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A legalidade do planejamento tributário e a impossibilidade da desconsideração de negócios jurídicos lícitos pela administração fazendária

É de conhecimento de todos que a carga tributária incidente sobre as pessoas físicas e jurídicas no Brasil é elevadíssima, chegando, muitas vezes, a inviabilizar o exercício da atividade econômica e violando, em alguns casos, o próprio direito de propriedade dos cidadãos

7/7/2008


A legalidade do planejamento tributário e a impossibilidade da desconsideração de negócios jurídicos lícitos pela administração fazendária

Érica de Carvalho E. Rodrigues*

Leandro Augusto Cerqueira Vieira**

É de conhecimento de todos que a carga tributária incidente sobre as pessoas físicas e jurídicas no Brasil é elevadíssima, chegando, muitas vezes, a inviabilizar o exercício da atividade econômica e violando, em alguns casos, o próprio direito de propriedade dos cidadãos. Nesse sentido, não são raras às vezes em que nos deparamos com casos concretos de empresas sólidas e constituídas há muitos anos, que se vêem obrigadas a fechar suas portas e demitir seus empregados, em razão de dívidas com o Fisco.

Dessa forma, os contribuintes brasileiros, sobretudo aqueles que se voltam para o exercício e exploração da atividade econômica, são obrigados a configurar ou reestruturar seus negócios de forma a praticá-los com o menor ônus tributário possível.

A essa configuração ou reestruturação lícita das atividades praticadas pelos contribuintes dá-se o nome de Planejamento Tributário, sendo, também, chamado de elisão fiscal, que pode ser conceituada como procedimento legítimo que consiste na elaboração e realização de um conjunto de operações lícitas, baseadas na prática de atos ou negócios jurídicos previstos em lei ou não vedados pela mesma, que implicam na redução ou elisão da carga tributária, maximizando o resultado econômico.

A todos é assegurado o livre exercício de qualquer atividade econômica, de modo que a Constituição Federal (art. 170 – clique aqui) consagrou o princípio da autonomia da vontade e do livre exercício da atividade empresarial, facultando ao contribuinte exercer discricionariamente seus negócios e gerir seu patrimônio mediante a utilização dos modelos jurídicos dispostos pelo legislador para o desempenho de suas atividades.

É dever de todo administrador maximizar os lucros e minimizar as perdas. Por essa razão, o planejamento tributário se mostra como um instrumento de gestão de negócios, tão necessário quanto qualquer outro planejamento, seja de marketing, de vendas, de qualificação de pessoal, de comércio exterior, etc.

Dessa forma, o "Planejamento Tributário" tem sido definido como a atividade empresarial que, desenvolvendo-se de forma estritamente preventiva, projeta os atos e fatos administrativos com o objetivo de informar quais são os ônus tributários incidentes em cada uma das opções legais disponíveis, cuidando de implementar aquela menos onerosa.

Enfim, o planejamento tributário é a forma lícita utilizada pelos contribuintes de encontrarem meios, dentro do sistema jurídico, para a redução da carga tributária, valendo-se das lacunas existentes na legislação e desencadeando, por conseqüência, uma economia fiscal.

A elisão fiscal poderá assumir as seguintes formas:

I) induzida pela lei, quando o próprio dispositivo legal autorizar ou induzir a economia no pagamento de tributos. Exemplos clássicos da elisão induzida são verificados na legislação do imposto de renda em relação à:

(a) possibilidade de certas empresas optarem pela tributação com base no lucro presumido ou com base no lucro real e

(b) possibilidade das pessoas físicas considerarem certos rendimentos como tributados exclusivamente na fonte, como é o caso de certos ganhos financeiros;

II) por lacunas ou brechas existentes na própria lei, que permitem ao contribuinte optar pela adoção de outros meios e operações jurídicas não proibidas, mas que geram o mesmo resultado prático da operação tributável, possibilitando-se evitar a ocorrência do fato gerador dos tributos ou a sua incidência menos gravosa. Exemplo disso é a situação em que o contribuinte, necessitando adquirir um determinado equipamento de produção, o faz por meio de um contrato de leasing (postergando e reduzindo o pagamento de ICMS) ao invés de compra e venda (onde o imposto incide imediatamente).

Para tipificar o ato do contribuinte como de elisão fiscal, necessária a licitude do comportamento, bem como a sua ocorrência em momento prévio à realização concreta do fato gerador.

