente aceito de solução de controvérsias (inclusive pela magistratura). A principal questão torna-se, assim, estabelecer até que ponto deverá ser aceita a opinião dos árbitros sobre possuírem jurisdição quanto a determinado assunto. Em outras palavras, até que ponto será aceita a decisão dos árbitros de que determinada cláusula arbitral é existente e válida sem que seja, tal decisão, posteriormente alterada pelo Poder Judiciário. A esse respeito, duas tendências assumidas pelos Poderes Judiciários de dois países têm se destacado: a dos Estados Unidos e da França.
Experiência Americana: o foco da análise americana está em determinar se é contestado todo o contrato no qual a cláusula compromissória está contida ou se a controvérsia está direcionada única e exclusivamente à cláusula compromissória em si. Apesar de não ser um entendimento uniforme, é geralmente aceita a idéia de que, uma vez argumentada a invalidade total do contrato, será a questão sobre jurisdição para solução de controvérsias encaminhada aos árbitros. Porém, se a alegação de invalidade for direcionada especificamente para a cláusula compromissória, a tendência é de que o Judiciário irá reter jurisdição para decidir a respeito da existência e validade de tal cláusula.
Experiência Francesa: o Judiciário francês adota um entendimento mais liberal do que o americano a respeito do kompetenz-kompetenz (um entendimento mais “pró-arbitragem”, onde se destaca a aplicação do artigo 1458 do Código de Processo Civil francês). Na hipótese de ser submetida ao Judiciário francês uma questão previamente apresentanda a árbitros, a tendência é de que o magistrado francês deixará que os árbitros decidam a respeito da validade e existência da cláusula arbitral. Por outro lado, se a questão não tiver sido anteriormente submetida à análise de árbitros, os tribunais franceses irão reter jurisdição somente na hipótese da eleição de arbitragem tiver sido manifestamente nula. Caso contrário, as partes serão remetidas à arbitragem.
Conforme visto acima, a aplicação e aceitação do princípio do kompetenz-kompetenz não é totalmente uniforme. Ela pode variar de acordo com as especificidades de cada contrato, cláusula compromissória e, também, em virtude da posição do Poder Judiciário de cada país.
Especificamente em relação ao Brasil, cremos haver fundamentação legal suficiente para que seja adotada uma postura “pró-arbitragem” pelo Judiciário em razão do parágrafo único do artigo 8º e artigo 20 da Lei 9.307/96. Depreende-se desses dispositivos legais que caberá ao árbitro decidir questões acerca da existência, validade e eficácia não somente da convenção de arbitragem, mas também, do contrato em que a mesma estiver inserida. Porém, teremos que aguardar o desenvolvimento da jurisprudência pátria em torno desse assunto, principalmente se considerarmos que a arbitragem é um instituto em início de desenvolvimento no Brasil, com diferentes graus de aceitação pelas instituições governamentais e com uma jurisprudência ainda escassa. Com o passar do tempo, poderemos verificar a posição a ser seguida pela magistratura brasileira – se adotará uma posição mais ou menos favorável à arbitragem. Eis, então, nova oportunidade para que o Judiciário brasileiro auxilie o desenvolvimento econômico do País já que, como é bem sabido, a arbitragem tem, cada vez mais, sido preferida como método de solução de disputas entre partes contratantes e, mesmo, condição para a realização de negócios.
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* Advogado do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar - Advogados e Consultores Legais