Migalhas de Peso

Pérolas de Rosa

João Guimarães Rosa, que, por esses dias, teria completado cem anos, é tido por autor complicado, obscuro, ininteligível. Enfim, sofre com o estigma de texto "difícil". Amado pelos peritos literários, dá pavor no simples leitor.

4/7/2008


Pérolas de Rosa

Cássio Schubsky*

João Guimarães Rosa, que, por esses dias, teria completado cem anos, é tido por autor complicado, obscuro, ininteligível. Enfim, sofre com o estigma de texto "difícil". Amado pelos peritos literários, dá pavor no simples leitor.

Tenho para mim que Rosa é, acima de tudo, um provocador: espalha espinhos para esconder o perfume que seu texto exala. Brinca de esfinge, ameaçando devorar o leitor. Por trás de suas escaramuças, no entanto, esconde-se a beleza repleta de sabedoria popular, a sensibilidade filosófica do matuto. A simplicidade profunda do pensar do povo, em refletir leve e denso, instigante e agradável. O belo da palavra casado com o bonito da idéia.

Para brindar a efeméride centenária e estimular leitores medrosos, garimpei uma antologia de trechos de Grande sertão: veredas, tido por livro ilegível, impenetrável, inescrutável – como, aliás, são as próprias veredas do grande sertão... Como o leitor poderá observar, é tudo simples, cristalino, facinho por demais. Um tesouro encantado. Até criança que é esperta entende. Quando não, faz pensar. Segue, então, minha coletânea. Ofereço, de coração inchado, o meu Roseiral despetalado:

* Toda saudade é uma espécie de velhice.

* O amor, já de si, é algum arrependimento.

* Ficar calado é que é falar nos mortos.

* Viver é muito perigoso.

* Deus come escondido, e o diabo sai por toda parte lambendo o prato.

* A colheita é comum, mas o capinar é sozinho.

* O amor? Pássaro que põe ovos de ferro.

* Viver é um descuido prosseguido.

* Cavalo que ama o dono até respira do mesmo jeito.

* Ser chefe – por fora um pouquinho amarga; mas, por dentro, é rosinhas fôres.

* O mal e o bem estão é em quem faz; não é no efeito que dão.

* Muita coisa importante falta nome.

* Quem desconfia, fica sábio.

* A vida não é entendível.

* Pensar mal é fácil, porque esta vida é embrejada.

*A assoprada na vaidade é a alegria que dá chama mais depressa e mais a ar.

* Sozinho sou, sendo, de sozinho careço, sempre nas estreitas horas.

* Amizade dada é amor.

* Passarinho cai de voar, mas bate suas asinhas no chão.

* Jagunço se rege por um modo encoberto.

* Viver perto das pessoas é sempre dificultoso, na face dos olhos.

* Toda ação principia mesmo é por uma palavra pensada.

* A noite é uma grande demora.

* Dó de amizade é num sofrerzinho simples.

* A morte é para os que morrem.

* Me alegrei de estrelas.

* Lei de jagunço é o momento, o menos luxos.

* Jagunço, pelo que é, quase que nunca pensa em reto.

* Quem vai em caça, perde o que não acha.

* O bom da vida é para o cavalo, que vê capim e come.

* Cheiro de boi sempre alegria faz.

* Só o que a gente pode pensar em pé – isso é que vale.

* Jagunço amolece, quando não padece.

* Sofrimento passado é glória, é sal em cinza.

* Para ódio e amor que dói, amanhã não é consolo.

* Sertão é o sozinho.

* Sertão: é dentro da gente.

* Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.

* Fevereiro é o mês mindinho.

* Obedecer é mais fácil do que entender.

* Vá se dever finezas a escorpião!

* A fé nem vê a desordem ao redor.

* Deus escritura só os livros-mestres.

* Quem bem trata gato consegue boa-sorte.

* A vantagem do valente é o silêncio do rumor.

* Quem vence, é custoso não ficar com a cara de demônio.

* Mente pouco, quem a verdade toda diz.

* Com o cansaço é que se tapa o desânimo.

* Vivendo se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.

* Natureza da gente não cabe em nenhuma certeza.

* Somente com a alegria é que a gente realiza bem – mesmo até as tristes ações.

* Cobra antes de picar tem ódio algum? Não sobra momento.

* O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais.

* Amor é assim – o rato que sai dum buraquinho; é um ratazão, é um tigre leão!

* Por cativa em seu destinozinho de chão é que árvore abre tantos braços.

* As coisas influentes da vida chegam assim sorrateiras, ladrazmente.

* O pássaro que se separa do outro vai voando adeus o tempo todo.

* Se teme por amor, mas, por amor, também, é que a coragem se faz.

* A vida inventa!

* Um chefe carece de saber é aquilo que ele não pergunta.

* O medo mostrado chama castigo de ira.

* O que dá fama, dá desdém.

* Tudo, nesta vida, é muito cantável.

* O dia vindo depois da noite – esse é o motivo dos passarinhos.

* A vida é um vago variado.

* Choca mal, quem sai do ninho.

* Sossego traz desejos.

* A morte de cada um já está em edital.

* Tempo é a vida da morte: imperfeição.

* A dor não pode mais do que a surpresa.

* O existir da alma é a reza.

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*Bacharel em Direito pela USP e em História pela PUC/SP, é editor e historiador





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