Licitude da ação do contribuinte significa dizer que, regra geral, ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Sendo assim, sendo a lei lacunosa, o contribuinte, desde que observada a legislação em vigor, pode adotar a solução fiscal e jurídica menos onerosa.

Problema o qual há muito se tem procurado solucionar, tanto no plano doutrinário como no campo jurisprudencial, é a distinção entre a economia fiscal legítima, denominada pela doutrina de elisão fiscal, e a redução ilegítima da carga tributária, designada de evasão fiscal.

Com efeito, a linha divisória entre a elisão e a evasão fiscal é, por vezes, extremamente tênue, dificultando a distinção entre uma conduta que possa ser considerada contrária ao ordenamento jurídico e uma prática que leve à redução legítima da carga tributária.

Por sua vez, existem contornos básicos que diferenciam a prática da elisão e da evasão. Conforme entendimento dominante da doutrina, elisão fiscal corresponde à prática de atos lícitos, anteriores à incidência tributária, de modo a se obter legítima economia de tributos, seja impedindo o acontecimento do fato gerador, seja excluindo o contribuinte do âmbito de abrangência da norma ou simplesmente reduzindo o montante do tributo a pagar. Já evasão fiscal constitui a prática, concomitante ou posterior à incidência da norma tributária, na qual são utilizados meio ilícitos (fraude, sonegação e simulação) para escapar ao pagamento de tributos. Infere-se, portanto, a existência de dois critérios sobre os quais se ampara a doutrina para a diferenciação dos institutos, quais sejam:

Critério cronológico: a elisão ocorre sempre antes da realização do fato gerador da norma de incidência tributária. Já a prática da evasão se dá concomitantemente com a ocorrência do fato gerador, ou após esta.

Licitude dos meios utilizados: paralelamente ao aspecto temporal, deve-se analisar a adequação ou não dos atos praticados pelo contribuinte com o ordenamento jurídico vigente. Na elisão fiscal são utilizados meios sempre lícitos permitidos ou não proibidos por lei, ao passo que na evasão empregam-se meios ilícitos, como a fraude, sonegação e simulação.

A questão ganhou novos contornos, quando, em 10 de janeiro de 2001, o Governo Federal editou a Lei Complementar nº. 104 (clique aqui), que acrescentou o parágrafo único ao art. 116 do Código Tributário Nacional (clique aqui). O dispositivo inserido foi denominado de “norma geral antielisão”, dispondo que:

"A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária."

Por meio da norma geral antielisão, o legislador impõe limites ao planejamento tributário e atribui à autoridade administrativa tributária o poder subjetivo de analisar e desconsiderar determinados atos ou negócios jurídicos praticados pelos contribuintes, que resultem na exclusão ou redução de tributos.

Questão que emerge da redação do parágrafo único do art. 116 do CTN é a de saber quais atos ou negócios jurídicos poderiam ser desconsiderados e qual seria o alcance e sentido da expressão "dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo e a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária", que autoriza a atuação fiscal, pois o legislador deixou a conceituação do termo dissimulação aos intérpretes do direito.

Concluímos, todavia, que o advento da norma geral antielisão, materializada no parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, veio explicitar algo já possibilitado pelo Ordenamento Jurídico, que é a desconsideração de atos ou negócios jurídicos praticados com dolo, fraude ou simulação e a possibilidade de lançamento de ofício do tributo pela autoridade administrativa (art. 149, VII, do CTN).

Nessa esteira, a norma inserida no ordenamento jurídico pela LC nº. 104/01 trata-se de norma antievasiva, e não antielisiva, ou seja, o parágrafo único do art. 116 do CTN traduz caso de simulação relativa – dissimulação - cabendo ao Estado o ônus da prova, pois, apesar do ato administrativo do lançamento gozar de presunção de legitimidade, não dispensa a motivação, a razoabilidade e a proporcionalidade.

Segundo ensinamentos do Professor Sacha Calmon Navarro Coelho, dissimular equivale à prática ilícita do contribuinte que, para se evadir ao pagamento do tributo devido, utiliza-se de um negócio jurídico que implica menor ou nenhuma tributação para camuflar o negócio verdadeiramente praticado1.

Todavia, em meio ao contexto de um Estado Democrático de Direito, também embasado nos princípios da estrita legalidade em matéria tributária, da tipicidade cerrada e da livre iniciativa, não se pode admitir que seja tida como ilegítima a busca de menor efeito tributário na condução lícita da atividade econômica, razão pela qual a desconsideração das operações praticadas pelo contribuinte há de ser feita criteriosamente, partindo-se sempre da premissa de que o ônus da prova quanto à suposta ilicitude cabe à fiscalização.

Somente após a apuração dos atos e negócios jurídicos envolvidos e a efetiva constatação fiscal da situação caracterizadora da dissimulação (mediante prova fazendária) é que, mediante ato administrativo motivado, poderá o Fisco promover a sua desconsideração, exigindo, se for o caso, os tributos que tenham sido sonegados, segundo o devido processo legal.

Hodiernamente, existem importantes precedentes administrativos acerca das situações tidas como hipóteses de elisão fiscal – lícitas, portanto – e das diferenças existentes entre os institutos da simulação e do negócio jurídico indireto.

Exemplificativamente, destaca-se a decisão exarada nos autos do Processo Administrativo nº. 16327.001715/2001-26, Recurso nº. 131653, Acórdão nº. 101-94127, onde o Primeiro Conselho de Contribuintes, reportando-se à decisão proferida pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (Ac. CSRF/01-01.874/94), concluiu que "A incorporação de empresa superavitária por outra deficitária, embora atípica, não é vedada por lei, representando negócio jurídico indireto."

A ementa da referida decisão, ao tratar da suposta simulação envolvida na incorporação de empresa superavitária por outra deficitária, assim está redigida:

"Para que se possa materializar, é indispensável que o ato praticado não pudesse ser realizado, fosse por vedação legal ou por qualquer outra razão. Se não existia impedimento para a realização da incorporação tal como realizada e o ato praticado não é de natureza diversa daquela que de fato aparenta, não há como qualificar-se a operação de simulada. Os objetivos visados com a prática do ato não interferem na qualificação do ato praticado. Portanto, se o ato praticado era lícito, as eventuais conseqüências contrárias ao fisco devem ser qualificadas como casos de elisão fiscal e não de ‘evasão ilícita".

Logo, a opção pela incorporação, ainda que atípica, desde que amparada por motivos legítimos e não contrários aos preceitos legais existentes, não encontram obstáculos à sua adoção, tampouco pode ser caracterizada como prática evasiva, reforçando o entendimento, mesmo após o advento da LC 104/2001, de que há planejamento tributário possível, qual seja, o planejamento tributário praticado dentro dos contornos da licitude.

Conclusão lógica, portanto, é a de que a desconsideração dos atos jurídicos, autorizada pelo dispositivo legal em comento (art. 116, parágrafo único, do CTN), limita-se àquele em que o contribuinte tem por objetivo dissimular (que não se confunde com planejamento tributário) a ocorrência do fato gerador do tributo. O parágrafo único do citado art. 116 deixa claro tratar-se de norma antievasiva, que não gera qualquer impacto ou proibição ao planejamento tributário adotado pelas pessoas físicas e jurídicas.

Assim, ainda que se tratasse efetivamente de norma antielisiva, tal dispositivo seria incompatível com o texto legal do próprio Código Tributário Nacional e a ordem constitucional vigente, face aos princípios da legalidade estrita e tipicidade cerrada que norteiam a instituição e arrecadação dos tributos.

Isso significa dizer que o Fisco não pode desconsiderar negócios jurídicos lícitos praticados pelos contribuintes, que não materializam o fato gerador dos tributos abstratamente descrito nas normas tributárias, para exigir ilegalmente o pagamento de exações. Se assim fosse permitido, chegaríamos à absurda situação de vermos tributados pela Administração Fiscal, ao seu bel prazer, todo e qualquer ato ou negócio jurídico praticado pelos contribuintes, ainda que não constituam fato gerador dos tributos expressamente previstos em lei.

É certo, dentro do contexto ora apresentado, que a segurança jurídica dos contribuintes deve prevalecer, sob pena de desmoronamento do Estado Democrático de Direito instaurado a duras penas na República Federativa do Brasil.
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1 Op. cit., pág. 58.
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*Advogada do escritório Manucci Advogados, especialista em Direito Tributário.

**Sócio do escritório Manucci Advogados, especialista em Direito Tributário.









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